O Vazio do Universo

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ATO I

       Silêncio absoluto permeia o obscuro vazio, onde a escuridão é tão densa que engole qualquer noção de ver, tocar ou sentir. A única presença tangível é o som, um caos ensurdecedor de vozes, choros e sussurros que ecoam do além, tão íntimos aos ouvidos que se tornam gritos. Imagens tumultuadas inundam minha mente, uma enxurrada incessante de milhões de fragmentos por segundo, cada uma carregando um vislumbre efêmero e doloroso de memórias alheias.

Uma voz exausta e áspera rompe a cacofonia com uma pergunta nutrida de desespero, gritando enquanto empunha uma grandiosa espada dourada que reflete um brilho fantasmagórico no vazio: — POR QUE NÃO MORRE?!

Em contraparte, uma voz trêmula, cheia de medo se asfixia com o próprio sangue enquanto suplica por socorro: — Por favor, alguém!

Incredulidade gera a voz de outro, que larga sua arma no chão com um som metálico ressonante, quase que não acreditando nas próprias palavras: — Você está vivo!

A tristeza permeia a voz de outro enquanto segura sua amada nos braços, sua voz um lamento suave: — Ela não sobreviveu.

Cada voz, cada imagem, traz consigo um peso emocional distinto, com sentimentos que me envolvem e me consomem. A cacofonia se torna insuportável, e num impulso desesperado, clamo ao vazio, minha voz ecoando em um espaço sem corpo físico: — Calem a boca! Parem de falar! Parem!

Surpreendentemente, o Vazio responde. Uma voz etérea sussurra diretamente em minha mente, uma palavra que reverbera com significado desconhecido: — Void!

— Void? — questiono, tentando compreender o significado dessa palavra.

O nome “Void” ecoa repetidamente, cada repetição mais distante que a anterior, até que, abruptamente, um silêncio sepulcral se instala. Observo, então, com fascínio e cautela, uma névoa avermelhada se formando lentamente do horizonte do absoluto vazio.

— Que lugar é este? — pergunto ao vazio, intrigado por esta dimensão desconhecida.

A resposta vem como um sussurro. — Vermo! Vermo.

A perplexidade aumenta, e com ela, uma necessidade urgente de compreender minha própria existência neste lugar enigmático. — Quem sou eu? O que estou fazendo aqui? — Questiono.

Sem aviso, a realidade ao meu redor se desfaz e se reconstrói em algo novo, um ambiente árido e claro, onde trilhões de grãos vermelhos jazem espalhados, como se o chão estivesse coberto por rubis diminutos. Minha voz quase um sussurro perdido no imenso deserto pergunta: — Onde estou agora? — Sentindo a intensa luz do lugar.

O vazio responde, sua voz uma melodia distante e enigmática dentro da minha mente: — Arcríris.

Movido pela curiosidade, vasculho o horizonte até que algo chama minha atenção. Erguendo a voz em apreensão, indago: — O que é aquilo?

Diante dos meus olhos, uma figura solitária jaz caída entre os grãos vermelhos. Aproximando-me, percebo ser uma entidade de aparência extraordinária, com cabelos loiros que se destacam vivamente contra o vermelho do deserto. Sua presença me faz questionar novamente: — O que é esse ser?

E, do vazio, vem a resposta em um sussurro: — Um deus.

O deus caído ergue sua mão ensanguentada em um gesto de súplica desesperada. Seu apelo silencioso me atinge profundamente, despertando em mim um sentimento de compaixão. Paralisado, encaro a figura divina, enquanto luto para entender o significado daquele encontro.

“O azul dos olhos enterrado na vermelhidão das areias”

            Diante do ser agonizante, uma compreensão misteriosa se instala em minha consciência, como se um véu fosse retirado da minha visão, deixando-me consciente de que sou semelhante a ele em essência.

As Crônicas de Marum - O PrimordialOnde histórias criam vida. Descubra agora