Era só um pedido

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Para sorte de Welleson, Bruno não estava mais tão interessado nele e então, conseguiram curtir à noite tranquilamente. Apesar de estar dirigindo, acabou tomando uma cerveja apenas para se sentir alto e ambos passaram a noite dançando.
A festa era tema anos 2000 e como Welleson viveu bem essa época, uma infância ignorantemente feliz, conhecia todas as músicas, pulava como se estivesse ganhando na megasena. Nada poderia acabar a diversão dele.
-QUEM TÁ FELIZ AE? – gritou o dj que estava acima do palco na frente da multidão.
Todos gritaram em concordância e ele começou a falar, tentando animar ainda mais as pessoas que pulavam e dançavam, em pura felicidade.
Bruno puxou Welleson para mais para perto do palco, bem na hora que uma música que ambos conheciam e gostavam começava a tocar.
-minha nossa – ambos disseram juntos.
-essa é para quem ainda tem sonhos – o dj dissera e a música ficou mais alta – me diz você, qual é o seu maior desejo?
Todos cantaram o refrão que falava sobre sonhos se realizando e automaticamente todos fecharam os olhos enquanto dançavam. Welleson fez o mesmo. Queria que sua vida fosse reiniciada.
Não que voltasse a ser bebê, ou que morresse e reencarnasse de novo.
Poderia voltar aos dezessete anos, por exemplo. Ou menos. Tentaria tudo de novo. Ensino médio, faculdade... ele não sabia o que fazer direito, mas ele ia tentar, se seu pedido fosse realizado.
Quando abriu os olhos, uma lâmpada que estava acima do dj, começou a piscar muito forte e enquanto todos gritavam com força, cantando a plenos pulmões o hino de realização de sonhos, Welleson apenas encarava aquela luz brilhante que parecia uma estrela de tão forte para ele. Começou a se preocupar tarde demais, antes que fizesse algo, a lâmpada explodiu em várias faíscas que caíram por sobre o dj e também pelo equipamento.
Fumaça exalava de onde acontecera e logo também nos cabos que ligavam os aparelhos que exalavam som.
A música parou.
Um coro decepcionado ecoou pelo local e logo todos foram orientados a sair do local para os procedimentos de emergência que seriam feitos pelos especialistas do local.
-nossa, que azar. Na hora que eu estava ficando muito animado – Bruno, como não estava dirigindo, havia bebido bem mais que o necessário, dizendo que conseguia dar conta.
-acho que foi um sinal – Wel dissera enquanto caminhavam pela rua cheia de pessoas que iam embora junto com eles – estávamos animados até demais.
-ah, não vem. Você está de folga e eu também, teoricamente.
-afinal, onde você está trabalhando mesmo?
-na mesma empresa, mesmo regime, porém outro estado. Agora eu sou pago para viajar pra fora – ele diz com um sorriso tímido, mas convencido no rosto.
-isso que é ser burguês, né?
-ei, não é isso. Lutei muito por isso e você via.
Welleson concordou. Desde que começou a trabalhar pelo estado, ele conheceu Bruno como uma das pessoas responsáveis pela logística dele até o interior e sempre se compadeceu com o amigo por ter que aturar muito mais coisa.
Tudo que ele tem hoje, é fruto de muito esforço.
-fico feliz, Bruno. De verdade. Desculpa se eu não sou tão próximo ou me esforço pra sustentar a amizade... é que... bem...
-eu sei – ele ri colocando um braço em volta do ombro de Wel – percebi esse seu jeito desde o primeiro dia em que te vi. Você é muito fechado e tem problemas com seus pais. Normal. Que homem gay de 20 e tantos anos não têm?
-queria não ser assim, sabe? Sinto que minha vida começou agora e ainda assim, não me permito começar a viver ela.
-é a nossa maldição. Eu ficava pensando: eu sou muito tímido, queria me abrir mais para as pessoas e então me dei conta de que não, eu não era tímido. Eu apenas fui obrigado a vida toda para não ser quem eu sou. Fui privado da liberdade de expressão. Acontece com gente que nem nós. Mas preciso dizer, Wel, comecei a mudar depois que te conheci.
-eu? – o rapaz quase tropeça enquanto subiam em uma calçada para chegar a principal.
-sim. Você com seu cabelo vermelho tingido (não gay, ninguém cai nesse papo de que é natural) – respondeu a interposição silenciosa de Wel – sua força e coragem para não baixar a cabeça diante de tanto imbecil lá no trabalho... eu ficava, se essa gay, com esse cabelo vermelho forte consegue se impor sendo ela mesma, eu também posso. Não preciso fingir que sou macho ou padrão para ser ouvido ou notado. Posso ser obedecido sendo eu mesmo.
-mas eu não sou assim, sério. Eu forço muito lá. Não sou aqui o que sou lá.
-é sim. Hoje mesmo no lanche, seu pedido estava errado e mesmo com a atendente cagando e andando pra gente, impôs sua vontade e pegou o certo e ainda ganhamos desconto. Já te vi dando aula. Você é um herói, cara. Só está preso na vida de Peter Parker.
-coitada de Nova Iorque se depender de mim.
-como eu antes, seu maior inimigo é você mesmo. Quando derrotar ele, verá que mesmo o medo de perder seus pais, não será um medo tão grande quanto parece.
Eles chegam até onde a moto de Wel está e logo o rapaz se oferece para levar Bruno em casa, mas o outro diz que tem um encontro depois dali.
-hum... tem certeza?
-eu já tinha esse encontro. Achei que vir pra cá com você iria me deixar ainda mais animado.
-ok, mas cuidado pelo amor. Mande notícias.
Eles se despediram e enquanto dirigia pela deserta e fria cidade noturna, ele ficou passando a conversa com o amigo na cabeça, tentando entender se realmente as coisas poderiam ser mais fáceis se ele parasse de se autossabotar.
Por mais que todos digam que é fácil tirar coragem de sabe Deus onde, ele não consegue ver dessa forma, porque, como o próprio Bruno apontou, como ele consegue ter pulso com todas as outras pessoas, menos com quem deveria ter?
Quando chegou em casa, seu pai estava na sala, com os fones de ouvidos e celular na mão, provavelmente assistindo um filme, se balançando na cadeira.
-trouxe pão? – ele perguntou sem tirar os olhos do aparelho.
-eu fui pra uma festa – respondeu sem conseguir acreditar.
-eu mandei uma mensagem pedindo pra você trazer pão.
-eu não vi, desc... – ele parou antes de finalizar e logo correu para o quarto.
Serio? Ninguém teve coragem de comprar pão e estavam contando com ele? Percebeu que devido a isso, provavelmente não teria nada para que ele lanchasse essa hora, então, pensando no desejo que fizera mais cedo, deitou-se na cama, sujo de festa mesmo, torcendo que tudo mudasse na manhã seguinte.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora