Coração

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O sol já está se pondo. Eu acabei por dormir na maioria do tempo. Foram longas horas desde o... o... ataque? Eu acho. Minha cabeça não para de zunir, as memórias continuam fora de lugar. É difícil dizer o que aconteceu, eu só me recordo da explosão e uma... garota.

Uma linda garota

— Theo — a enfermeira me chama. — Aplique essa pomada na queimadura durante duas semanas. Tente não coçar ou vai criar feridas bem feias.

Ela se veste casualmente, calça jeans e uma camisa vermelha roxa larga. Além de ser bem gentil. É o exato oposto do antigo enfermeiro. Um brutamonte que se assemelhava mais a um açougueiro do que a um médico. Só de recordar daquele jaleco branco cheio de manchas vermelhas me dá calafrios.

— Obriga... do — meu raciocínio está mais lento e minha boca está dormente.

Meu corpo dói quando tento me espreguiçar. Ao me olhar no espelho sujo, vejo vários pontos roxos e cortes superficiais. Não me lembrava desses machucados. Será que eu também bati a cabeça ou algo do gênero?

— Camila, tome esses comprimidos para a dor — a enfermeira também oferece remédios para minha irmã. — Caso não melhorem, podem vir falar comigo. Estou sempre a disposição.

É estranho ver alguém cuidando de nós sem ser nossa mãe. A bondade é algo raro por aqui, no entanto a confiança consegue ser ainda mais. Não é difícil deduzir que as pessoas preferem cuidarem de si ou confiarem em familiares a um médico formado.

— O... o... obriga... da — minha irmã diz entre bocejos, nem se esforça para disfarçar o sono.

À medida que a letargia passa, as lembranças vão se encaixando pouco a pouco. Mas nada faz muito sentido. Sinceramente, lembro melhor das sensações do que dos acontecimentos. Seja a dor da possível explosão, que parece ter realmente acontecido dado meus machucados, ou o conforto na presença da nobre.

Nobre...

Isso, a garota que está na minha cabeça é a nobre. Então... ela me atacou ou eu a protegi? Independente do que ocorreu, deve ter sido feio. Camila com certeza perdeu o controle da habilidade, já que seus braços e pernas também estão cobertos por faixas.

Ela ainda deve estar processando o que aco...

— Por que fez isso? — o semblante de raiva se torna presente no rosto de Camila. — Eles... eles são nobres, o que acha que vai ganhar os salvando?

— Nada.

Então eu devo ter mesmo salvado a... a... qual era o nome dela?

— Você poderia ter morrido! — ela se levanta. — ENTENDEU? MORRIDO PRA PROTEGER DOIS NOBRES!

— Uma vida é uma vida — respondo igualmente nervoso. — Se ela precisava de ajuda, então por que não a ajudar?

— É simples, bem simples — Sua habilidade cintila, como se quisesse ser ativada. — Ela não faria o mesmo por você.

Ela se mantém de pé por pura teimosia, é óbvio que os machucados ainda não foram completamente curados. Mesmo assim está preocupada comigo, me dando um sermão.

— Você tem que descansar — tento encerrar a conversa, antes que algo ruim aconteça com ela.

Ela me encara como se desejasse rasgar minha alma em duas com as próprias mãos. É um tanto assustador. Sei quando ela está falando sério, sempre respeitei seu posto de irmã mais velha. No entanto tem algo dentro mim que anseia ver aquela garota de novo.

— Os dois, se aquietem — a doce voz da enfermeira encerra de vez a discussão. — Vocês precisam repousar pelo menos até a mãe de vocês chegar.

Ela rapidamente volta a fumar apoiada na janela, perdida em pensamentos. Com certeza está exausta. Sento-me novamente na maca, Camila faz o mesmo. Encaro a porta semiaberta querendo me distrair um pouco, mas tem algo estranho. Parece que tem alguém nos observando. Tomara que seja coisa da minha cabeça.

O que eu faço?

A intuição de Theo não poderia estar mais certa, do outro lado da velha porta de madeira está Iaceê. Escondida, completamente envergonhada e perdida em uma maré de pensamentos. Não tem medo de ser expulsa do cômodo ou maltratada, eles já provaram serem acolhedores.

Eu vou conseguir estragar tudo

Sempre é assim. Sempre paraliso e não consigo fazer nada. Tudo parece tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Eu quero estar ao lado dele, porém não consigo admitir o que sinto. Meu coração queima apenas ao lado dele. Sorrio apenas ao lado dele.

Queria que ele sentisse o mesmo

Os corredores vazios da escola abrigam apenas uma brisa quente, paredes mofadas e o chão irregular. Iaceê continua de costas a parede, sem coragem alguma de entrar naquela enfermaria. Se sente uma imbecil, até mesmo escreveu uma carta e pegou uma flor da floricultura de sua família.

Ela é dourada como seu doce olhar

A floricultura, que também é sua casa, fica a uns vinte minutos. Foi e voltou o mais rápido que pode. Pelo menos tentou, sua mãe a bombardeou de perguntas e seu pai queria lhe entregar várias tarefas ao entender que as aulas foram canceladas. Foi custoso mais conseguiu entrar em consenso com ambos e vir correndo parra cá.

Já a carta escrita à mão e cuidadosamente selada, já estava ponta a um bom tempo. A escreveu alguns meses depois que conheceu Theo, planeja entregar a ele no momento certo. Claro, o momento nunca chegou e o tempo se passou. A angustia aumentou a cada hora, minuto e segundo que se via no mesmo lugar sem coragem alguma.

Tanto esforço apenas para terminar sentada se culpando

E ali com os olhos marejados ficou, ainda tinha esperança de tomar coragem. Mas nem se Theo saísse pela porta teria coragem de falar sobre o que sente, é provável que nunca tenha e termine sozinha em um canto escuro.

Passou minutos, talvez dezenas de minutos, estática. Quando deu por si escutou um carro chegar entendeu que era hora de voltar para casa, completamente derrotada. Se esgueira nos corredores, não quer ser vista nesse estado deplorável. 

Passos pesados...

No entanto para sua surpresa, não era qualquer pessoa que chegava. Simone, mãe de Theo e Camila. Pensou em cumprimenta-la, mas teve sua existência completamente ignorada. 

Eu me odeio

Joga fora a flor, mas não tem coragem de fazer o mesmo com a carta. Talvez um dia a entregue e sinta orgulho de si mesmo. Até lá, esse vai ser o símbolo máximo do seu fracasso.

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Steel of timeOnde histórias criam vida. Descubra agora