Zaranler - Parte I

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ATO I (Zilevo)

- Tem algo a dizer, Zilevo? - A voz de Bucu corta o ar, fria e expectante. Ele está de pé, um vulto sombrio ao lado do caixão de madeira, com seus lábios finos e ressecados crispados numa expressão melancólica. Críngu, Urum e Gálidus o acompanham, formando uma guarda silenciosa, seus rostos marcados por sombras de dor e respeito. - Zilevo. Zilevo - repete Bucu, insistentemente.

Entretanto, não consigo atender ao seu chamado. Perdido em meu próprio mundo, estou mergulhado nas profundezas de minhas memórias, buscando um refúgio, um fragmento de paz em meio ao caos de emoções que me assola.

Os outros percebem meu distanciamento. Críngu troca um olhar preocupado com Urum, seus olhos revelando sua impotência diante do fato. Gálidus, mais contido, mantém sua postura rígida, mas seus olhos não conseguem esconder a inquietação que o invade. Eles sabem que estou ali em corpo, mas minha essência está perdida em algum lugar distante.

Bucu, notando minha ausência, suspira com pena. Ele compreende a magnitude do meu sofrimento. Há uma hesitação em seus movimentos, um breve momento em que sua postura endurecida amolece.

Neste momento, o silêncio se instala, todos presentes compartilhando um luto coletivo, mas também respeitando o meu particular.

Minha mente vagueando, revivendo momentos passados, tentando agarrar-se a qualquer vestígio de conforto que essas lembranças possam oferecer.

- Não podemos permanecer aqui, Hónker - minha voz sai firme, enquanto com um gesto suave, cubro Lésnar com o manto azul que criei, um símbolo de proteção e carinho. Meus olhos vagam brevemente sobre seu rosto ensanguentado, uma preocupação severa transparecendo em meu olhar. - Precisamos levar Ózis, Críngu e Lésnar conosco. É nosso dever.

Hónker, com seus olhos esmeraldas expressivos, emite um rugido baixo, mais parecido com um gemido. - Raww!
Observo Hónker com apreço. - Não, Hónker - digo, aproximando-me dele. - Você já está ferido demais para carregar todos eles sozinho. - Minha mão pousa suavemente em seu ombro, sentindo a tensão de seus músculos sob o pelo áspero. - E eu... estou tão exausto quanto você - reflito internamente, enquanto me encosto na parede fria e úmida da cela.

Lentamente, deslizo pelo muro até me sentar no chão de pedra, trazendo a mão ao meu peito, onde o ferimento de perfuração, da batalha recente, arde. Fecho os olhos por um instante, sinto o peso da situação: o cansaço que permeia cada fibra do meu ser, a responsabilidade que pesa em meus ombros, e a preocupação que aperta meu coração. Sei que não temos muito tempo, mas meu corpo não responde a minha urgência.

Cada um de nós, gravemente ferido na batalha brutal contra o Carcereiro, enfrenta sua própria luta silenciosa contra a morte. É uma dança macabra e precária, onde cada movimento errado terá por consequência a morte.

Meus olhos parecem viajar pelo tempo. As horas passam a cada piscar.

Críngu, com seu torso brutalmente marcado por cortes profundos e perfurações. Seu rosto, inchado pelos golpes, mal se parece com o guerreiro que conheço. As palmas de suas mãos, furadas e sangrentas.

Ao seu lado, Hónker exibe feridas semelhantes, seu corpo grande e forte agora coberto de cortes e sangue. Um corte superficial atravessa sua orelha, enquanto seu pé, gravemente perfurado.

Mas é Lésnar que me preocupa mais. Ela jaz perto de mim, seu corpo frágil dançando uma valsa lenta e inexorável com a morte. Os braços cobertos de cortes profundos e uma ferida mortal rasga sua costela até o abdômen.

Meu coração se aperta ao vê-la assim, tão perto do abismo final. - Não te deixarei morrer nesta cela imunda - penso, uma promessa silenciosa que circunda minha mente. Com um esforço cruel, forço-me a levantar, ignorando a dor que atravessa meu corpo. Cada movimento é um teste de resistência, mas a determinação de salvar Lésnar me impulsiona. Levanto-me, apoiando-me na parede fria da cela, a mão pressionada contra meu peito ferido, respirando com dificuldade. Meus olhos, embora nublados pela dor, mantêm-se focado em Lésnar. - Não posso, não vou deixá-la morrer aqui - assevero. É uma promessa que faço a mim mesmo, a ela, e ao Universo que nos desafiou.

As Crônicas de Marum - O PrimordialOnde histórias criam vida. Descubra agora