dois

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Quando criança, meu sonho era namorar um jogador de futebol. Imaginava a magia envolta ao nosso redor enquanto ele fazia o gol da vitória e ia até a arquibancada me dar um beijo apaixonado enquanto a torcida gritava e aplaudia o nosso amor. Hoje, aos quase 23 anos, isso se torna meu maior pesadelo. Conheci Caetano ainda no colégio, não éramos próximos mas fazíamos parte do mesmo ciclo de amigos, o que fazia com que tivéssemos ao menos um contato básico. Assim, no dia da nossa formatura, após alguns drinks e horas de diversão, acabamos juntos na cama dele.

Hoje, dois meses após ele terminar comigo de maneira fria com uma simples mensagem dizendo “não consigo mais, Maria Luiza, acabou”, vejo que a melhor opção para minha eu do passado era ter sido menos movida pelo álcool. Quase quatro anos da minha vida foram perdidos, desperdiçados e arrancados de mim em um gesto covarde de um homem a quem confiei meu amor e lealdade e a quem devo agradecer pelos 200 reais mensais gastos em muita terapia. Mas, sempre dizem que quem é bem sucedido na vida profissional é um fudido na vida amorosa, né? Bom, pelo menos minha carreira nunca acordaria num dia ensolarado decidida de que não me ama mais.

Levantei da cama com muita dificuldade, era difícil ter que olhar na cara da pessoa que partiu meu coração em milhões de pedaços todos os dias mas, infelizmente, era necessário. Me troquei, colocando meu inseparável uniforme composto por calça preta e camisa do mesmo tom, todas compleentadas pelo tom dourado do símbolo do timão estampado na lateral esquerda do tecido. Sai de casa apressada, torcendo para que o trânsito estivesse ao meu favor hoje para que pudesse chegar no horário mas, como o mundo conspira contra mim, isso não aconteceu.

Adentrei o CT de fininho, rezando quantos pai nosso fossem precisos para que ninguém notasse meu atraso. Hoje era dia de clássico, portanto, um dia tenso para todos no time. Treino intenso, cuidados intensos e até o café da manhã tinha gostinho de tensão, portanto, assim que cheguei em meu consultório, pontualmente as 7h15, ninguém notou. Era estranho não ouvir quaisquer barulhos que fossem neste lugar, não é comum que não haja pelo menos uma musiquinha vindo dos vestiários, ou, pelo horário, da cozinha. Os meninos devem estar mesmo concentrados para o jogo de hoje.

Ao finalizar a organização do meu consultório, saio em silêncio do mesmo, dando um pulo assustado ao ouvir uma voz no meu ouvido enquanto fechava a porta.

– Chegou atrasada, Maria Luiza?

– Meu deus, Kayke! Para de chegar de fininho nos lugares.

Os dois meninos riem da minha reação, achando divertido quase terem me levado dessa pra melhor.

– O que é que vocês estão fazendo aqui? A base não ta treinando hoje - Pergunto confusa.

– Ta sabendo não, Doutora? Fomos promovidos pro profissional, esquece que os moleque tão enjoados - Higor responde, fazendo uma dancinha ridícula em seguida.

Franzo o cenho.

– O Mano chamou vocês pra estrearem logo no clássico?

– Oxi, não entendi daora legal essa surpresa toda não, ta desmerecendo nosso trampo?

Kayke cruza os braços, cutucando Higor para que faça o mesmo, ambos com expressões fechadas.

– Eu não disse isso, sei que vocês são ótimos, é que é um jogo muito importante pra estrear, né? Estão nervosos?

– Ele nem disse se a gente ia entrar mesmo, mas só de estar no banco já é zika demais, ta maluco, até arrepiei aqui - Higor quebra a postura, falando animado.

– É, mano, só de poder estar treinando com esses caras já uma puta honra, imagina só se ele coloca nois pra jogar? Acho que eu desmaio.

– Aí ele não vai te colocar né - Zombo.

– Verdade, vai ser o maior vexame da sua carreira - Higor concorda.

– Tá bom, vou guardar o desmaio pra depois do jogo.

– Muito bom falar com vocês, meninos, mas eu preciso comer - Falo, andando ao longo do corredor com ambos ao meu alcance.

– Pô, que coincidência, a gente tava indo comer também!

– Tava? - Higor franze o cenho, confuso - Achei que a gente ia direto pro campo.

– Tava, Higor, te falei que eu tava com fome - Kayke dá uma cotovelada no amigo que murmura um “ai, doeu” e me controlo para segurar a risada.

Adentro a cozinha com a dupla logo atrás, cumprimento os jogadores presentes no ambiente e me sirvo com uma xícara de café, juntamente de ovos mexidos e uma porção generosa de salada de frutas. Me sento à mesa em um dos poucos lugares vazios, com Kayke e Higor se acomodando ao meu lado, lógico, parece até que são meus seguranças. Os garotos se serviram apenas de café e ovos mexidos, evitando quaisquer elementos doce.

Como devagar, saboreando os ovos magníficos que as cozinheiras preparavam, quase nunca me sento para comer por aqui, geralmente opto por comer no caminho para minha sala ou na própria. Neste momento, mal me lembro o porque deste costume, as cadeiras daqui são muito mais aconchegantes e o ambiente aberto me dá uma longa visão da paisagem lá fora. Mas, a partir do segundo em que aquela voz atinge meus ouvidos, inundando todos meus sentidos com memórias dolorosas, me lembro do porquê de não me permitir aproveitar meu café da manhã ao lado da minha equipe.

Caetano puxa uma cadeira bem a minha frente, rindo enquanto conversa com Carlos Miguel e Yuri. Engulo em seco, ficando em completo silêncio e mantendo minha cabeça baixa, buscando a todo custo não ser notada, o que não dura muito.

– E ai minha parceira Maluzinha, nem tinha te visto, ta bem? - Yuri cumprimenta, passando atrás de mim e me deixando um beijo na cabeça, sorrio para o mesmo, respondendo com um “tudo bem”. Este, sem dúvidas, é meu garoto preferido no mundo, nunca vi um coração tão bom em toda minha vida.

A movimentação de Yuri foi o suficiente para que minha presença fosse percebida.

– Bom dia, Malu - Caetano cumprimenta, visivelmente incomodado.

– Bom dia - Me levanto da mesa, retirando meu prato incompleto e meu café quase que intocado.

– Tá indo para onde, doida? Achei que você tava com fome - Kayke questiona.

– É, acabei de lembrar que marquei de encontrar com o Mano para resolver umas pendências às 7h30 - Olho para meu relógio de pulso - E já são 7h25, então preciso ir, fica pra depois.

Ando devagar para fora do local, me controlando ao máximo para não fugir como uma criança que tomou bronca dos pais, fico tão distraída que quase derrubo Léo assim que viro o corredor sem olhar para a frente, ele segura meus braços para que não vá de encontro com o chão e fico grata por isso.

– Que isso, Maluzinha, perdeu o rumo? Quase me leva contigo - Zomba.

– Desculpa, Léo, estava com pressa, não te vi chegando, me perdoa.

– Ta de boa, se machucou? - Questiona.

– Não, não, tá tranquilo, não doeu não, obrigada por me segurar - Sorrio.

Me desvenciliei de seu agarre, deixando o garoto visivelmente atordoado com a situação e continuei meu caminho até a sala, encontrando com Mano que já me aguardava na porta da mesma para nosso alinhamento pré jogo. Cumprimentei-o e, juntos, entramos na sala.










PILANTRA - Kayke FerrariOnde histórias criam vida. Descubra agora