De um jeito diferente

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Ele sabia que tinha algo errado, pois quando abriu os olhos e pegou o celular, eram quase uma hora da tarde.
Havia chegado em casa por volta das dez e meia da noite, já que a festa encerrara cedo, então, não estava tão cansado a ponto de dormir tanto.
Essa foi a primeira constatação de que algo anormal estava acontecendo, porém, ele levantou se espreguiçando e ao fazer isso, de alguma forma, parecia que seu corpo soava mais leve do que de costume.
Olhou para os braços que antes tinham resquício dos exercícios e academia que costumava fazer durante os últimos anos, mas agora, ele encarava dois membros de músculos magros e finos.
-mas que por...
Levantou rapidamente e abriu a porta do quarto, porque algo não estava certo.
-Wel, meu filho, nunca dormiu até tarde, o que... – ele ouviu a mãe aparecendo no corredor, mas ela parou, olhando para ele como se não o reconhecesse – o que...
O fato de que ela também estava notando algo diferente nele o deixou nervoso e logo percebeu que a barriga discreta e um pouco flácida que tinha devido aos anos de cerveja que vinha tomado, não estava mais ali.
O que estava acontecendo?
Correu para o banheiro e se olhou no espelho.
Seu cabelo estava grande, bagunçado e o pior: preto.
Seu rosto estava fino, com espinhas aqui e ali e seus dentes que passaram anos presos a aparelhos para ficarem certos, voltaram a ser tortos. Seu nariz que havia ficado proporcional ao rosto agora parecia maior e suas orelhas pequenas demais, sumiam em suas madeixas negras.
Parecia ele quando tinha...
-não... não pode ser.
-Welleson o que houve com seu cabelo? – sua mãe aparece na porta ainda surpresa e novamente encara o filho.
Ele a mirou, sentindo o coração bater forte e só não correu gritando, achando que tinha enlouquecido, porque podia ver o mesmo choque no rosto da mãe.
-como... como... – ela tentava perguntar, mas nada se completava.
Ele saiu do banheiro e começou a caminhar pela sala, andando em círculos, passando a mão na cabeça e então baixando ela novamente quando percebia que aquele não era seu cabelo.
Onde estava a caríssima tintura e hidratação que havia pagado no dia anterior? O peeling que havia feito nas bochechas para deixar sua pele lisa? O clareamento caseiro dos dentes... como aquilo aconteceu?
-não é possível – sua mãe dissera mais uma vez.
-sim, mãe eu sei. Não é possível, não precisa ficar repetindo isso toda hora como se eu mesmo não tivesse percebido.
-mas... você parece que tem...
-parece o quê? Parece que eu tenho dezessete, é isso?
Ela se calou logo em que ele diz isso e então se senta à mesa, olhando para ela fixamente como se estivesse se questionando se enfim ficara louca.
Afinal, como era possível que isso estivesse acontecendo? Ele se lembra, é claro, de ter desejado que isso acontecesse, mas não existe isso na vida real, certo? As pessoas simplesmente não desejam voltar a ter dezessete e então, bum, acordam e isso aconteceu.
Welleson se formou cedo na faculdade, com mérito, passou num concurso, fala dois idiomas, sempre foi uma pessoa racional, da ciência, então ele acreditava que tinha que ter uma explicação racional para aquilo.
Um surto coletivo? Sua mãe fica tão sem nada para fazer que acabou entrando junto com ele em sua paranoia?
É possível, certo? Duas pessoas dividirem uma esquizofrenia?
Ouviram o barulho de chaves no portão e se viram, vendo Edilson entrando com duas sacolas de mercado. Inicialmente, ele não percebe as duas pessoas perplexas na cozinha, tirando seu boné e colocando as sacolas no chão da sala e então, se vira e encara Welleson, mas primeiro o olha como se não o conhecesse e então, abre a boca para falar algo, mas logo para.
-você está vendo também? – Eliana questionou o marido, enquanto se levantava rapidamente e ia até ele – parece o Welleson, o nosso Welleson, lembra? Quando ele era jovem.
-eu sou jovem – o filho responde ofendido já que sempre diz que enquanto não fez trinta, ainda poderia considerado adolescente.
Bom, agora literalmente.
-isso não é possível... você está mais jovem. Como?
Apesar de Edilson claramente parecer chocado com a situação, logo ele tratou de ir até o filho, tocando-o e deixando-o mais perto como se somente assim ele pudesse realmente acreditar no que estava vendo, mas ainda assim, seu olhar descrente era percebido de longe.
E assim eles ficaram, por quase uma hora, um encarando o outro. Sempre que alguém abria a boca para falar, outra pessoa o fazia quase que ao mesmo tempo e logo todos se calavam novamente.
Não conseguiam entrar em um consenso sobre o que estava acontecendo, mas ao menos tinham certeza de que não estavam loucos, já que os três viam a mesma coisa.
Eliana perguntou se por acaso o filho não tinha entrado para algum tipo de culto de feitiçaria ou bruxaria, o que o deixou um tanto irritado, mas se esforçou para responder as perguntas feitas, já que apesar da maioria ser muito ruim, vai que alguma pudesse ser esclarecedora.
Quando a irmã, Lessandra, acordou (pois nada a fazia levantar cedo), viu o irmão e por mais surpresa que pudesse parecer com as três expressões que conseguia fazer, logo parabenizou o irmão por ficar mais jovem e voltou para o quarto, ligando a televisão e colocando uma música.
Ninguém parecia muito incomodado com isso, talvez Eliana, que não gostou da forma como a filha mais velha tratou a situação, quase como se fosse boa, ao contrário de Wel, que finalmente caiu por si e percebeu que tinha tido a tão desejada segunda chance.
