Alfa

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- Doutora Valentina, eu estou com muita dor na barriga. Por favor, me ajuda.

- Calma, pequeno. Você sofreu uma contusão muito forte. Vou levar você pra fazer alguns exames pra gente descobrir como proceder, tá bom? Larissa - ela fita a mulher que respira preocupada. Era a mãe do garoto de olhos castanhos - meu superior pediu que eu solicitasse uma tomografia e um hemograma para o seu filho, irão prepará-lo e logo eu volto pra buscar ele pra fazer os exames que constam nesta lista, ok? Pode ficar tranquila, o importante é que ele está estável e em ótimas mãos. - a mãe do garoto concorda com a cabeça - As enfermeiras já estão medicando ele e em breve essa dor vai cessar.

- Eu nem sei como lhe agradecer. Esse hospital está treinando ótimos médicos.

Ao observar essa cena, a primeira coisa que vem à minha cabeça é o quão forte o nome dessa mulher é. Aparentemente tudo nela é um pouco fascinante. Nunca vi um interno agir com tanta segurança e firmeza. Parecia que ela já fazia aquilo há anos, como se ela pertencesse àquilo tanto quanto a profissão a pertencia. Eu sabia que ela era interna por conta do símbolo bordado da faculdade que ela cursa no lado esquerdo do seu jaleco. Mais uma vez me sinto num certo tipo de transe, mas logo sou despertada pelo Dr. Airton. Ele era ortopedista, o paciente que ele estava tratando havia quebrado o pulso e precisava ir para o raio-x.

- Luiza, estamos precisando de mãos extras aqui. Como você pode ver, a nossa emergência está lotada. Tenho certeza que você será muito mais útil suturando o corte desse rapaz do que parada no meio desse corredor.

- Me desculpe, doutor. Acabei me perdendo. Já vou agora mesmo.

- Você sabe suturar, não é? Posso te deixar aqui com ele?

- Sei sim. Não será a primeira vez. Eu dou conta.

Assim que eu o respondo, ele sai para atender outros pacientes menos graves que estavam aguardando na emergência. Os pacientes mais feridos já estavam todos sendo tratados, o que aliviava um pouco o ambiente. O estranho é que parece para mim que tem alguma coisa que está abundando meus pensamentos. Sentia em mim o mais mínimo dos pulsares. A minha mente não parava de repetir a cena que mais parecia um deja vú. Porque eu sinto que a conheço? Valentina... Desde que eu iniciei a contar meus dias respirando na Terra, eu nunca havia presenciado uma mulher tão bonita quanto aquela que acabara de surgir diante de mim. Nos meus sonhos, seu rosto nunca tinha aparecido. Era mais como um borrão. Seus olhos... A voz... A forma de caminhar e dominar o espaço ao seu redor. O que tanto eu vi em seu rosto que me avivou dessa forma? Estou delirando.

Valentina's POV:

Depois de examinar Felipe, fui correndo ao encontro da Dra. Solange. Ela era a pediatra mais incrível que eu já havia conhecido. Antes de rodar nesse hospital, no qual eu iniciei hoje, eu já a conhecia. Ela era uma grande amiga dos meus pais, Marcos e Catarina. Foi por conta dela que eu recebi uma vaga para estagiar como interna em um dos hospitais que são referências no Rio de Janeiro, sua recomendação me levou àquele lugar. Eu precisava dizer a ela que eu estava suspeitando que o garoto estava com uma hemorragia interna, a qual seria confirmada através dos exames que fizemos nele. Assim que os resultados saíram, pude levá-los até ela e a mesma confirmou que a minha hipótese estava correta e que o menino iria precisar entrar em cirurgia. Fui direto prepará-lo com as enfermeiras e pouco tempo depois estávamos na sala de cirurgia.

- Valentina, você consegue me dizer a importância do rápido diagnóstico de uma hemorragia interna?

- Dra., dessa forma evitam-se maiores danos e sequelas ao paciente, visto que uma hemorragia interna, quando não tratada, pode levar à morte do indivíduo. É evitado que o paciente chegue ao estado de choque.

- Muito bem, Valentina.

A cirurgia foi tranquila, sem intercorrências. O hospital era um hospital-escola, então mesmo que as perguntas dos atendentes fossem um pouco mais simples, nós tínhamos que responder. Era o método de ensino e que, por sinal, funcionava muito bem. Era por volta de 18h quando terminamos a cirurgia, os internos seriam liberados esse horário, então me dirigi ao vestiário para me arrumar. Enquanto estava me trocando e colocando a minha jaqueta preta de couro, minha preferida, escuto o barulho do que pareciam ser várias moedas caindo ao chão, indo de encontro a uma superfície de metal, ocasionando um estrondo um tanto quanto insuportável. Me assusto, já que pensava que estava sozinha naquele espaço.

- Você que tá aí, será que não pode ter mais cuidado com as suas coisas? Tem gente que tá estressado e cansado demais pra ainda ter que escutar barulho irritante.

Vejo uma moça de cabelos ondulados e escuros, mais alta do que eu, com um cartão de meia passagem entre os dedos, a mochila pendurada em um dos braços com o seu jaleco em volta e as moedas que havia acabado de ajuntar na outra mão. Ela estava vestindo uma calça jeans clara e uma blusa preta bordada nas extremidades. Sinto que perdi o fôlego ao observar aquela mulher se aproximar. Acho que não causei uma boa primeira impressão.

- Me desculpa, princesa. - ela fez o sinal de aspas com uma das mãos ao falar princesa, confesso que senti vontade de rir. Ela estava com uma cara não muito contente e parecia um tanto quanto decepcionada. - Não queria perturbar a vossa majestade com o barulho, foi sem querer.

- Só toma mais cuidado da próxima vez. Você não vai querer perder o dinheiro do ônibus - me fiz de rogada e brinquei com a situação. Mas acho que foi o momento totalmente errado para isso. Droga, Valentina.

- Pra quem anda por aí como se fosse dona do lugar, o que eu imaginei ser segurança e confiança, é só mais um ego inflado, não é? - sua cara de nojo ao me olhar se transformou em algo diferente quando um leve sorriso brotou discretamente em meus lábios. Senti seu rosto queimar pela nossa proximidade assim que seus olhos fitaram levemente meus lábios. Ela engoliu seco.

- Então você já me conhece? Desculpa pela piada, foi totalmente inadequada.

- Eu te vi tratar um garotinho hoje. Nada demais - logo entendi a feição decepcionada anteriormente. Ela retomou a postura corporal que lhe garantia superioridade e se eu não tivesse encostado no armário que se encontrava ao meu lado, tenho certeza que eu teria caído de tão fracas que minhas pernas ficaram. - Agora se me dá licença, eu preciso ir. Tenho um ônibus para pegar.

- A gente se encontra por aí... - olhei-a como se pedisse passagem para saber seu nome.

- Luiza. Luiza Campos. E você é a Valentina, né?

- Isso. Valentina Albuquerque. É um prazer te conhecer.

- A gente se vê por aí.

Ela virou de costas e saiu caminhando com um andar que tinha um reboleio diferente. A mulher que se distanciava de mim era um pecado capital. Sinceramente, eu espero mesmo que a gente se veja por aí.

A HarmoniaOnde histórias criam vida. Descubra agora