Por muito pouco

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-eu já expliquei, policial Medeiros – Rosa se intrometeu - expulsão no mínimo!
-Rosa, não aplicamos punição para alunos sem justificativa. Você disse que ele a enfrentou e preciso tentar entendeu o que aconteceu.
A secretária Barbara e o Policial Costa estavam lado a lado, perto da porta e o outro policial que Wel não conseguia ver o nome, parecia totalmente desinteressado, por perto apenas para dizer que estava ali.
-bom, eu cheguei e ela simplesmente me puxou com força dizendo diversas grosserias. Eu não entendi nada, apenas pedi para que ela me explicasse o que estava acontecendo.
-mentiroso! Olha para esse cabelo, policial Medeiros. Me diga, como isso é aceitável? Eu estava levando para sua sala justamente para que ele fosse advertido e recebesse uma ordem para voltar ao normal. O senhor bem sabe, que aqui não toleramos tal... tal... – ela parou e Wel provavelmente imaginou qual palavra ela usaria.
-meu cabelo? O que tem meu cabelo? E ainda assim, precisava ter me agredido na frente de todos? Era só me encaminhar para a sala e pronto.
-mocinho – Medeiros se virou para ele – primeiro, fale direito conosco. Isto ainda é uma escola e nós ainda somos seus superiores. E Rosa está certa, seu cabelo é inadequado para o ambiente escolar. Terei que pedir que retorne para casa e só volte quando estiver como era antes. Até lá, levará falta sem justificativa.
-meu cabelo é inadequado? – Welleson respondeu calmamente – poderia explicar como, por favor?
-não, não preciso explicar nada – Medeiros cortou de forma ofendida.
-bom, então não vejo porque obedecer.
-está me questionando?
-Welleson... – Barbara dissera baixinho, quase implorando.
-policial Medeiros, como consta no folheto de introdução à escola, suponho que seja o pedagogo, certo? Li no código de conduta do estudante, disponibilizado no portal, que o cabelo deve estar cortado e bem apresentado para o dia letivo. Como pode ver, meu cabelo está na altura exigida e penteado da forma correta. Então lhe questiono, por que estou sendo suspenso?
-mas que audácia! – Rosa dissera – expulsão, certamente!
-não vejo o porquê – Welleson continuou – consultei o advogado da minha família e ele concordou que não infligi nenhuma regra com a atual cor do meu cabelo e bem, temos provas disso. Além do mais, tem um vídeo rolando na internet sobre o tratamento que aquela inspetora tem me dado – ele não conseguiu conter um sorriso que escapara – e já adianto, até a data de hoje, não há registros sobre cor do cabelo de um estudante, então, caso queiram revisar o código de conduta e mudarem alguma coisa sobre isso, posso alegar perseguição e tenho certeza de que nós não queremos isso, certo?
Todos permaneceram calados após o discurso do aluno.
Foram quase dez segundos, que Welleson pode observar os olhos perdidos e raivosos de Medeiros, formulando pensamentos quase como se tentando rebater o que ele dissera. O outro policial estava tão petrificado em seu lugar, com a xicara de café parada a caminho da boca, que Wel sabia que tinha atingido um ponto.
Ele não ousava se mexer para ver as reações de Barbara e Costa, mas Rosa continuava puta da vida.
-você se acha muito inteligente, não é? – o tom de Medeiros era assustador.
-não senhor e nem pretendo desrespeitá-lo. Como disse antes, apenas fiquei confuso com a reação de Rosa.
O policial pareceu surpreso com a fala do aluno, quase como se estivesse preparando a resposta que daria caso Wel se revoltasse contra sua pergunta.
-me permite falar mais uma coisa? – o rapaz de cabelos laranjas tentou soar submisso.
-o quê? – percebeu que Medeiros já não estava com tanta raiva e sabia que sua manipulação estava funcionando.
-peço desculpas pela desordem causada, não era minha intenção. Tive um ano passado difícil devido à pandemia e meu cabelo é um resultado da minha luta contra a escuridão que me assolava. Me esforcei bastante para estar nesse colégio hoje, a fim de conseguir melhorar meu currículo para ingressar em uma boa universidade. Prometo que não sou do tipo que causa confusão e pelo contrário, se me permitirem ficar, tentarei deixá-los sempre orgulhosos.
O discurso pegou a todos de surpresa e apesar de Welleson estar tentando se sair bem da situação (muito bem pensado e planejado anteriormente, é claro) ele estava sendo sincero.
