39- Aberração.

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"Eu queria ser uma mulher carinhosa e amorosa, para minha mãe, para minha irmã, porém eu queria matar as duas, há raiva em meu coração – nem se quer me lembro quando começou, nem se quer tenho lembranças o suficiente para me lembrar a raiva que eu tenho da minha mãe; é péssimo conviver se questionando se algumas lembranças são reais ou se está ficando louca, talvez eu esteja ficando."

...

Lucia guardou seu caderno em sua jaqueta, seu quarto ainda tinha poeira e alguns posters de banda antigos, ela adorava colocar em suas paredes quando tinha 15-17 anos de idade, estava sentindo dor de cabeças desde que chegou em casa.

Que besteira! Você passou a vida inteira aqui, para de drama! pensou coçando sua pele fria e suada com força olhando para o ambiente vazio, sentindo raiva de si mesma por esta dessa forma. Olhou para o colchão que estava no chão, estava velho e o quarto cheirava mal, era como uma parte da casa que não deveria pertencer mais aquele lugar, como se sua mãe tivesse deixado ela no passado.

Mamãe, você é uma mulher muito boa, por quê isso parece falso? pensou novamente olhando o colchão, sentia que seu corpo iria quebrar de tanta dor em seus músculos. Escutava passos pelo corredor, não deu atenção, estava perdida na sua mente.

— A mãe não me disse o que aconteceu com você — uma voz doce falou, Lucia estava de costas.

— O quê? — olhou para trás devagar, não conseguiu prestar atenção na pergunta.

— Você estava no hospital, ela só me disse "tuya hermana está enferma nena, ¿ya?" — ela cruzou seu braço incrédula — eu fiquei preocupada, não te vejo a meses. — Confessou com a voz cabisbaixa se aproximando da adulta, apoiando sua cabeça nos seus braços.

— Lo siento, debería haber venido a visitarte, yo también te extrañé — apertou Luz contra seu corpo, colocando suas mãos na parte superior das costas da garota — te extrañé mucho.

Nada estava fazendo sentido, sentia que não estava em sua carne, sentia que não respirava, sentia que sua alma deixou seu corpo. É tudo do jeito que ela quer, é tudo do jeito que a minha cabeça manda.

— Quase me esqueci, mamá pediu para você descer, ela está fazendo janta. — Luz pegou a mão da sua irmã, a adulta vagava seu olhar pelas paredes, tudo fora do seu quarto estava limpo e puro, parece que tudo quer sussurrar em seu ouvido como ela é uma aberração.

eu odeio esse lugar.

Olhou para Luz, seus cabelos castanhos bem cuidados, seu corpo jovial e magro a guiando pelo corredor devagar, como se Lucia fosse uma criança novamente, quando a vida a apunhalou dessa forma? Voltou a ser o que mais detestou a sua vida inteira, uma criança que precisa de cuidados, a viver naquela casa.

Ela regressou, conseguia ouvir como ela era patética, que tudo isso foi causado por ela, que ela sempre quis voltar a viver isso, que ela nunca se via como uma adulta saudável, que tem emprego, que consegue sair com outras pessoas, que consegue se divertir, algo sussurra em seu ouvido que ela ainda é uma criança, como se fosse 2003 novamente.

Chegando a cozinha, ela forçou um sorriso para sua mãe, sentindo o cheiro da sopa de tomate que sua mãe estava preparando, o aroma entupiu sua mente e nariz. Quase sucumbiu às poucas memórias boas de quando sua mãe cozinhava, não era todos os dias pelo seu emprego, vivia sozinha, apenas com Hunter – quando seu pai não estava em casa, Lucia sempre chamava o loiro e os três comiam, eram noites divertidas.

— Hunter foi buscar suas coisas no apartamento — Camila iniciou o assunto.

— Ele pegou a chave do meu apartamento? — ela se perguntou quando, mas se lembrou que passou alguns dias no hospital — espere que o bastardo não quebre nada. — Soltou de forma irônica e Luz a olhou enquanto se servia.

— A forma de carinho de vocês dois me assusta — soltou um leve sorriso — seu antigo quarto estava uma bagunça, não tive tempo de limpar antes — Camila disse enquanto Lucia se sentava na mesa, entregou o prato de porcelana enfeitado com o líquido denso e vermelho opaco.

— Gracias mamá.

— Você quer dormir comigo no quarto hoje? — Luz perguntou com olhos cheios de brilho para a irmã.

— Acha que vai ter espaço? — ela franziu a boca, olhou para a janela notando o vento, estava frio e escuro.

— Podemos dar um jeito se não tiver. — Luz se espreguiçou, Lucia soltou uma breve risada, achando fofo.

— E como foi Luz? Você não me disse o que fizeram no evento. — Camila se sentou, não estava comendo.

— Foi muito legal, aquela garota que eu te disse passou mal, aí tivemos que dar um pouco de atenção — ela sorriu com um pouco de sopa no canto da boca — tinha um tanto de gente legal lá, brincamos com alguns jogos eletrônicos e pagaram pra mim.

— Quem pagou? Não foi nenhum estranho né? — Lucia disse, ainda não tinha encostado a comida na boca, está sem apetite.

— Não, tinha uma lá que tem uma condição financeira muito boa, ela é um pouco grossa mas não me tratou mal — respondeu — ela era alta e tinha cabelo rosa, o nome dela e Boscha.

Que familiar, já ouvi um nome assim? pensou.

...

Luz é uma menina doce, amável, ela gosta de alegrar outras pessoas em sua volta, sua irmã sabe disso, a viu crescer apesar de nos últimos anos não ter sido tão próxima fisicamente. A adulta consegue notar que a garota sempre a busca para conseguir lidar com pequenos problemas emocionais.

A castanha observou-a dormir, parecia estar tão calma e tranquila, lembrava um cachorro dócil, a cama era pequena, estava com muitas dificuldades para dormir. É diferente de ver Amity dormir, parece que está perturbada e que iria acordar a qualquer momento.

É incrível como meninas dessa idade podem ser tão parecidas e tão distintas, por que eu fiz tudo aquilo com a criança? pensou Lucia se aproximando do rosto da sua irmã, conseguia escutar sua respiração.

Se lembrou que algumas horas atrás na mesa Luz compartilhou um nome, ela finalmente conseguiu se lembrar quem era, se sentiu estimulada em querer saber de quem era aquele nome, era detestável ser a garota que Amity beijou – se havia passado tanto tempo que ela não se importava mais, para ela o momento no banheiro nem foi importante ou chocante, mas ela tem concepção de como foi terrível para sua princesa.

Ela sentia saudades, se não usava Amity, ela usava a droga – agora não tem nenhum dos dois, a noite a consumia.

"Alguém por favor tire a minha vida, eu não mereço estar aqui, sou desprezível, sou imunda, eu sou o demônio."

"Eu não me sinto bem aqui, eu ficar sozinho é bem melhor, mas eu não gosto de me sentir sozinha, as paranoias me fazem pensar, será que elas são realmente minha família? Às vezes as drogas são como uma família. Eu tento me drogar para escapar da realidade, mas elas sempre voltam, fugir da realidade é a melhor maneira de se sentir viva."

Teacher's PetOnde histórias criam vida. Descubra agora