Toc Toc Toc... três batidinhas na porta

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O almoço que foi uma grata surpresa. Tinha duas horas para descansar e comer e o que lhe fora servido, tinha sido ainda melhor que o café e isso o deixou um pouco mais animado, apesar de não saber o que fazer depois disso para passar o tempo.
Decidiu que era bom ir atrás do tempo perdido e procurou a biblioteca, tentando não se perder na imensidão de alunos e corredores.
Achou engraçado a maioria dos professores dizendo que existia um portal do aluno o qual ele poderia consultar as disciplinas e conteúdo, pois isso era tão modernamente digital, totalmente diferente da realidade que viveu.
Certamente as coisas eram mais fáceis para os alunos atualmente.
Quando encontrou a sala, se surpreendeu por estar em um espaço mais preenchido de estantes e livros que o normal para uma escola. Poderia facilmente ser a biblioteca de uma pequena faculdade particular e ele gostou disso.
Apesar de hoje quase ninguém ocupar o espaço, já que a sala de computador e os celulares digitais eram muito mais atraentes.
-posso ajudar, mocinho? – um homem que estava entre seus cinquentas anos perguntou em uma mesa perto da entrada.
-hum... eu vim procurar uns livros para estudar e aproveitando, gostaria de saber como faço para emprestar alguns deles?
O senhor parecia muito desconfiado com o pedido de Wel, quase como se fosse tão incomum alguém o fazer, que ele estava em dúvida se deveria confiar ou chamar a polícia, pois certamente aquilo era um ato de terrorismo.
-o cadastro é feito por esse site – o senhor de cabelos finos e brancos e pele mais enrugada que o normal entregou mais um folheto para ele – faz direitinho lá e espera a aprovação. Geralmente demora um mês ou mais – a decepção no rosto de Welleson não pode ser contida.
-será se esses livros tem de graça na internet?
-supostamente era pra ter – ele ouviu uma voz atrás dele e se virou.
O rapaz que passou o dia lendo aquele livro grosso e que estava ao seu lado na aula, estava parado ao seu lado, com uma pose seria e o rosto um tanto curioso.
Ele era moreno claro, não muito forte e um pouco mais alto que ao atual Welleson. Usava óculos que não pareciam tão grossos e por mais que para a maioria ele pudesse passar despercebido, Wel até que o achou bonitinho...
-mas o estado não se importa o suficiente para comprar as versões digitais e disponibilizar para nós. Se tiver sorte, pode encontrar em pdf, pirata.
Apesar de ter usado isso como alternativa, Welleson já não era tão fã de livros e estudos atualmente e saberia que se não conseguisse os físicos, com certeza não estudaria pelos digitais, já que a distração seria grande.
Aqui, com o celular sendo permitido somente nos horários de intervalo, se concentrou melhor nas aulas.
-bom, não creio que eu seja a pessoa mais sortuda do mundo...
Dissera soltando uma risada desconfortável e percebe que o rapaz a sua frente o olha um tanto desconfiado.
-bom, em todo caso, obrigado. Realmente o ensino aqui é mais pesado e queria tentar estudar um pouco mais...
-vou pedir pra coordenação adiantar o seu pedido se o fizer ainda hoje – o senhor interrompeu – se diz que é mesmo pra estudar...
-é sim, juro – a súplica não pareceu fazer efeito, mas ao menos conseguiu o que parecia ser um norte no caminho perdido.
Indo até uma das mesas vazias, ele se sentou tirando o caderno da bolsa e celular, respondendo algumas rápidas mensagens no grupo da família e ignorando Cybelle com sua animação querendo todos os detalhes.
Queria lhe dar, mas estava com medo do que dizer.
Não sabe se está animado ou não e não quer estragar a felicidade da amiga.
Focou em procurar o tal portal e estudar o que pudesse nesse momento para as próximas aulas. Ele teria ao menos uma semana para reaprender (e por que não, aprender do zero?) dois anos de currículo escolar.
-você não precisa ficar tão nervoso – o rapaz que antes falara com ele, agora sentava a sua frente – os assuntos nem são tão difíceis assim.
