Silêncios

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Os mesmos sonhos durante uma semana consecutiva. A mesma sensação diária desde o abrir dos meus olhos até o fechar. A agonia daquela sensação ruim que não sai, não diminui, vem e fica. Não nos falávamos há exatamente uma semana. Ela nem olhava para mim, e eu não me atrevia a dirigir a minha palavra a ela. Não por outra coisa, mas por conta da vergonha que me cobria inteira. Era tudo o que eu conseguia sentir. Vergonha por ter agido de maneira tão estúpida, de ter chorado daquele jeito no meio do hospital. O pior de tudo era a falta que ela me fazia. As mensagens de bom dia que já não chegavam mais, a sensação de incompletude que me acompanhava por não ter tido um pouco da companhia dela. As coisas tomavam um rumo sem sentido. Eu sempre fui sozinha esse tempo todo e agora eu sentia falta de alguém que eu mesma tinha afastado. Fiquei atenta a semana inteira para vê-la sorrindo para outra pessoa, ou conversando com alguém a fim de guardar um pouco da essência que ela carregava junto a mim. Ela permanecia na dela, por vezes se distraia durante as aulas em seu caseiro, as vezes em seu celular. Duda me fazia companhia no hospital hoje, ela tinha saído mais cedo da faculdade e resolveu tomar um café comigo lá. Eu estava com saudades dela.

- Para de olhar pra essa menina pelo menos um pouco.

- Não tô olhando, Eduarda - reclamei, abafando a minha voz.

- Luiza, você parece aquelas psicopatas com esse olhar de gato de botas - virei para o lado e dei um beliscão em Eduarda. Sempre tinha os piores comentários nas piores horas. A sua língua era afiada demais - Vish, casalzinho brigou feio, pelo visto - ela sussurrou em meu ouvido enquanto meus dedos ainda pressionavam seu braço.

- Não começa, Eduarda.

- Nem meu bofe me olha assim. Queria alguém que me olhasse do jeito que você olha pra Valentina, e que mulher ein? Você só tá perdendo tempo com essas futilidades - virei meu corpo e aproximei minha cadeira ainda mais da dela.

- Me fala como eu olho pra ela.

- Tua pupila dilata, e brilha tanto. Você fica com um sorriso bobo no rosto, e seus olhos nunca saem dela. Você sente prazer quando olha pra ela. Até eu me apaixonaria por você se te visse me olhando desse jeito - ouvi cuidadosamente, mas contrariei todas as suas afirmações balançando a cabeça negativamente - e eu percebi que vocês não estão se falando, seus olhos ficaram tristes, ofuscados.

- Você viaja muito, Duda. Essas drogas que você usa, pode parar, estão vencidas.

- Você tá apaixonada pela Valentina.

- Cala a boca, cara.

Olhei em volta para verificar se tinha alguém por perto que poderia ter escutado, Duda não parava de rir. Eu fiquei completamente sem jeito e irritada. O fato de querer a companhia de alguém não significa que você esteja apaixonado. Grande coisa isso!

- Terminou de comer? - ela perguntou vendo que eu tinha me desligado completamente do que estava fazendo antes. Senti a mão dela apertando meu braço, repetindo a pergunta. Meus olhos estavam em Valentina.

- Nada haver eu e ela. A gente não tem a menor compatibilidade e ela é só minha amiga.

- Engraçado que você ainda tá nesse assunto, tô nem falando mais nada. Terminou ou não? - ela disse, olhando para o meu pedaço de bolo e o tomando para si sem dizer uma palavra - aliás, eu acho que você só tá se enganando porque não quer dizer pra si mesma que gosta de mulheres. Acha que isso vai contra a lei de alguma coisa? Você nunca foi de igreja, Luiza, e as suas atitudes em relação a isso estão praticamente sendo baseadas nas interpretações de um monte de homens dotados de preconceitos. É nesse tipo de regra que você quer basear a sua vida?

- Você não sabe o que diz - comentei, aborrecida.

- E se você não vê dessa forma então porque estamos falando disso até agora?

- Termina logo esse café e vamos embora.

- Tá irritadinha porque sabe que eu tenho razão sobre tudo, inclusive sobre os seus sentimentos por ela. Só que é difícil fazer você enxergar qualquer coisa quando você é tão cabeça dura assim. Já que você insiste em continuar esse assunto, deixa eu te perguntar, qual é o motivo da briga?

Coloquei o dedo indicador sobre os lábios da Duda para que ela se calasse, pois O Dr. Leandro e Valentina, que estava atrás dele, estavam se aproximando. Era quase insuportável vê-la tão perto e saber que nunca estivemos tão longe. Parecia que um anzol tinha fisgado o meu peito.

- Oi Luiza - disse Leandro - então, eu preciso que você faça um relatório pra mim sobre o paciente que está na UTI do 17º andar, leito 4, ok? Me entrega ao fim da semana, sei que se interessa por esses casos, então resolvi passar pra você.

- Tudo bem, obrigada, Dr.

- Não vai apresentar a gente, Luiza? - disse Eduarda, com seus olhos quase engolindo Leandro. Ela era terrível. Não podia ver homem bonito que já queria cair em cima.

- Claro, Dr. Leandro, essa é a Eduarda. Minha melhor amiga.

- Oi, Eduarda, prazer em te conhecer - eles apertaram as mãos demoradamente, e soltaram um sorriso em direção ao outro. A tensão era presente - Essa é a minha irmã, Valentina.

- Já ouvi muito sobre você, Valentina - Valentina arqueou as sobrancelhas, mas não lançou seu olhar para mim. Nesse momento, eu só queria me enterrar - é um prazer conhecer vocês também.

- Igualmente - ela só disse isso. Meus olhos não saíam dela em nenhum momento. Eu não tinha mais palavras.

- Bom, agora precisamos ir. Só vim aqui pra dizer isso mesmo, obrigado pela atenção Luiza e, até mais, Eduarda.

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