No fundo, ele queria continuar ali, queria começar de novo e tentar obter glória nessa escola que certamente promete alguma.
Os segundos passaram e ninguém falava nada e como uma ajuda do universo para livrá-lo, o estomago do rapaz roncou alto, deixando a todos um tanto aturdidos.
-tudo bem. Não posso deixar tudo que aconteceu aqui hoje passar despercebido, então no final do dia você procure a sala de Rosa. Ela estará com uma advertência que precisará ser assinada pelos seus pais e devolvida amanhã, caso contrário, teremos motivo para expulsá-lo, correto?
-sim senhor – Wel respondeu.
-vigiaremos você de perto, aluno Paixão. Com certeza é alguém que será interessante manter o foco, seja para o bem ou para o mal. Espero que não nos decepcione.
-não irei.
Após isso, Medeiros ajeitou a postura como quem ainda pensa no que deve ser feito, olhando Rosa com um pouco mais de profundidade que o costumeiro dos últimos minutos, o que fez Wel ficar um tanto apreensivo e pensativo, preso em seu lugar aceitando que se movesse um musculo sequer, isso poderia ser considerado mais um ato de rebeldia e ele perderia o privilégio que teve.
Agora, pensativo, não sabe como as coisas fugiram tanto do controle, mas ele imaginava que algo do tipo fosse acontecer, mas nada tão grave. Pretendia usar o discurso sobre o cabelo e pronto, resolvido.
Começou a perceber que nada do que planejava dava certo.
-está liberado – Medeiros dissera – aluno Paixão, por favor, comporte-se.
O pedido soava como o de Almeida no dia anterior, tanto por ser o mesmo quanto pelo tom usado e se decepcionou ao notar que estava há zero dias sem causar confusão.
Seu recorde era de zero dias.
Não disse nada ao balançar a cabeça concordando, tentando mais uma vez soar formal e disciplinado, logo dando uma volta e percebendo os olhares sem expressão de Barbara e Costa – que até que ficavam bonitinhos juntos.
Saiu da sala e o corredor que estava, notou que era onde tinha a maioria das salas administrativas, próximo inclusive, da secretaria e logo sentiu uma mão puxando-o para lá.
Conseguiu se conter ao invés de se esquivar, mas por sorte, não era Rosa quem o puxara para dentro.
-você é a pessoa mais doida que eu já vi na vida – agora que a secretaria estava longe do alcance de olhares, ele enxergava nela o que parecia ser excitação – eu nunca, na minha vida toda, imaginei que o que aconteceu aqui pudesse acontecer.
-nem eu – Welleson dissera respirando profundamente – as coisas saíram do controle.
Ela soltou uma risada histérica e então tampou a boca assustada, mirando ao redor como se estivesse num estado totalitário.
Era quase, pensou ele.
-quantos anos você tem? – ela o questionou ajeitando o rabo de cavalo de seu longo e comportado cabelo castanho - você fala e age como se fosse bem mais velho. Tem dezessete mesmo?
Ele arregalou os olhos com essa informação e por um momento, quase deixa escapar que não. Na verdade, ele não tinha.
-eu sempre fui o mais responsável lá em casa e já trabalhei como menor aprendiz – uma verdade e uma mentira.
-sabe quantos alunos saíram daqui chorando porque foram mandados embora para cortar o cabelo? Ou pior, quando os policiais mesmo decidiam fazê-lo? Você... eu não sei nem explicar o que você fez hoje. Achou uma brecha no código de conduta!
Ela estava tão entusiasmada que ele logo percebeu o quanto ela odiava aquele lugar. E pensando bem, ela tinha dado indícios disso desde o primeiro momento em que se falaram.
-acredite, não foi tão difícil. As pessoas só tem essa irritante mania de tratar adolescente e crianças como se elas não fossem pessoas. Nós também pensamos e alguns são até mais inteligentes que muitos adultos que eu conheço. Burro é quem nos subestima.
-olha aí! – ela riu apontando para ele – você parece meu pai falando – e mais uma vez sua risada irônica o incomodou, o que o fez pensar que ele deveria ir embora.
-se não se importa, estou com muita fome mesmo...
-minha nossa, claro! – ela colocou a mão na testa como se lembrando de algo – desculpa é só que... mesmo agora... – ela continuou rindo – mas vai lá... e prepare-se.
Não quis saber muito o que isso significava, mas ele agora só tinha vinte minutos para comer, então apenas se virou e ficou como última visão de Barbara, uma expressão desconfiada e ao mesmo tempo excitada.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora