Nunca diga nunca

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Seus olhos se demoraram nos meus, um lapso de vibrações solares refletiam direto naquela coloração verde, quase caramelo. Quanto mais a luz penetrava, mais claro ele se tornava. Eu estava muda, sem conseguir pensar direito, apenas ainda sentindo o gosto da boca dela. Ela passou a mão em meu cabelo deslizando em um carinho. Abri a boca como se fosse dizer algo, e as palavras travaram na minha garganta, minha boca entreaberta enquanto os olhos dela ainda me fitavam. Senti seu rosto se aproximando novamente, e seus lábios encontrando os meus outra vez. Apertei com mais força do que a outra vez como se pudesse sugar aquele sabor para permanecer mais tempo comigo. Ela correspondeu, apertando mais forte do que antes. Sua boca permaneceu na minha por longos segundos até eu conseguir força suficiente para afastar.

- Você é minha amiga, somos loucas.

- Prefere beijar inimigo? Eu viro agorinha - ela sorriu mostrando seus dentes brancos.

- Sua maluca - bati no braço dela, ainda sentindo a energia em meu corpo.

- Eu sei que você também queria.

Desviei meus olhos para onde o Sol estava. Senti seu braço por cima do meu ombro e o cheiro dos cabelos dela me invadindo. Aquela fusão de aroma das flores que o pai dela cuidava no jardim do quintal deles, a segurança que eu sentia estando envolvida em seus braços, ela encostou o rosto em meus cabelos, deixando seus dedos desenharem círculos em meu braço. O afago da sua respiração se tornava mais quente, se aproximando das minhas bochechas, minha respiração começou a se alterar levemente. Sua mão que antes desenhava círculos em meu braço agora passeava no outro lado do meu rosto. Os lábios quentes tocaram-o, a pressão de sua outra mão guiava meu sentido para mais próximo, seus dedos levantaram meu queixo devagar e me vi envolvida novamente naquela boca rosada. Carinhosa e delicadamente, a língua dela brincava dentro da minha boca. Era a melhor sensação física que eu já senti na minha vida.

- Primeiro, segundo e terceiro beijo em uma só tarde, diante de um eclipse, debaixo de um carvalho memorável. Espero que tenha valido a pena pra você.

- Foi mais do que eu podia imaginar.

- E mais ainda: foi com alguém que gosta de você - Sua mão estava em minha perna e eu desejei que aquilo não fosse verdade.

Apertei forte sua mão como se estivesse pedindo para que não fôssemos adiante com nossas palavras. Eu temia o que estava sentindo por ela e aquelas dúvidas me consumiam. Baixei minha cabeça na tentativa de me distrair com os desenhos do pano. Ela trouxe o corpo dela para colar ao meu, e grudou minha cabeça em volta da sua nuca e o cheiro dela seguia me invadindo. A dualidade se fazia presente dentro dos meus pensamentos. O prazer de ficar colada ao corpo dela e a sensação de que eu estava cometendo um erro que parecia a coisa mais certa de toda a minha vida. O cheiro dela... o cheiro dela era tão bom.

- Me deixa em casa? - pedi como se pede socorro.

-  Luiza, já aconteceu - ela pausou por um instante para colocar as mãos em meu cabelo, acariciando-o. - O eclipse nem aconteceu ainda, se permite viver o que tiver pra viver. Deixa seus sentimentos vivos, voarem igual àquelas borboletas ali - ela apontou para o grupo de insetos brincando entre as flores amarelas ao pé do carvalho. - Só vive o momento, só isso. Deixa pra sentir culpa só amanhã. Tudo bem?

- Eu tenho medo.

- Eu sei que tem. Eu também tenho, mas por você eu preferi arriscar - me emudeci, tentando imaginar do que ela teria medo.

- É doce.

- Doce?

- Sim, seu beijo.

- A menos que você deteste doce, eu vou encarar isso como algo bom.

