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A hora do jogo manteve-se às oito da noite. Mentalizei-me para o que iria enfrentar: temperaturas negativas, o frio cortante russo, um sofrimento ininterrupto durante duas horas, na melhor das hipóteses. Considerei levar uma manta para tapar os joelhos, mas depois receei fazer a sugestão porque podiam achar-me mimada e frágil. O futebol era um desporto rude, de homens para outros homens. Tantas vezes que se disputaram partidas de futebol debaixo de chuva e vento, sobre terrenos lamacentos, em condições deploráveis, tanto para os jogadores como para o público. E agora eu aparecia com esquisitices? Se não pudesse aguentar tinha de desistir, a solução era simples. Então calei-me.

Claudia foi comigo. Esteve apenas durante os primeiros vinte minutos do jogo, depois disse que não tinha paciência para aquilo – talvez a pudesse convencer em relação à manta, mas já tinha perdido a oportunidade – e levantou-se. Convidou-me a vir com ela para o aeroporto, pelo menos no terminal onde iria esperar pelo embarque no voo de regresso a Nápoles havia aquecimento. Com o queixo a tremer e os dentes a bater sorri-lhe, fingi-me de forte, e respondi-lhe estoicamente que iria ficar até ao fim do jogo. Ela ainda perguntou se tinha a certeza.

– Tenho – respondi, a gritar por dentro que era uma idiota por persistir naquela tortura lenta. – O casaco e o gorro mantêm-me quente. São fantásticos! E as luvas que comprei esta tarde completam a farda. Estou completamente impermeável ao frio. A sério, estou bem. E quero muito ver quando Diego entrar no jogo. Sou eu e os russos. Aguardamos esse momento para fazermos a festa. Esta gente toda só está no estádio, a suportar o frio, para verem o Diego jogar. Eu também, Claudia. Eu também. Gosto muito do Napoli, mas Diego... bem, Diego é a razão principal para eu apoiar o Napoli.

Falar ajudava-me a disfarçar o queixo trémulo e estimulava-me o sangue. Estar parada e calada piorava a sensação de congelamento. Ela abanou a cabeça, desconsolada.

– Prefiro ver o Diego jogar com bom tempo. E nem sei se ele vai jogar, Tina. Ele disse-me que muito provavelmente não vai jogar.

– Pelo menos, na segunda parte... – sugeri, recordando-me do que dissera Signorini, e misturei no meu tom ansiedade e desilusão.

– Pode nem acontecer. O Diego detesta o frio!

– Mas adora jogar futebol – contrapus, irritada.

Olhou-me pasmada pelo meu descaramento de lhe estar a responder com aquele azedume. Percebi o deslize e baixei a cabeça. Escutei-a a suspirar alto.

– Está bem, tu é que sabes. Nem devíamos estar aqui, eu e ele, mas são os compromissos... maldito clube – resmungou. Acenou-me. – Até logo, Tina. Vemo-nos no avião.

A minha teimosia também se devia ao meu receio de abandonar o estádio e de o resultado, por causa disso, ser adverso. E se o Napoli não passasse a eliminatória porque eu tinha resolvido colocar o meu conforto acima do jogo? Jamais me perdoaria!

Incomodou-me, com aquela impressão de asco que me revoltava os intestinos e me aterrorizava, a raiva de Claudia contra o Napoli. Ela não devia estar ali, então por que motivo viera? Ela que tivesse ficado em casa... Mordi a língua para moderar a minha impaciência. Estava a ser injusta, insolente, ruim. Eu é que não devia estar ali, a faltar às aulas, fugida de casa, a enganar pais, professores e colegas. Eu é que era uma criminosa censurável. Os outros só estavam a viver as suas vidas. Eu impunha-me, eu intrometia-me, eu exigia, sem ter razão ou pertinência.

Apertei o casaco com as mãos enluvadas junto ao pescoço. Tinha os lábios gretados cheios de cieiro – devia ter ficado com a latinha do bálsamo comigo para renovar a aplicação da pomada –, a ponta do nariz vermelha e dolorida, a pele das maçãs do rosto a escamar, mas mantinha-me estoicamente no meu lugar, lamentando não ter comigo a boneca mexicana para que os sortilégios fossem certeiros. Pobre boneca, pensei! Ela viera do calor. Ali também estaria a sofrer e muito provavelmente não iria conseguir fazer a sua magia.

O Palco que Fica AbandonadoOnde histórias criam vida. Descubra agora