Flor

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— Emílio, tem certeza que tem que ser logo hoje? — digo bocejando. — E de manhã?

— Kizi, tenha mais confiança — argumenta. — Isso vai aumentar suas chances.

Volto, em um breve momento, à minha atenção para Iaceê. Com o zoom da câmera consigo vê-la. Nem de longe de forma nítida, mas o suficiente para apreciar sua beleza. Os olhos carmesins como rubis, o nariz largo, os lábios carnudos, a pele bronzeada, o cabelo liso e fluido como um rio, tudo nela me fascina como nenhuma outra mulher conseguiu.

Como pode alguém com tamanha beleza estar aqui no Inferno?

— Ficar entre o lixo não é... — jogo um rato morto para longe — desnecessário?

Tento retomar minha reclamação, não quero que ele veja eu quase babando por Iaceê.

— Aqui nós temos a melhor visão do lugar e estamos fora da vista da maioria — ele mantém a voz baixa enquanto uma dupla de guardas passa perto de nós. — Aqui é de longe o lugar ideal.

Começo a divagar pela minha mente, muita coisa aconteceu em muito pouco tempo. Já faz um pouco mais de uma semana desde o ataque na escola e alguns dias desde que o muro foi parcialmente destruído. Não consigo parar de pensar que ambos os casos estão conectados, não é possível ser só coincidência. Consigo ver o rombo que ficou no muro daqui. "Feito de nullium puro", uma ova. Os nobres se orgulhavam de uma mentira tão mal contada, quase me dá pena. Essa muralha é basicamente feita de metal comum e concreto, só uma pequena parte é realmente de nulium. 

Uma quarentena até foi imposta para capturar mais rebeldes, mas não durou muito. O lado nobre não respira sem nosso suor e sangue, eles são movidos pelo nosso sofrimento. Honestamente, a única coisa que mudou foi a quantidade de guardas a mais. Claro, de noite existe um toque de recolher. Esse sim efetivo, talvez até demais.

A única certeza que tenho é que algo grande tá acontecendo e eu tô aqui em uma... floricultura...

Eu acho...

Por fora não se distancia de mais uma casa simples, rebocada e sem pintura nenhuma. As únicas coisas que se destacam são algumas flores penduradas na fachada e uma placa na porta, escrita de forma bem trêmula, com os dizeres: "Flores para todos". Mas obviamente tem algo de errado. Mesmo com a quarentena ficando cada vez mais frouxa, não vejo ninguém entrar ou sair desta merda de floricultura desde que cheguei. E eu já estou aqui a três longas horas.

Ficar aqui parado é chato pra caralho

— Bom, a oferta do puteiro ainda tá de pé — puxo uma conversa. — Sabe, é bom ter prati...

— Me recuso — ele responde rispidamente. — Nunca vou por meus pés em um lugar tão sujo

— Não que aqui no Inferno seja limpo, mas beleza santinho — já está negando a maior diversão da vida dele a uns bons dias, mas respeito. — Um dia ainda te convenço, disso eu tenho certeza. Ninguém resiste a um puteiro a vida toda.

Queria ter uma força de vontade assim

Ontem mesmo fui em um bordel dos bons

— Cara — chamo a atenção de Emílio. — Eu não acho que vigiar ela seja a melhor opção, sabe, privacidade é bom. Olha que eu ando com uma câmera pra cima e pra baixo tirando foto até de nobre.

Insisto em minhas reclamações, sinto que tem algo de errado. Eu sei que Emilio só quer me ajudar, obviamente comigo o ajudando de volta, mas não há malícia nos seus atos.

Diferente dos seus olhos

— Você tem que saber o que ela gosta, a rotina base dela — ele se justifica. — Você tem que conhecê-la, assim suas chances aumentam drasticamente.

Steel of timeOnde histórias criam vida. Descubra agora