Os dois se viraram e a jovem tatuada apareceu novamente, com um gato no colo e um sorriso infantil no rosto.
-eu sabia que te conhecia. O garoto do cabelo vermelho, certo? Não tinha muitos ruivos aqui ontem, então era fácil decorar seu rosto.
Welleson mal se mexia ao ouvir tudo, já que ele não consegue se lembrar de ter visto aquela mulher alguma vez em sua vida, mas que de alguma forma, sabia o que estava acontecendo.
-não entendo, não foi o que você pediu? Você conseguiu, por que está aqui? - ela parecia confusa, mas interessada.
O gato em seus braços era negro como a noite e os olhos amarelados encaravam Wel como se ele fosse uma lata de atum.
-você… você sabe que ele… - Cybelle estava contida, ainda com medo de parecer louca.
-isso é óbvio, não? - o olhar que a mulher deu a Cybelle a deixou constrangida, quase como se estivesse flertando.
-então como faço para desfazer? - Welleson chegou mais perto quase que implorando.
-mas… você pediu! Você pediu e foi atendido. Quer desfazer?
-não sei se percebeu, mas eu estou com dezessete anos!
Welleson parecia descompensado ao dar um passo à frente para rebater a informação da moça, mas logo para, passando as mãos no cabelo e respirando fundo, porém, ao notar o cabelo maior, liso e menos quebrado devido a tintura de sempre, logo abriu os olhos frustrados.
-então devia ter mais cuidado com o que pede – ela não parecia mais frustrada e sim irritada, soltando o gato no chão e caminhando em um semicírculo pelos dois – presentes são recebidos e não questionados. Aproveite o que lhe foi dado, pois muitos adorariam ter esse privilégio.
-e minha família? As pessoas que dependem de mim? Eu vou ter que esperar um ano para trabalhar e ainda assim passar pelo desgostoso processo de me alistar novamente, esperar a porra da dispensa, procurar um emprego simples depois de ter me esforçado bastante para ganhar e chegar aonde eu cheguei?! – Welleson não mediu suas forças ao gritar novamente com a mulher, mesmo sabendo que ele estava errado na situação.
Não sentia-se mal por descontar suas frustações nela, porque era o que humanos faziam no geral e mesmo que ele tivesse pedido, não era algo que ele esperava que fosse acontecer e bem, poderiam ao menos avisá-lo que ia acontecer.
A mulher, no entanto, não parecia se importar ou ao menos reagir ao discurso furioso do rapaz e como única reação, soltou um pequeno sorriso, de canto de boca, não o suficiente para parecer debochado.
-o universo é metódico. Assim como você, outros pediram e outros receberam. Não existe volta. É para sempre.
-quem é você? – Cybelle chegou ao lado do amigo, colocando uma mão em seu braço para contê-lo, ao mesmo tempo que tentava entender o que estava acontecendo – como sabe sobre isso?
-não sou mágica ou essas coisas – ela começou dizendo e dando pequenos passos ao redor dos dois – aliás, meu nome é Claricia, obrigada por perguntarem – agora ela pareceu sarcástica – comecei minha vida mística lendo cartas e essas coisas. Assim como você, o universo me escolheu. Minha vida era a mesma coisa de sempre, sabe? Rotina é bom para quem nasceu para ela, mas para pessoas como eu? – ela parou de caminhar e olhou para Welleson – como nós – e riu, deixando os dois confusos – não. Não nascemos para mediocridade. Nós fomos feitos para sermos protagonistas de histórias e temos o dom para isso, digo, agora temos.
Os amigos não pareciam conseguir entender o discurso, ou ao menos estavam irritados o suficiente para tentar compreender e seguir o raciocínio quase maluco de Claricia.
-eu gosto da mediocridade – Wel sussurrou.
-se for pra começar a mentir, melhor sair daqui – pela primeira vez ela pareceu realmente incomodada – uma pessoa conformada não faz pedidos ao universo com intenção de mudar a vida – agora ela sorria de forma materna – aceite o presente. Seja lá qual era sua intenção no momento, alguma você tinha.
-mas... – ele parecia derrotado – eu não posso estragar tudo.
Claricia chegou perto de Welleson e colocou uma mão em seu ombro, quase que esquecendo que Cybelle estava ali.
-enquanto algumas pessoas choram, outras vendem lenço – o conselho não era original e muito menos profundo, o que fez o rapaz soltar uma risada.
O gato, que os amigos esqueceram completamente que estava ali, soltou um miado longo e alto, como se quisesse atenção e logo Claricia o mirou, como se estivesse conversando com ele.
Nesse momento, Cybelle aceitou que estava ficando louca e deu alguns passos para trás, sentando-se no palco e colocando a cabeça entre as pernas, enquanto Welleson continuava preso a cena.
-hum... – Claricia não parecia satisfeita.
-você estava conversando com o gato?
-o gato é muito importante – ela disse voltando sua atenção para o rapaz e o gato sumia da vista de todos – e gostou de você.
-gostou de mim? – ele queria controlar o sarcasmo ou a acidez que escapava em sua voz, mas não conseguia por estar um tanto cansado.
-é. Isso nunca aconteceu – a forma como ela parecia consternada o deixava incomodado – o que é dado é dado, ninguém nunca ouviu um miado do Universo. Ele nunca concedeu dois desejos a mesma pessoa.
-dá pra ir direto ao ponto porque eu realmente não consigo acompanhar essa história absurda!
-ele lhe deu um ano. Para você, 365 dias para decidir se quer continuar assim, ou se quer voltar como era antes. Para ele, claro, será uma piscada de olho.
-um ano? – Cybelle soltou de forma irritada.
-não acha o suficiente, mocinha? – mesmo que parecesse petulante, Claricia na verdade sorria como quem olha para alguém querido, o que desconcertou a alvo de sua atenção.
-mocinha? Provavelmente temos a mesma idade...
-duvido muito disso – o sorriso escondendo um segredo.
-então, no dia dez de fevereiro do ano que vem eu terei que decidir. É isso? Mas e o ano que eu perdi? E se eu for exonerado do meu cargo?
Claricia finalmente tirou os olhos de Cybelle e voltou sua atenção a Welleson, agora um pouco mais condescendente que antes e chegou mais perto, segurando sua mão e respirando próximo demais de seu rosto.
-eu também... surtei, quando percebi que meu desejo foi concedido. Nós tivemos pedidos parecidos, mas a diferença é que você é sábio. Dá para ver nos seus olhos que é. Seu coração transparece pureza e somente por causa disso o Universo lhe deixou essa proposta. Estaria mentindo se dissesse que não estou com inveja, chega um certo ponto que enjoamos de ter o que queremos, mas duvido que isso acontecerá com você.
Ela sorriu de forma espontânea, quase lagrimando, dando alguns passos novamente para trás, pegando a pá e a vassoura que tinha deixado num canto isolado.
-por mais que esteja assim agora, no dia dez do ano que vem você nem se lembrará que pode voltar ao que era antes, sei disso.
-como pode ter tanta certeza? – Welleson parecia derrotado a beira das lágrimas.
Ela não disse mais nada, dando-lhe um sorriso simpático final e então começando a limpar o local.
Cybelle se levantou e foi até o amigo, segurando seu braço de leve e o encaminhando até a saída.
Caminharam silenciosamente pela rua deserta, até chagarem na principal, que devido ao horário, já estava ficando engarrafado com pessoas saindo do trabalho e indo até as suas respectivas casas.
Ele tentava dizer alguma coisa, mas ao mesmo tempo, preferia manter o silencio em que estavam, pois muitas ideias circundavam sua cabeça e tinha medo de parecer agressivo ou até mesmo ingrato.
1 ano.
Essa tinha sido a única coisa que conseguiu, mas para ser sincero, ele ainda estava com sorte por ter conseguido as respostas que procurava.
Achava que teria que passar por várias situações, implorar, esperar um longo tempo pela resposta que tanto ansiava, como naqueles filmes em que a explicação só aparece no último momento... mas não.
Assim como seu pedido veio fácil, a resposta também.
Fácil até demais.
Seria obrigado a conviver com isso pelo tempo estipulado e se perguntou por que diabos desejou isso, no começo de tudo? Afinal, por que queria ser adolescente de novo? Obvio que na hora, na empolgação do momento, aquilo saiu, mas agora estava perdido.
Irônico, claro. Ele tinha vinte e sete anos e estava perdido na mediocridade da vida adulta e agora, tinha dezessete e continuava sem saber o que fazer.
-o que vai fazer? – Cybelle finalmente perguntou quebrando o silêncio.
Ele olhou para ela, quase como se tivesse esquecido que ela estava ao seu lado, sorriu preguiçosamente e procurou algo para dizer em sua mente.
-não sei – foi a primeira vez na vida que admitiu aquilo.
Já fazia um tempo que ele não fazia ideia do que fazer com sua vida, que até então, aos olhos dos outros, já era perfeita o suficiente.
Então por que pediu para mudar o que já estava bom?
Mas se queria a mudança, então algo errado tinha e agora, a oportunidade de consertar lhe foi dada. Iria parar de choramingar e seja lá o que estivesse fazendo.
-bom, e se eu voltasse para o ensino médio?
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Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)
Teen FictionWeleson Paixão só percebeu que sua vida estava estagnada e deprimente quando desejou ter dezessete anos novamente para tentar mudar o que deu errado. O que ele não esperava, é que o Universo fosse atender seu pedido e agora, no seu corpo adolescente...