Ficou surpreso uns dois segundos, ainda raciocinando a presença do aluno à sua frente, falando como se já se conhecessem ou algo parecido.
-bom... – pausou esperando que ele lhe dissesse seu nome.
-Ah, claro. Meu nome é Hugo.
O sorriso de pessoa tímida que ele lhe dera o deixou ainda mais bonito e Welleson teve de desviar o olhar para o celular, para evitar se distrair por tal beleza.
Não podia esquecer que não deveria achar ninguém dali bonito.
-então Hugo, eu não quis dizer na sala para não provocar nenhuma reação sobre mim, mas eu pausei um ano do ensino médio por causa da pandemia. Eu desisti, entende? Mas meu tio me incentivou a continuar e conseguiu essa vaga para mim. Então por mais que eu devesse conhecer o assunto que Patricia nos ensinou hoje, por exemplo, eu realmente não lembro de nada. Digamos que estou começando do zero.
Hugo assentiu lentamente, encostando suas costas na cadeira sem tirar o olhar de Welleson.
Parecia levemente interessado no rapaz, quase como se fosse um agente do governo tentando desmascarar um suspeito.
-bem, então é uma boa ideia emprestar todos aqueles livros.
-imaginei que seria – sentia-se desconfortável em estar conversando com aquele garoto, pois ainda não estava preparado para interagir e também, acreditava que só começaria a conviver com os demais depois de semanas.
Não seria possível que as pessoas hoje em dia sejam tão evoluídas a ponto de se importarem com os outros assim.
De alguma forma, Welleson não tinha um pingo de esperança na humanidade.
-qualquer coisa, se precisar de ajuda...
Welleson concordou com a cabeça, ainda perdido no que fazer, pois seu celular estava em cima da mesa, o caderno aberto, mas ele estava travado em sua posição inicial, tentando não ficar olhando para o aluno a sua frente ao mesmo tempo que não conseguia fazer mais nada.
Estava em uma batalha interna entre permitir o contato ou bloqueá-lo de vez.
-não deveria estar com seus amigos? Ou está sendo obrigado pelos policiais a ser cordial comigo, apresentar o local e etc...?
Hugo pareceu surpreso com a intensidade da pergunta e Wel – mais uma vez, diga-se de passagem – lembrou de tentar se conter mais, afinal, adolescentes não costumavam ser tão diretos ou expressivos.
Tinham aquela personalidade de todos os homens heteros adultos que não conseguem ouvir um eu te amo ou algo assim, que entram em pânico com a intensidade da situação.
-eu bem... não gosto muito do pessoal lá da sala. Meus colegas foram expulsos aí eu estou meio que sozinho, sabe?
-hum – conseguiu responder tentando soar indiferente, mas era obvio que a solidão o fez recorrer ao aluno novo da sala.
Outro motivo para não se deixar levar pela situação: pode ser que depois de conhecer o Welleson melhor (se isso de alguma forma fosse possível), ele decida que não quer a sua companhia e no fim o deixe.
Melhor não ter que lidar com rejeição aos dezessete anos de novo.
-não, quer dizer... – Hugo pareceu alarmado – eu não tô falando contigo só porque eu não tenho amigos... você entendeu, né?
-serio? Porque pareceu – Welleson riu sem querer, o que deixou o rapaz a frente ainda mais constrangido.
Não que estivesse fazendo de proposito, mas até que gostou da sensação de mexer com esse garoto.
-estou brincando com você, mas sério, não precisa se preocupar.
Ele assentiu com a cabeça, tirando o livro que não soltou desde cedo da mochila e começando a ler, ainda sentado à frente de Wel.
Deixou que ali ficasse e continuou a procurar o portal do aluno entre os vários papeis que lhe fora dado, sem conseguir entender como uma escola (que já era rígida o suficiente) poderia ser ainda mais, com tantas regras e normas.
Ainda estava meio desnorteado por ter que pedir para ir ao banheiro ou beber água, achando a atitude tão arcaica e errada, mas sem poder reclamar.