Ele conseguiu o que pediu, afinal de contas, certo? Ele quem desejara isso.
-e seu trabalho? – foi Edilson quem perguntou.
E então ele se deu conta.
-meus alunos... – escapou em sua garganta, quase como se aquilo fosse tão importante quanto respirar.
Na verdade, ele considerava aquilo dessa exata forma.
Não podia deixar aquelas crianças à mercê do nada. Não encontram muitos professores disponíveis a renunciar à vida para ensiná-los e até encontrarem outros, seria muito difícil.
De repente, sentiu seu coração bater rápido e seus olhos lacrimejarem... precisava pensar em algo urgentemente. Tinha que encontrar uma forma de reverter isso, certo?
Ele queria reverter isso. Não é?
-temos que pagar a internet e o parcelamento da energia... – Eliana deixou sair um pouco mais que o marido e logo mirou o filho de forma questionadora.
-mãe... – ele detestava como sua voz parecia bem mais fina que o normal. Como ele aguentava isso anos antes? – eu estou com dezessete anos, espinha na cara e meus alunos que veem em mim uma luz de esperança estão a ponto de ficar sem professor e a senhora só consegue pensar em vocês?
-contas precisam ser pagas, Welleson – ela respondeu sem vacilar.
Ele balançou a cabeça concordando, mas não queria ouvir aquilo.
Existiam outras opções, claro. Tipo Edilson arranjar um emprego? Ou quem sabe, Lessandra? Mas não. Ele tinha que percorrer o mundo em busca de uma fórmula mágica que o fizesse voltar a ser o que era antes, de preferência antes do dia 30.
E claro, sozinho, porque Lessandra tem trabalho da faculdade e não pode faltar.
Levantou irritado e foi até o quarto, batendo com força a porta e se jogando na cama tentado a chorar, mas não via o porquê disso.
Ironicamente, ele sempre foi preparado.
Depois da pandemia, ficou com medo de perder o emprego (já que exoneração e aposentadoria forçada estavam na moda) e sua família cair em ruína de novo então, criou uma renda, colocando certa quantidade de dinheiro que os manteria tranquilamente por quase um ano, sem contar com os juros de aplicação e poupança.
Fora isso, ele fizera horas o suficiente e o estado devia folgas o bastante para ele ficar uns três meses em casa, recebendo normalmente.
Então, ele tinha tranquilamente mais ou menos um ano e meio para resolver essa situação.
Claro, ele também tinha outra opção, que lhe foi apresentada durante os meses mais severos de pandemia: ensino remoto.
Sempre destetou essa ideia. A modernidade ajuda, é bem-vinda e conveniente, mas as vezes ainda se deve ser feito algumas coisas presencialmente. Dar aulas para crianças que não tem costume ou incentivo para estudar, é uma delas.
Não se importava em se expor ao vírus. Pagava do seu bolso um teste toda vez que ia, para não levar o vírus até aquelas pessoas e conseguira uma licença especial do estado para ir de lancha até o local.
A viagem que é feita em duas horas e meia de avião mais carro, era feita em quase um dia, mas valia a pena.
A esperança no olhar das crianças, em uma época tão assustadora era sua maior recompensa.
Pensaria melhor nessa possibilidade depois, no momento, ele tinha dinheiro e tempo para tentar entender bem sua situação. Estava em um misto de empolgação e medo. Será se ainda tinha a força e determinação necessária para enfrentar isso?
E pensando bem, ele tinha antes?
Mandou uma mensagem para Cybelle, dizendo que precisava encontrar ela com urgência e claro, ela estranhou, não era costume eles se verem tanto em tão pouco espaço de tempo, mas não hesitou e concordaram em uma hora se verem no shopping.
Ele achou que seria bom um local bastante movimentado e lotado.
Talvez assim ela não surtaria tanto.
Apesar de que ele nem conseguia imaginar qual seria sua reação a tudo isso e depois que se arrumou rapidamente e fugiu dos olhares e questionamentos de seus pais, ele ficou a viagem toda tentando organizar os pensamentos para apresentá-los com calma a amiga.
Ele precisa de razão e calma. As coisas eram mais bem resolvidas assim.
Quando chegou, ficou um tanto distante do ponto de encontro, pois queria que ela chegasse primeiro e então ele iria se apresentar.
Cybelle o conhecia de tanto tempo que certamente lembraria do amigo com dezessete anos.
Estava com medo de causar uma reação negativa na amiga, afinal, como ela estava mesmo de saúde? Não era possível que uma mulher tão jovem pudesse morrer de ataque cardíaco, certo?
Ela chegou e logo pegou o celular, olhando para os lados como se procurasse o amigo e então voltou sua atenção ao aparelho e Wel sentiu o seu vibrar em seu bolso.
Era agora.
Começou a andar na direção dela e por meio minuto, ela levantou a cabeça em sua direção, o mirou, mas logo desviou o olhar, como quando olhamos algo aleatório e desinteressante.
Contudo, isso foi muito rápido, já que logo ela voltou seu olhar e eles se abriram em espanto, a boca um tanto aberta e travada, a mão levantada com o celular entre os dedos, completamente surpresa.
-eu sei... bem, difícil de explicar...
-que porra aconteceu com você? Parece quando você... parece quando...
-sim. Estou com dezessete anos.
Ela abriu a boca pra falar, mas parou. Depois soltou uma risada irônica discreta e antes que Welleson fizesse qualquer outra coisa, os olhos da amiga se reviraram e ela caiu para trás, desmaiada.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora