Quando o despertador tocou as seis da manhã de segunda, ele tentou não entrar em pânico.
Havia passado os últimos dias apenas em casa, respondendo pouquíssimas vezes às pessoas que o procuravam e de tempos em tempos, dava uma volta pela casa e voltava a parar em frente ao seu guarda-roupa, onde sua farda nova estava pendurada, passada e engomada, esperando para que ele o vestisse.
Sentia um pouco de nervosismo toda vez que a fitava, mas era encorajado pela sua mãe, que ignorando todas as falas absurdas que tinha dito antes, agora estava animada em ver o filho vestido em algo tão oficial e formal.
-vai servir de algo, pelo menos isso, já que iremos morrer de fome.
-não iremos – ele respondeu no domingo – está tudo sob controle.
-não sei não...
Disse já saindo do quarto e Welleson apenas suspirou profundamente, sentindo o que ele jamais imaginaria sentir novamente: a pressão e o medo de um estudante num domingo à noite.
Agora já arrumado, sentia-se uma pessoa completamente diferente. Não conseguia nem sequer imaginar que ele estava ali, vestido como um estudante soldado, indo para um local que nunca imaginou pisar e para ser honesto, julgou e repreendeu a vida toda.
Por sorte, não precisaria pegar dois ônibus para chegar a nova escola, já que esta farda além de pesada, é complexa e o calor da cidade certamente seria um de seus inimigos naturais.
Não precisaria tomar café em casa, já que segundo seu quadro de horários, ele teria um intervalo de quase uma hora para isso antes das aulas começarem. Já estava saindo, preparando-se psicologicamente para a comida escolar, quando se lembrou do chapéu em cima da cama.
Não... chapéu, não. Chamava-se boina. Tinham cores especificas para cada situação e posição, pelo menos foi o que ele leu no google, durante uma de suas mil crises de ansiedades.
Era obrigatório que usasse fora das dependências do colégio e não queria chegar já causando uma má impressão.
Não que ele quisesse ser invisível. De fato, se tem que passar por essa experiência novamente, não deixará que seu tempo e presença passem despercebidas, mas a última coisa que precisa, é ser conhecido por ser irresponsável e rebelde.
Sentiu-se nerd e lembrou de quando Claricia achou que ele era uma testemunha de Jeová.
O fato de ser adolescente e não poder dirigir sua moto – pelo menos não para ir à escola – o deixou frustrado e principalmente, irritado logo em que, as seis e quarenta da manhã, um monte de gente começou a se esfregar nele, num ônibus absurdo de lotado e quente.
Sua roupa já estava amassada e assim que desceu, se perguntou como não perdeu a porcaria do chapéu!
Boina...
Precisava atravessar a principal para chegar até a escola, mas ao seu redor, dezenas de adolescentes iam e vinham parecendo animados ou acostumados com a rotina de volta as aulas.
A maioria já se encontrava em grupos ou duplas e pareciam estar indo para o shopping com suas expressões casuais.
Com certeza ele era o mais nervoso dali.
Algo em sua cabeça ficava martelando, dizendo-lhe: não vão deixar você entrar. Assim que você passar pelos portões, o feitiço acabará e todos verão um adulto bizarro vestido em roupas pequenas escolares. Será preso por assédio ou quem sabe o quê!
Praticamente se tremia e nem havia percebido que estava passando mal, até que um policial (vejam só vocês, um policial!) chegou até ele, com uma expressão preocupada e tocou seu ombro levemente.
-você está bem?
Welleson olhou para cima – ainda não acostumado a ter que fazer isso para olhar as pessoas – e encarou um homem que parecia estar entre os finais de seus vinte anos ou na metade dos trinta. Não parecia nem de longe um homem que diriam ser policial, pois o rosto jovem, calmo e sem expressões grotescas, lhe davam um ar mais pacífico.
Sentiu-se um pouco mais calmo.
-sim, estou...apenas o calor que... bem, sei lá.
-você é novo aqui?
-sim. É meu primeiro ano. Na verdade, primeiro e último, já que estou no terceiro.
-bom, venha comigo - no peito do homem, assim como no seu, estava o sobrenome dele, Costa e sem esperar por alguma resposta, o policial se virou e começou a andar e nos três segundos que Welleson precisou para saber que deveria acompanha-lo, quase o perde de vista.
Havia mais policiais ali e alguns pareciam ser absurdamente parecidos.
Pelo padrão observado, percebeu que a maioria ou havia entrado agora para a corporação, ou foram escolhidos a dedo para estarem ali, pois todos não eram muito velhos e aparentemente estavam em muita boa forma, o que não se vê muito pelas ruas da cidade.
O local era enorme, sendo que parecia maior por dentro que por fora, com quase cinco pisos, dividido por uma enorme escada sem degraus no meio, uma passarela longa e espiral que o deixaria cansado por andar nela todo dia.
O teto era claríssimo e grande parte do local era iluminado pelo próprio sol escaldante.
Ainda no térreo, o policial Costa entrou em uma sala de porta cinza e discreta e assim que Wel passou por ela, percebeu que aquilo provavelmente era a secretaria, devido ao espaço na entrada ser divido por um longo balcão de madeira que deixava a parte de trás quase que escondida, com suas mesas e longos armários.
-Barbara, este é novo. Por algum motivo não recebeu o programa e está mais perdido que cego em tiroteio – a voz e rosto do policial pareciam ter mudado ao falar com a esbelta mulher atrás do balcão.
Agora soava mais autoritário.
-novo? – Ela parecia surpresa – quantos anos você tem?
-vinte e sete – ele respondeu rapidamente, mas percebeu seu erro logo em que os olhares sem paciência o cercaram – digo... dezessete.
-passe o folheto para ele e lhe explique também. Não precisamos perder tempo com comediantes aqui – Costa dizia para a mulher, que ignorava seu tom ríspido e então, o policial se virou para Well – comporte-se. Não importa onde tenha estudado antes, aqui não é a bagunça que você acha que é.
Por mais que adolescentes sejam conhecidos por serem naturalmente rebeldes, nada mais incomoda uma pessoa do que ela ser adulta e ainda assim ser repreendida como uma criança por qualquer que seja a pessoa.
Enquanto ouvia as baboseiras que o policial lhe dizia, ele ficou repetindo em sua cabeça que na verdade, ele não era mais adulto e que precisava obedecer sem questionar as regras que estavam sendo lhe ditas, mas algo lá dentro, só queria mandar aquele homem tomar bem no olho do...
-Welleson, não é? – a secretária chamou-lhe atenção.
Ele virou para ela e só pode ver a sombra de Costa saindo do local. Assentiu e deu dois curtos passos até o balcão, onde alguns papéis estavam dispostos em sua direção.
-a escola tem uma regra rígida de não aceitar alunos transferidos para passar somente um ano, mas parece que você é um caso especial, não é? – ela sorriu e Welleson se perguntou se ela estava sendo irônica de forma malvada, ou boazinha – Welleson... Sua ficha é ótima. Claro que ela deve ter lhe ajudado a entrar, mas imagino de quem foi o empurrãozinho...
-isso importa de alguma coisa? Se quiser posso dar meia volta e sair agora mesmo.
A mulher pareceu surpresa com a resposta e ele também.
Ia ser difícil largar alguns costumes, mas precisaria ser mais contido.
Ela riu finalmente e empurrou a papelada até ele.
-gostei de você. Olha, temos muitas regras aqui. Acho-as um tanto desnecessárias? – ela chegou perto falando mais baixo – acho! Mas tive a sorte de ser designada para cá, então não tenho muito o que fazer. Leia estes folhetos, são regras de convívio social, respeito a hierarquia e blá, blá, blá... decore-as... digo, aprenda tudo e se saíra bem.
-não vai ser difícil.
-claro que não – ela riu para ele como quem duvida muito, mas Wel percebeu que era seu jeito e de alguma forma, gostou bastante da mulher – bem, aqui estão seus horários. O refeitório fica no primeiro piso à esquerda da passarela. Tenha um ótimo dia e seja bem-vindo.
Ele entendeu a deixa que ela deu para ir embora e ainda um tanto nervoso, foi atrás de comer alguma coisa para tentar conter sua ansiedade, mas havia esquecido o que era um refeitório, ainda que não muito grande, cheio de adolescentes em suas panelinhas.
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Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)
Novela JuvenilWeleson Paixão só percebeu que sua vida estava estagnada e deprimente quando desejou ter dezessete anos novamente para tentar mudar o que deu errado. O que ele não esperava, é que o Universo fosse atender seu pedido e agora, no seu corpo adolescente...