Midoraki

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ATO I (Void)

— Você trapaceou no último duelo — relato a Báron, em pé ao lado da cama.

— Não é trapaça usar meus dons em batalha — ele retruca, lançando-me uma trouxa de roupa — Mas admito, aquele golpe teria sido certeiro — caminhando à porta. — Vista-se e prepare-se! Estarei te esperando lá fora. E não se atrase! — Sua silhueta desaparece ao sair do quarto.

Ao me levantar, a luz suave que entra pela janela ilumina a cicatriz proeminente em meu peito. A marca fria e áspera sob meus dedos me faz recordar. — Como pude ser tão ingênuo ao confiar nele? — penso, a amargura tingindo cada palavra em minha mente.

Ao me preparar para vestir a roupa, pauso por um momento, observando minha reflexão no espelho. A imagem que me encara de volta é quase irreconhecível. Os meses de treinamento intenso com Báron transformaram meu corpo. Meus músculos, antes quase inexistentes, agora se definem claramente. Os tríceps e bíceps, antes ocultos, agora se projetam com uma força recém-descoberta. Minhas pernas, antes esguias, agora ostentam músculos ligeiramente definidos. Não contendo muitas outras cicatrizes do treino com Báron em prol das Peben.

Enquanto ajusto a vestimenta ao meu corpo, um pensamento me assombra: — Espero que um dia me perdoe por libertar Kinkara — Com essa incerteza pesando em meu coração, preparo-me para enfrentar mais um dia.

À medida que o tecido desliza sobre minha pele, uma memória se insinua, como se estivesse escondida nas dobras do tempo. Me vejo no corredor, escutando sorrateiramente a conversa de Báron e Máterum no aposento adjacente.

A voz grave de Máterum questiona: — Como está o treino com Void?

Há uma pausa, e então Báron responde, sua voz serena: — Ele é fraco, carece de muito treino.

Um peso se instala em meu peito, e sinto uma pontada de desapontamento. Minha postura se curva ligeiramente, e suspiro silencioso escapa dos meus lábios. Silenciosamente, murmuro para mim mesmo: — Fraco?

A voz de Máterum, sempre firme, mas com toque de preocupação, retoma: — Continue o treinando, Báron. Desejo que ele saiba se proteger sozinho.

— Máterum, se não estiver sendo incômodo, posso fazer uma pergunta?

— Diz!

— Por que não o prendeu, ou o matou, pela traição?

Prendo a respiração, aguardando a resposta. O silêncio entre eles parece eterno.

— Não queria... — lamenta Bároln.

Máterum o interrompe, sua voz serena, mas profunda: — Báron, estou cansado disso. A morte deveria ser a última resposta.

Solto o ar lentamente, sentindo-me aliviado.

Escutando as palavras de Máterum com atenção. — O verdadeiro perdão, aquele que transcende o entendimento comum, não se concede porque é merecido, mas porque é uma necessidade da essência. Void é novo, e em sua juventude, ele, como todos nós, é vulnerável a falhas. Não posso condená-lo por uma decisão impensada. Afinal, o verdadeiro teste do caráter não está em nunca errar, mas em aprender e evoluir com esses erros.

— Mas a escolha dele poderia ter custado a vida de seus fi... de nós — Báron argumenta, com breve falha no final.

Máterum pondera por um momento, e então responde: — Não tenhas receio de dizer, Báron. És meu filho tanto quanto Zilevo, ou Ózis. Mas entenda, Void também é agora parte desta família. E em família, aprendemos que o perdão não é apenas um ato de esquecer, mas uma prática contínua de compreensão e aceitação. Filhos cometem erros, e é meu dever como pai, guiar e ensinar, não condenar.

As Crônicas de Marum - O PrimordialOnde histórias criam vida. Descubra agora