Cela das incertezas (Void) - Parte I

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ATO I

Descendo lentamente as escadas que levam aos calabouços, o ar fica progressivamente mais frio e úmido. O som dos meus passos ressoa no silêncio, acompanhado pelas súplicas abafadas de Kinkara, suas palavras desesperadas reverberando contra as paredes úmidas e sombrias do corredor.

Ao entrar na cela de Kinkara, sou imediatamente atingido pelo cheiro opressivo de mofo e umidade. Apenas uma fraca luz se infiltra através de pequenas frestas nas grossas paredes de pedra, mal iluminando a figura angustiada de Kinkara acorrentada. Seus movimentos são frenéticos e desesperados, lutando contra as correntes que o prendem, seus olhos brilhando com lágrimas de angústia
- O que está fazendo, Kinkara? - pergunto, minha voz ecoando na cela mórbida. Observo-o atentamente, tentando discernir verdade e engano em sua expressão contorcida.

Kinkara, com um olhar de súplica, responde, sua voz quebrada pela desesperança. - Me solta, Void, por favor, não te machucarei - clama desesperadamente. - Não confie no que eles falam. Eles mentem! - Insiste, ajoelhado com as garras fincadas no chão, implorando por confiança.

Sinto um arrepio percorrer minha espinha ao ouvir a voz de Ézus ecoar em minha mente: - Não acredite em Kinkara - reforçando a angústia da situação.

O ar na cela parece ficar mais denso, como se as próprias sombras estivessem se fechando em torno de mim, intensificando a claustrofobia do momento.

Encarando Kinkara firmemente, sinto um pouco de pena, mas não posso me deixar manipular tão facilmente. - O único que mente aqui é você - respondo, tentando ocultar a incerteza que suas palavras despertam em mim.

Com um movimento decidido, viro as costas para sair da cela, mas não sem uma última olhada sobre o ombro. Kinkara, ainda preso em suas correntes, parece diminuir diante dos meus olhos, uma figura patética e trágica que contrasta fortemente com a ameaça que sua aparência parece representar.

Caminhando pelo corredor sombrio, sinto as paredes de pedra ao meu redor parecerem estreitar-se, criando uma sensação opressiva. Cada passo que dou ressoa, amplificado pelo silêncio sepulcral dos calabouços. Uma sensação inquietante de claustrofobia começa a se instalar.

De repente, a voz desesperada de Kinkara irrompe atrás de mim, quebrando o silêncio como um grito abafado de dor. - Não. Não! Todos mentem! Como acha que eu fiquei deste jeito? COMO ACHA QUE VIREI ESTE MONSTRO?! - Sua angústia me alcançando.

Paro abruptamente, o coração batendo mais rápido. - Não volte - protesto para mim mesmo, tentando abafar o impulso de voltar. O conflito interno; uma parte de mim quer ignorar seu apelo, mas outra parte é impelida pela compaixão.

Com um suspiro pesado, viro-me lentamente e encaro o caminho de volta à cela de Kinkara. A decisão de retornar é hesitante, um sentimento de incerteza que pesa sobre meus ombros.

Ao reentrar na cela, meu olhar se fixa imediatamente em Kinkara. As correntes espinhosas ao redor de seu pescoço estão incrustadas com sangue seco, uma visão perturbadora que atesta seu sofrimento prolongado.

- Por que fariam isso contigo? - A pergunta escapa dos meus lábios, com um toque de empatia involuntária.

Kinkara se empurra para cima com suas garras presas ao chão, lutando contra as correntes que o prendem. - Eles não, Void. Ele! - Kinkara exclama.

As Crônicas de Marum - O PrimordialOnde histórias criam vida. Descubra agora