Sinestesia

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- Você está bem? - Valentina me fitava com os olhos meio preocupados, assim que terminou de beber um gole de sua água. Minha feição indicava suspeitosamente que eu havia visto um fantasma, eu estava pálida. Uma sensação estranha invadia minha mente a cada lembrança que eu tinha do que acabara de acontecer. Eu me sentia incrivelmente quente. O que era aquilo?

- Estou. Aliás, você dança muito bem. Parece uma profissional em bachata - dei um leve sorriso, tentando desconcertar o que de fato eu estava sentindo.

- Que nada - ela abre um sorriso - Há tempos eu não dançava.

Nosso olhar não se desfazia. Seus lindos olhos verdes me penetravam. Eu podia ouvir seu coração bater com o silêncio que se instaurou ali. Ela estava tão nervosa quanto eu ou isso era apenas o que eu queria enxergar?

- Bom, Luiza Campos - ela quebrou o silêncio - acho melhor eu ir. A gente se vê pelo hospital, né?

- Nos vemos sim. Bom ver que você não parece ser tudo o que eu pensei de você - ela ri e se aproxima de mim novamente. Sinto um choque percorrer por todo o meu corpo. Será que ela sabia tudo o que estava me causando?

- Eu sou muito melhor do que você imagina - sua voz estava rouca. A frase dita saiu como um sussurro. Uma tensão pairava entre nós novamente. Eu me sentia sob o efeito de algum remédio, sentia um êxtase, ao mesmo tempo em que meu corpo parecia arder em febre.

- Deixa que eu abro a porta pra você - me desfiz da nossa proximidade, caminhando em direção a porta. Eu sentia o seu olhar me acompanhar a cada passo que eu dava.

Assim que chegamos ao portão, tento me despedir dela.

- Até breve. Te encontro pelos corredores do hospital. Se cuida e vai com cuidado.

- Luiza? - ela me chama como se estivesse prestes a fazer uma confissão. Droga, ela sabia como me deixar nervosa.

- Sim, Valentina.

Ela fita meus lábios, sorri de canto de boca, depois volta a encarcerar meu olhar. Entretanto, ela desiste de sua confissão. Droga, Valentina.

- Nada, deixa. Eu já vou. Fica bem! - ela começa a caminhar em direção à rua.

- Valentina, espera - eu seguro sua mão antes que ela pudesse se afastar mais de mim, girando seu corpo e deixando-a de frente pra mim. Eu não sei dizer se a mão dela tinha aquecido a minha ou se eu teria congelado a dela - me dá seu número?

- Com certeza - ela sorri.

Cheguei em casa e no banho fiquei revivendo todos os momentos em que Valentina mexeu com meu compasso, que não foram poucos. O que eu não conseguia entender era o sentimento que brotava em mim. Eu nunca me senti atraída por uma mulher antes. Os caras com que eu me relacionei também nunca os amei. Eu não entendia como ela podia mexer comigo só por estar perto, mas eu admitia para mim mesma que existia algo ali.

Meu pai chegou por volta das 18h em casa. Cedo, por sinal. Minha amiga Duda havia me convidado para ir tomar um sorvete na sorveteria do bairro. Morávamos bem próximas. Ela era minha confidente desde sempre. Eu não sei o que eu seria sem a Maria Eduarda. Cheguei à sorveteria primeiro que Duda, como de costume. Ela me encontra com um sorriso de orelha a orelha.

- E aí, minha médica preferida! Que saudade eu estava de você - nos abraçamos.

- Eu também estava morrendo de saudades de você.

Há um tempo não nos víamos. Com os rodízios da faculdade e as cirurgias, eu não tinha tempo para quase nada além de estudar e estar no hospital. Pelo menos a nossa amizade não esfriava pela falta de tempo.

- Mas e aí, me conta, o que você tem feito fora a faculdade? Se eu bem te conheço, tá se enfiando nessa rotina e não tá tirando um tempo pra si.

- Ah, Duda, é bem isso mesmo. Hoje eu consegui ir ao estúdio e dançar, o que nem foi tão reconfortante assim... - tentei falar a última frase como um sussurro, mas falhei, Duda escutou.

- Ih mulher, me conta, o que aconteceu?

- Ah, uma garota que faz o mesmo bloco cirúrgico que eu no hospital apareceu por lá. Dançamos juntas, inclusive. Mas nada demais.

- Como assim???? Você dançando com alguém além da sua família no estúdio da sua mãe??? Me conta mais sobre essa garota, quem é ela, nome, endereço, aparência, RG, CPF....

- Ai Duda, menos! Somos amigas... de início eu pensei que ela fosse só mais uma pessoa fútil e insuportável, mas ela mudou um pouco essa visão que eu tinha sobre ela hoje. O nome dela é Valentina.

- Como ela é?

- Ah, baixa, olhos verdes, cabelo super liso, tem um sorriso encantador... - abaixei a cabeça, sem perceber que eu acabara de falar algo que a Duda ia me perturbar sobre.

- Sorriso encantador, Luiza? Acho que você tá mais do que amiguinha dessa Valentina, e pelo visto ela parece ser uma grande gostosa, né? Se você não quiser, eu quero!

- Tá maluca? - dou um tapa em seu ombro.

- Ai! As vezes você esquece que é forte! - ela alisa a região do tapa - Pelo visto você até ciúme tem dela - ela gargalha.

- Que ciúme o que? Você tá delirando.

- Qual é, Luiza. Eu sempre desconfiei que você gostava de mulher mesmo. Tá mais do que na hora do que você parar de negar isso pra você mesma. Eu tô ansiosa pras cenas dos próximos capítulos e muito a fim de conhecer essa sua Valentina.

Terminamos o sorvete e não muito tempo depois vamos embora, cada uma para a sua casa. A Duda sabe alugar um triplex na minha cabeça quando quer. Esse dia foi completamente cheio de surpresas. Antes de dormir, resolvo mandar uma mensagem para Valentina. Apago e refaço a mesma mil vezes. Nada parecia bom o suficiente.

- Oi, Valen. É a Luiza. Só pra você não pensar que eu esqueci de te mandar mensagem. Te vejo amanhã no hospital? Dorme bem.

- Oi Lu. Que bom receber uma mensagem sua. Você me vê, sim. Até amanhã!

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