- Eu sou viciada em doce.

- Se vicia em mim também. Não vai faltar afeto e beijo doce pra você - ela riu de um jeito tão gostoso que me envolveu junto.

- Meu deus, se alguém...

- Shiu...

Ela pronunciou rapidamente me roubando em mais um longo beijo em seguida. Eu poderia fazer isso o restante da tarde inteira que não me cansaria. Se eu soubesse que seria tão bom beija-lá, eu já tinha feito isso antes. Os minutos que se seguiram até o início do eclipse foram entre beijos infinitos e conversas descontraídas até eu tocar no assunto que volta e meia gritava em mim.

- Eu nunca achei que fosse beijar uma mulher algum dia.

O olhar dela era mais forte que já tinha visto, me sentia descoberta com uma só encarada.

- Se você ficar mais tranquila, é só fingir que eu sou um homem com um cabelão bonito e delicado.

- Sem graça.

- Você riu - ela me arranhou enquanto brincava.

Finalmente eu conseguia perceber o eclipse que tanto tinha causado repercussão na boca do povo. Ela começou a cantarolar baixinho a música que tocava em seu carro. Lenta, romântica, em inglês. Se eu contasse para alguém como tinha sido meu primeiro beijo com uma mulher, iriam dizer que vi muita comédia romântica e não acreditariam. Ficamos lá até o sol começar a sumir, apesar de ter sido um eclipse rápido e pouco perceptível, foi o melhor de todos. Até perdemos a hora, só nós demos conta que devíamos ir para casa quando o pai dela ligou pedindo o carro. Ela aproximou o rosto do meu e tirou uma foto, a luz do findar da tarde tornou o mais perfeito filtro.

- Mais um.

Ela segurou meu rosto quando nós levantamos e tomou meus lábios para si. Entramos no carro e ela aumentou o volume, dessa vez acelerou rápido. Em poucos minutos estávamos diante da minha casa, pronta para terminar a primeira e última aventura que eu faria na minha vida. Antes que eu pudesse sair do carro, ela segurou minha mão.

- Luiza.

- Aqui não - eu supliquei.

- Promete pra mim que depois de hoje você não vai se afastar?

- Eu prometo - na verdade, eu não podia garantir nada do que poderia ou não acontecer dali em diante. Sua mão quente na minha e eu não queria ter que ir embora. Eu tinha que dar os passos e sair do dia mais incrível da minha vida. E o fiz. Sai do carro, e antes de entrar em casa, ela me parou novamente.

- A gente ainda vai se casar.

Eu sorri comigo mesma e entrei em casa. Meu pai estava olhando no espelho, terminando de tentar dar um nó em sua gravata.

- Chegou tarde...

- Sim - foi tudo o que eu consegui dizer.

- Onde estão suas coisas? - eu tinha esquecido completamente delas. Cada minuto me ferrava cada vez mais.

- Tá na casa da Duda. Fui na casa dela depois da aula e acabei esquecendo por lá. Amanhã ela me devolve - me aproximei para tentar ajudá-lo a dar o nó na gravata. Ele me observou de perto e eu senti um leve tremor nas mãos.

- Por que seus lábios estão tão avermelhados?

- Eu experimento um batom e tirei antes de vir pra casa - terminei o no e alinhei a gravata, para me afastar logo depois.

- Você tá estranha - ele só podia estar desconfiando e eu estava ferrada.

- Vou tomar um remédio e ir dormir

Saí para o meu quarto sem olhar para trás. Apaguei a luz e pulei na cama e nem por um instante consegui pensar em outra coisa a não ser em Valentina. O gosto dela ainda estava em mim. Eu não queria dormir logo, pois sabia que se dormisse perderia aquele gosto. Resolvi mandar uma mensagem para ela, ignorando todos os medos e aflições que insistiam em ocupar meu peito.

"Melhor tarde da minha vida". 

A HarmoniaOnde histórias criam vida. Descubra agora