Capítulo Vinte

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sacrifício

substantivo masculino

1. oferenda ritual a uma divindade que se caracteriza pela imolação real ou simbólica de uma vítima ou pela entrega da coisa ofertada.

2. pessoa ou coisa sacrificada.

3. renúncia voluntária ou privação voluntária por razões religiosas, morais ou práticas.

4. privação financeira em proveito de alguém.

Senti o capuz que cobria meu rosto escorrer por detrás dos meus ombros enquanto dava passadas para mais próxima da figura turva

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Senti o capuz que cobria meu rosto escorrer por detrás dos meus ombros enquanto dava passadas para mais próxima da figura turva.

- Você não vai tocar nela - Segurei firmemente o queixo de Estige, olhando fixamente para a figura horripilante.

Estávamos no mundo inferior, em uma das várias margens onde desagua o famoso rio do submundo.

O Rio da invulnerabilidade, dos juramentos.

O Rio em que se banhou Aquiles, Perseu.

Antigamente confesso que as coisas eram mais fáceis.

"Majestade, você sabe o que você fez." Vi ela sibilar na minha direção, arrancando seu queixo de minha mão que havia começado a evaporar um pouco de sua pele devido á raiva que transbordava meu corpo.

"Estou cumprindo o meu papel, o papel que você outrora já me agradeceu por o fazer" fixei meus olhos na criatura que agora estava no meio de suas águas.

De fato, talvez eu tivesse me aproveitado de alguns juramentos quebrados de Zeus ou meus irmãos para descontar minha ira em alguns bastardos...

Mas agora era diferente.

- Eu nunca quebrei nenhum juramento! - Encarei-a - A única vez que me permiti fazer algo...- Senti minhas palavras falharem.

Eu havia quebrado um juramento.

- O que é, faça algo comigo então. Quer me atirar no tártaro junto aos titãs?

Eu sentia desespero dentro de mim, mas não por mim.

Por elas.

Agora eu não tinha somente Íris para me preocupar.

Eu sabia que ela provavelmente sabia sobre ela.

"Você sabe que nem se eu desejasse, o que eu não desejo, eu poderia punir você te jogando no tártaro assim. Você é a coroa, nunca cai." Ouvi as últimas palavras reverberarem no meu ouvido

'Você é a coroa, nunca cai'

Por algum motivo, eu senti um aperto gigantesco no peito quando ouvi isso ser dito.

- Vai me entregar para meu marido? - Suspirei, já cansada desse jogo.

Eu já estava pronta para mais uma das punições que Zeus tinha reservada somente para mim.

"Não, a punição quem aplica sou eu, Rainha. E acredito que você saiba o que está para acontecer." Apertei minhas mãos

"Você ouviu a profecia." Tive a impressão de sentir um ligeiro tremor "Vamos precisar dos melhores semideuses e-"

- Não. - entoeei, já sabendo onde ela gostaria de chegar - Ninguém, me ouça bem, ninguém vai encostar nela. - De alguma forma, alcancei Estige mais uma vez, pressionando agora seu pescoço enquanto sentia cada vez mais meu interior colapsar.

Não, ninguém envolveria ela nisso. Ela é uma criança.

A minha criança.

- Podem me usar, me torturar, fazerem o que quiser comigo. Me ouve bem? - Falei, ouvindo um ligeiro gemido de dor e raiva por parte da criatura em minha mão - Mas se encostarem nela, eu acabo com qualquer um que for. E você não quer desafiar minha fúria. - Jogo ela em direção ao solo rochoso, sentindo uma forte dor de cabeça me abater.

Inferno de dupla personalidade.

"V..você" Vi que ela tentava falar algo, com sua voz falhando

- Quer que eu corte suas cordas vocais e faça um instrumento novo para meu enteado? - Olhei com fúria na direção dela.

Acho que nenhuma ideia de presente para Apolo agora me agradava tanto.

"As memórias de Íris, ou a garota." Estava a um passo de enlouquecer, sentia meu corpo implorando para tomar todo seu resplendor divino

Como eu poderia escolher um absurdo desses?

"Você apaga todas as memórias de momentos afetuosos com a Íris, e deixa ela ser livre, Hera." Ouvi a voz agora um pouco mais encorpada da Ninfa do rio.

Livre? De mim?

Depois de tantos anos juntas, depois de tudo?

- E se eu me recusar?

"Ela morre."

Senti um arrepio correr todo o meu corpo, e meu pulso falhar.

Morta? Não.

Eu já deveria saber que esse seria o final. Jamais poderia ser de outra forma.

Senti meus olhos marejarem, pela culpa.

Culpa de ter permitido a aproximação de Íris, culpa por ser eu. Ela não merece isso.

"Mas se ela não se recordar de nada que vocês passaram, ela não sofrerá, Hera." Consegui ouvir a voz de Juno ressoar em minha mente, que parecia latejar.

Eu não poderia colocar minha vontade acima do bem estar dela.

Delas.

"Quem ama também deixa ir" Ouvi a voz de Eubeia ressoar no fundo de minha mente.

- Eu aceito. - Vi Estige arregalar os olhos - Desde que você também esqueça. - Me forcei a não transparecer toda a dor que aquilo me causava

Apagar talvez meu mais verdadeiro amor dos relatos.

Da face da terra.

Ninguém se lembraria, somente eu.

Que carregaria essa dor de um amor escondido por toda a eternidade.

Vi ela repensar um pouco e suspirei, já um pouco estressada com a demora.

"Tudo bem, contanto que você não se esqueça." Senti minha boca amargar um pouco mais.

Eu sabia que era essa a punição.

Encarar o amor da minha vida longe, livre.

Enquanto eu continuava presa, em uma jaula de ouro com uma coroa de diamantes para me enfeitar.

Esse era o preço da coroa, afinal.

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