-você está levando uma surra aí, não? – Hugo perguntou com o livro abaixado e um sorriso pequeno no rosto.
-eu só queria o link desse tal portal, mas pelo visto eu tenho que saber dez cores de chapéu diferentes antes disso - bufou jogando tudo na mesa e recebendo um olhar de advertência do senhor que ficava na entrada – desculpa – sussurrou.
-qual seu número? Eu te passo o link.
Abriu a boca para começar a falar e então parou.
Mas por mais que sua situação fosse atípica, não poderia recusar todas as amizades que poderiam surgir daquela oportunidade, já que tinha 50% de chances dele ficar daquela forma. Crescer com aquelas pessoas novamente.
Mas logo cortou essa ideia.
Não existia nenhuma possibilidade dele decidir ficar com a idade atual, sendo concursado, adulto e experiente. Não mesmo.
-ok, então... – Hugo escondia o celular constrangido.
-desculpa, eu falo -insistiu – é porque eu ainda estou meio perdido, sabe? Tudo muito novo. Na minha época as pessoas não eram tão cordiais, compreende?
-na sua época? – Hugo ajeitou os óculos enquanto mirava Wel.
-digo, na minha antiga escola.
Hugo concordou com a cabeça enquanto mexia no aparelho.
-eu sei. Eu estudei numa escola de bairro antes do ensino médio e era bem louco. Ainda bem que eu consegui vir pra cá. Por mais que gente babaca exista em todo lugar, aqui eles não me enchem tanto o saco.
-praticam bullying aqui?
-em algum lugar não?
-eu imaginava que hoje em dia isso já nem existisse mais.
-fala como se tivesse sem estudar há anos.
-bom, dez anos é bastante tempo se... – começou e logo parou, pois só nesse intervalo de tempo ele já deu dois deslizes e estava começando a pensar em se autopunir como o cara do Código da Vinci, pra ver se deixava de ser tão descuidado – não consigo imaginar um local tão rígido deixando coisas como essa passarem.
-como se eles ligassem – Hugo desdenhou e voltou a ler, mas Welleson percebeu que ele não estava prestando atenção – foi você que zoou com a Rosa, não foi?
Welleson parou o cadastro que fazia no site da escola e olhou para o rapaz a sua frente que forçava indiferença, mas não conseguia transparecer isso.
-como é que é?
-postaram lá no grupo da sala porque postaram nos outros grupos e sabe como funciona essas fofocas. Foi o maior comentário no refeitório.
-mas eu não... espera aí, eu não fiz isso.
-bem, falaram que sim.
-mas que caralho...
-foi legal, serio – Hugo finalmente decidiu largar o livro – Rosa é um saco. Ela trata todo mundo mal de graça, mas claro que não os favoritos dela.
-e ela tem, é?
Hugo soltou outra risada desdenhosa e Welleson percebeu que aquela era uma mania bastante comum do novo amigo.
-claro. Um bando de cuzões que ela fica fingindo que não incomodam as pessoas.
-você sofre bullying?
Hugo voltou sua atenção para o livro como se quisesse encerrar o assunto e isso deixou Welleson com raiva. Como pode um local como aquele permitir tal coisa? E ainda assim, como Hugo, com braços medianos e porte intimidador sofria disso?
Sentiu-se decepcionado e um pouco frustrado por perceber que as coisas não necessariamente mudaram.
Uma notificação de que ele foi adicionado ao grupo da turma surgiu em seu celular e algumas poucas mensagens de bem-vindo foram ditas.
Ele não se preocupou muito em responder, mas decidiu fazê-lo para não instigar a fúria de seus novos colegas de sala. Se fosse no trabalho, ele já teria saído.
O tempo passou e os dois permaneceram em silêncio, até que Hugo disse um até mais fraco e saiu, quinze minutos antes do horário, o que fez Wel se arrumar para ir até sua próxima aula, já se perguntando por que o novo amigo (supostamente) não se ofereceu para ir com ele.

Tudo Que For Possível Fazer (Trilogia dos Desejos #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora