Cansaço

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O teto branco parcialmente coberto pelo mofo é a primeira coisa que Camila vê ao abrir os olhos. Sabe muito bem onde está, já esteve aqui diversas vezes.

A enfermaria

Minha habilidade sempre me traz exatamente aqui todo santo mês. Aqui mudou nada. Está, como sempre, caindo aos pedaços. Paredes esburacadas e o chão com mais terra do que concreto. Da até pra ver algumas plantas nascendo.

Mas não odeio aqui

Estranhamente aqui ainda consegue ser acolhedor e aconchegante, ainda mais se comparar com outras enfermarias improvisados. Os poucos hospitais desse lado não aceitam marcados como nossa família, então ou não ficamos doentes ou recorremos a hospitais de gangues.

Ainda bem que essa escola existe

Mas tem algo diferente, o cheiro. Antes o fedor de cerveja dominava o local, agora a fumaça do cigarro amarga o ambiente. Talvez o enfermeiro, que muito mais se assemelha a um açougueiro, tenha diversificado os gostos.

— E... Ei... — até falar dói— Mer...

Ao mexer minimamente o corpo sente a agonia, a dor do último embate. Mesmo que os machucados se foram, ainda sente o sangue escorrer e a pele ser rasgada pelos ossos. A pele continua queimando onde as linhas passaram.

A mente então começa remoer cada segundo que passou com os nobres

É como se somente agora o cérebro processasse tudo que passou. A visão de Theo caindo sem vida retira suas forças, a estraçalha por dentro. É como ter perdido parte de si. Recordações da infância como as brincadeiras que duravam tardes inteiras ou as escapadas noturnas para assistir lutas clandestinas. Essas doces lembranças apenas amargam em seu peito agora.

Lágrimas caem

De novo eu deixei alguém morrer, eu consigo ser tão fraca mesmo treinando tanto. Eu só queria poder tê-lo comigo aqui.

Um calor reconfortante preenche seu corpo

— Vai ficar tudo bem, seus ferimentos estão quase curados — Ana surge com um cigarro entre os lábios. — Só tente descansar um pouco.

A enfermeira segura a mão da jovem enquanto ativa sua habilidade. Camila nunca viu de cabelo avermelhado e voz doce, mas se sente confortável com sua simples presença.

— Não precisa chorar por mim — Theo aparece com um sorriso estampado no rosto. — Eu tô perfeitamente bem.

— The... — Camila tenta se levantar, porém a dor a impede.

Rapidamente ela percebe os curativos no corpo do seu irmão. Ele está sem camisa exibindo seu corpo seco. Ela quer muito dar um soco nele por vê-la nesse estado, mas não pode esconder a felicidade em vislumbrar Theo vivo. Toda a culpa que a consumia sumiu, está leve novamente.

— Por favor, tomem os remédios e descansem mais um pouco — Ana oferece alguns comprimidos e um copo d'água para ambos. — Vai ajudar com as dores.

A enfermeira mente, pelo menos em partes

Os dois mal tem tempo para conversarem. Camila cai no sono quase que imediatamente enquanto Theo consegue passar alguns minutos consciente.

É necessário

Os comprimidos são, na realidade, soníferos. Não posso os deixar se esforçar tanto assim. Os ferimentos que sofreram foram muito pesados. Sei, pois, senti na própria pele a dor de cada um. Mas minha cura não está sendo efetiva.

Tem algo de errado, talvez seja eu a culpada

Meus olhos pesam cada vez mais, o efeito dos meus remédios está cada vez mais fraco. Os comprimidos acabaram a algumas horas e me vi obrigada a apelar para os cigarros.

Steel of timeOnde histórias criam vida. Descubra agora