Ser ou Não Ser (invisível) eis a questão...

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Um frio em sua barriga o preencheu, mas logo se repreendeu por ficar com medo de tal coisa.
-ok... – disse enquanto andava e foi até a fila que se formava entre as mesas.
O som de conversação era alto e ele se preocupava apenas em não tropeçar ou esbarrar em alguém, sempre se lembrando que enfrentou coisa muito pior em sua vida. Não precisava temer nada.
Surpreendeu-se com a comida que lhe fora servida.
Em sua época de escola, ainda mais no local em que estudava, quando havia merenda era sorte. Geralmente um mingau aguado ou um pão duro com o que deveria ser margarina.
O que estava à sua frente, agora que havia se sentado, era um pão macio com uma fatia generosa de queijo dentro. Café com leite até que decente (mas também podia optar por suco) e ainda tinha uma fruta de acompanhamento!
Certamente, estudar em uma escola de tempo integral que recebe investimento tanto do governo, quanto da polícia, fazia toda diferença e se perguntou por que na sua época não foi matriculado numa dessas.
-está na hora de cortar esse cabelo – ouviu uma voz severa ao fundo e ao virar para olhar, uma senhora por volta dos cinquenta anos, baixa, um tanto gordinha e de face rígida passava pelo refeitório, olhando para os alunos e ditando ordens que até então, ele teria achado absurdo na vida real – coma devagar, Campos. Não está morto de fome!
Agora que a surpresa do desjejum passara, ele pode observar melhor o local e apesar do som de falas ser alto, não era absurdo e todos pareciam se comportar bem demais para o horário do intervalo em uma escola.
Ao redor, ele podia ver aqui e ali alguns policiais novamente, observando ou conversando com as pessoas como se fossem monitores e isso o perturbou um pouco.
-novato, hein? – a voz da senhora parou ao seu lado e ele a observou atento – me chamo Rosa, sou inspetora de corredores. Uma das, para não dizer a melhor. É bom que tenha lido as regras da escola, pois ser novo não lhe isentará das punições – ela pausou mirando bem o rapaz – isso inclui um cuidado melhor com suas vestimentas, qual seu nome?
Ele engoliu o pedaço de pão que estava mastigando já fazia um tempo, e ainda receoso, olhou para o peito para ter certeza de que seu sobrenome estava lá.
-engraçadinho, é? Gosto dos que são assim, afinal, que serventia eu teria se não pudesse castigar ninguém? – o sorriso que ela deu foi o mais assustador da vida de Welleson – ao sair de sua última aula do dia, compareça à minha sala.
E com isso, ela continuou andando, como se a existência do jovem já não importasse agora que ela tinha atingido seu objetivo.
Respirando com dificuldade, ele olhou para os lados e viu algumas poucas pessoas o fitando, um tanto interessadas depois do que pareceu o único ato de rebeldia que provavelmente já viram ali e ao mesmo tempo que gostou da sensação, sentiu-se incomodado.
Lembrou-se que não estava ali para virar tudo de cabeça para baixo e nem queria isso.
Nem sabe se fez o que fez de proposito, apesar de algo dentro de si confirmar que sim, mas de toda forma, não podia agir como um adolescente de trinta anos das series da TV.
Afinal, caso o universo decida que não irá mais transformá-lo de volta, ele vai precisar de um diploma de conclusão do ensino médio, no fim de tudo isso.
Ainda estava atordoado com o acontecimento do refeitório e assim seguiu, subindo até encontrar seu andar e sua sala. Foi um pouco difícil, com tanto de adolescentes indo e vindo e... Bem, teria que parar de pensar dessa forma.
Como se fosse ele e eles.
Agora ele fazia parte deles. Tinham, tecnicamente, a mesma idade.
As salas pareciam todas iguais e o sol forte que iluminava tudo o deixava um tanto colérico, mas sabe que isso apenas era uma atenuação do que ocorrera anteriormente.
Quando entrou, na última turma de sua série, a sala já estava lotada e percebeu que não vira tantos rostos maduros antes, o que o fez notar que a maioria dos veteranos não costumava tomar café na escola, provavelmente.
Quase todos os rostos se viraram automaticamente para ele, algo natural, já que ali ele era o estranho e se fosse no seu ensino médio, teria se retraído e ficado nervoso, mas agora, depois de já ter vivido tanto, apenas um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, dessa vez gostando da atenção.
Procurou uma carteira que pudesse estar vazia e para seu desespero, o fundão e o meio já estava todo ocupado e alguns poucos lugares na frente pareciam desocupados. Apesar de querer se destacar como um bom aluno, nunca gostou de tanta exposição, até porque, ele ainda iria pegar o ritmo da escola.
Sentar-se na frente o deixaria visível para responder perguntas que ele com certeza não saberia e passaria vergonha.
Ninguém se preocupou em falar com ele, mas sabia que alguns cochichos eram sobre ele, por conseguir ouvir alguns trechos e aquilo continuou deixando-o bem.
Ao seu lado, um rapaz com provavelmente a sua idade, estava concentrado em um livro que Welleson não conseguia ver a capa, mas pela grossura, sabia que nunca o leria.
Uma mulher entrou e ela parecia tão jovem e simpática que isso automaticamente deixou o rapaz mais tranquilo, pois esperava professores severos que certamente não iriam com a sua cara.
-bom dia turma – ela sorriu ainda sem olhar para eles – muito bom estar com vocês esse ano novamente.
Tinha terminado de colocar suas coisas na mesa e colocava um jaleco que escondia ainda mais sua beleza. Óculos foram encaixados em seu rosto e logo ela olhou para frente, sorrindo ainda mais ao ver a sala e passando os olhos por cada pessoa daquele local, até parar em Welleson.
-ah, vejo que temos um aluno novo – sua energia contida, mas gentil, não o permitia ter raiva por ter sido notado – você é o... – ela pegou uma pasta na mesa, olhando mais para ela que para a sala – Welleson, certo?
-isso – só conseguiu soltar essa palavra.
-seja bem vindo, Welleson. Você veio de onde?
Opa!
Enquanto a professora sorria, ele parou com a boca semiaberta tentando raciocinar aquela frase, mas por algum motivo, ele sentia-se incapaz e burro até mesmo para respirar normalmente.
Geralmente é mais esperto que isso e teria lido seu histórico escolar antes de vir a esse desafio. Será se está a mesma escola de seu ensino médio? Deveria mentir? Mas e se descobrissem?
Percebeu que estava demorando mais que o habitual e então, soltou o nome do local em que estudou na sua verdadeira adolescência.
-hum... de nome não conheço. Fica próximo à sua casa?
-sim, um pouco mais distante do centro.
-entendi – ela parecia curiosa, pra não dizer preocupada – pode ser que ache uma mudança um tanto drástica, então recomendo que leia a introdução de conteúdo disponibilizado no portal do aluno. Seria bom usar seu tempo livre para se adiantar em algumas coisas. Não gosto de usar essa palavra, mas o ensino aqui é um tanto severo, então pode ser que você ache tudo no início meio desgastante.
Ele absorveu o que fora dito tentando não surtar, porque agora, tendo a confirmação de que provavelmente seria o mais burro da sala (principalmente depois de ouvir algumas risadinhas ao fundo) se deu conta de que voltar para o ensino médio talvez tenha sido uma estupidez.
Por que não ficou em casa apenas?
Fazia um supletivo ou algo parecido...
Mas o sorriso que ela deu deixou ele menos desesperado, como se ela soubesse que tinha assustado e tentasse refazer suas ações.
A aula, mesmo que introdutória, era quase uma grande revisão não muito aprofundada do que eles supostamente já viram. Sua disciplina era matemática e seu nome era Patricia Rij. Era tão articulada, dominava tão bem o assunto, que mesmo não entendendo nada, ele ficou fascinado pelo assunto ensinado.
O primeiro tempo passou rápido e enquanto a professora parecia se arrumar para ir embora, um sinal alto e vibrante ecoou, parecendo um alarme de emergência, fazendo Wel pular assustado em sua cadeira e todos ao redor rirem.
-mas que porra é essa? – soltou automaticamente, o que fez a professora o mirar aturdida – digo... que susto?
-não recomendo usar esse palavreado aqui, mocinho. Muito menos perto de autoridades.
-mocinho – ele desdenhou baixinho, tentando ignorar as risadas.
Como Patricia se fora, ele supôs que aquele barulho era o da troca de turmas, mas ao menos na sua época, o barulho era diferente. O sino não era desesperador como o que escutara antes. Pensou que sua reação fora totalmente normal.
O resto do dia se passou de forma monótona e colérica. Ele sabia que voltar para o ensino médio não era a melhor das ideias, mas era o que podia fazer.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora