Preparando um novo começo

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Para surpresa de Welleson, a sua documentação civil também havia mudado. Em seu registro geral, constava o ano de nascimento compatível com sua atual idade e por algum motivo, em seu histórico escolar, o terceiro ano do ensino médio estava pendente.
Em tempos, era a primeira vez que algo se resolvia fácil em sua vida.
Era engraçado, como ele teve a ideia e ao chegar em casa para procurar alguém que falsificasse identidades, nem precisou se dar o trabalho.
O universo que tanto estava lhe ajudando, deu mais essa mãozinha…
-escola? - sua mãe ainda estava cética - você não pode fazer isso, Welleson. Você tem 27 anos!
-mãe, não sei se notou, mas não. Eu não tenho.
-digo… como vai o interagir com aquelas crianças? Conversar, conviver… não vai dar certo.
-amo seu voto de confiança.
Edilson, tentando fazer um trabalho no computador que ficava na sala, olhou para o filho com sua expressão de costume: não muito interessado, levemente preocupado. Como se as ações do filho já não importassem tanto assim.
-sem fazer nada é que ele não pode ficar - comentou voltando sua atenção ao teclado alfanumérico - se ele vai ter um ano pra voltar ao normal…
-um ano! - Eliana bufou - como que vamos viver durante esse tempo? Muita irresponsabilidade sua ter feito esse pedido, Welleson.
Com o próprio notebook ligado à mesa da cozinha, ele tentou ignorar a conversa da mãe, enquanto arrumava a documentação necessária e procurava um número antigo em seu e-mail.
Evitou o celular durante algum tempo, com medo da realidade que vivia.
Certamente não poderia contar a ninguém sobre a situação, então algo ele teria que inventar, principalmente no que diz respeito ao seu trabalho, mas por enquanto, ele queria ter uma dor de cabeça por vez.
-alô? Claudio? Isso, aqui é Welleson, do programa educação sem fronteiras, lembra?
Ele tentou engrossar um pouco mais a voz, mas ao notar a surpresa desconfiada do seu antigo supervisor, ele percebeu que não daria muito certo.
-é, pois é. Acho que meu celular está com algum problema no microfone, mas enfim. Estou ligando porque você uma vez disse que estava me devendo uma e agora que é diretor na secretaria, vou precisar cobrar esse favor.
Não queria soar pretensioso, mas ele não podia gastar seu dinheiro já contado para passar o ano pagando uma escola particular.
Se voltar para o ensino médio significa que ele tem que fazer isso como parte da sua jornada de autoconhecimento pós-merda desejada, ele iria fazê-lo.
Talvez, o nada que sentia durante sua vida adulta fosse preenchida com pressão escolar e convívio social.
Mas também não queria voltar para qualquer escola. Seu ensino médio foi assim: matriculado em qualquer instituição que não preza a educação e apenas passa de ano os alunos para manter um índice bom e evitar a repreensão da secretaria de educação.
Não tinha nem feito amigos.
Dessa vez, se era para viver tudo de novo, ao menos iria tentar uma instituição de tempo integral, onde ele poderia tentar se aprofundar mais nas amizades e claro, numa turma onde pelo menos a grande maioria já tenha dezoito anos.
Com essa história toda, a palavra Polícia Federal ficava martelando constantemente em sua cabeça.
Com isso mais ou menos resolvido, ele tratou de tentar buscar alguma coisa que pudesse usar a seu favor sobre o trabalho, pois odiaria ter que perder a sua maior conquista por causa de um pedido da boca para fora. Não consegue ver como isso seria justo consigo.
O universo tem lhe ajudado e lhe concedido o que queria, mas será que isso foi um ato de bondade ou de castigo? Ele mereceria?
Apesar de já ter odiado a ideia das aulas remotas, ele sabia que era a única coisa que poderia fazer para manter seu emprego, depois que a licença remunerada acabar.
Pegou finalmente seu celular, olhando as várias mensagens que estavam esperando para serem respondidas e logo começou respondendo uma por uma e então, ligou para seu novo supervisor e explicou da maneira mais cara de pau possível, que estava ruim e precisaria se ausentar por um tempo.
Fora uma conversa trágica, triste e ele quis chorar, vendo em sua mente as imagens de todos os rostos felizes de seus alunos, que ansiavam aprender e amavam o professor que tinham.
Claro, eles tinham o outro, Cassio, mas ainda assim todos sabiam que ele era seu favorito e ninguém parecia esconder.
Ele talvez gostasse disso. Da sensação de finalmente ser o favorito de alguém.
Nem foi preciso tanta artimanha para convencer o supervisor a tirar algum tempo de banco de horas. Ele tinha muitas e todos deviam muita coisa à ele, por seu empenho e dedicação. Logo, tinha tranquilamente uns três meses para voltar a trabalhar e ficou acertado que ele o faria a distância.
Mesmo assim, pediu para que seu “sobrinho” recém-formado no ensino médio pudesse ir até aldeia uma vez por semana para fazer dinâmicas para com os alunos, mas essa parte ainda precisaria ser acertada.
Durante o resto do dia, apenas se preocupou em ficar imaginando como seria sua nova vida. Que diabos ele iria fazer numa escola? Será que ele conseguiria dar conta de todo assunto? É claro, pensou, já que agora é formado e pós-graduado. Não é possível que não consiga dar conta.
Uma mensagem apitou em seu celular e ao olhar o e-mail de Claudio, descobriu que seu “sobrinho” havia sido matriculado em uma escola de tempo integral não muito distante, contudo, era uma daquelas que haviam sido entregues para a polícia militar.
Problema... pensou.
No final do e-mail, quase como uma nota de rodapé, estava escrito “apenas o melhor para o meu melhor”.
Como pode esquecer de que Claudio o considerava um filho e é claro que ele colocaria o sobrinho do ex-funcionário perfeito em uma das melhores e mais alto padrão escolas da cidade e isso, significava uma escola totalitária, cheia de ordens e restrições que certamente não saberia como conviver.
Nunca foi do estilo rebelde, mas sempre foi diferente, é claro. Era gay, no final de tudo, nunca chegou a se encaixar verdadeiramente em um lugar e não porque não tentou, a sociedade não o aceitava. Ou era forçado a se encaixar naquilo que sempre lhe impusera, o popularmente permitido, ou continuaria a ser deixado de lado.
E bem, por mais que tentasse, nunca conseguia esconder 100% os trejeitos e os gostos não tão normais para garotos.
Nunca realmente se importou com isso. Sempre foi sozinho e quem precisava disso, no final de contas? Era intimidado por alguns outros imbecis na escola, mas nunca se deixou levar por isso.
Agora, sem saber como dizer que não queria ir para aquele lugar que certamente nunca irá se encaixar – e para ser totalmente honesto, ele nem quer – aceitou sem reclamar, tranquilo, até que Claudio o informa que as aulas começam na segunda.
Três dias.
Muito bom, pensou.
Rapidamente, chamou a mãe para irem até um local comprar a farda e os materiais da lista que Claudio enviara.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora