Cerejeiras

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Cerejeiras: A flor de cerejeira significa beleza, feminilidade, amor, felicidade, renovação e esperança. Depois de florescer, a flor de cerejeira dura no máximo 3 dias e, por isso, também simboliza a importância de desfrutar cada momento da vida.

25 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans

Na quinta-feira Ava estava mais uma vez na arena, os atletas voltavam da folga, se preparando para o próximo jogo. Bekker aproveitava para atualizar suas anotações, estudar os perfis do time e tentar entender melhor os pontos fortes e fracos do elenco. Estava em um canto da arena, em um pavimento superior de onde se podia acessar escritórios, salas de treino, de atendimento e de reuniões. A porta estava aberta enquanto a terapeuta se debruçava sobre vários papéis, anotando, desenhando esquemas e tentando pensar em estratégias de trabalho.
O hiperfoco no trabalho era bom por várias razões, primeiro para que conseguisse se sentir mais segura em sua atuação, principalmente com o pequeno detalhe sobre não saber muito sobre o esporte. Depois, era bom se sentir ocupada e útil, como se as coisas enfim estivessem voltando ao eixo, sendo a pessoa produtiva e organizada que adorava ser, e por último, mantinha os pensamentos adestrados para que não corressem em direção a Bradley Mäkelä a cada segundo.
Desde a noite de terça tudo parecia confuso a inglesa, e também não havia tido chance de encontrar o capitão outra vez para que pudesse solucionar a grande incógnita que pairava sobre sua cabeça. Não pensar sobre era bom, principalmente porque se pensasse demais, surtaria. Não podia contar com Louis e Maisie, os dois estavam em uma semana complicada na clínica, não podiam dar a Ava a escuta e acolhimento necessários. Também não podia contar com os novos amigos, não conseguia imaginar como contaria para qualquer um dos quatro sobre ter ficado com o capitão do time.
Droga, Ava, está fazendo de novo, está pensando no Brad de novo, ela massageou as têmporas, pensando consigo mesma. A terapeuta sacudiu a cabeça e respirou fundo, afugentando todas as lembranças do central, concentrando-se nos papéis. Santtu Kinnunen, ela leu o nome do atleta ao tentar retomar sua concentração, folheou a ficha, exames antigos e relatórios de exames e lesões antigas, avaliações e dados do defensor e mais novo amigo.

- Ainda aqui, Bekker? – Petri enfiou a cabeça para dentro da sala, assustando a terapeuta, fazendo-a se desequilibrar da cadeira. – Desculpe, não queria te assustar. – Ele riu abafado.
- N-não, é que eu estava concentrada...não vi você chegando. – Explicou com um sorriso envergonhado.
- Por que ainda está aqui? – O treinador tornou a perguntar, cruzando os braços em frente ao peito, parado a porta.
- Estou estudando, atualizando minhas anotações, estudando alguns casos...
- Até agora? Você não é paga para isso. – Petri balançou a cabeça negativamente, com um sorriso leve no rosto.
- Como assim? Que horas são? – A inglesa tateou os bolsos e revirou os papéis em busca de seu celular.
- Oito e meia. – Petri se adiantou. – Pelos meus cálculos, você devia ter ido embora há pelo menos umas três horas. Ou mais.
- Caramba. Não vi o tempo passar. – Ava se admirou.
- Olha, eu sei que as vezes sou rígido demais, quase intransigente...também gosto de ter controle sobre tudo e posso ser uma pessoa difícil de lidar. – Petri começou a falar, gerando em Ava uma careta confusa. – Peço desculpas pelos exageros, confesso. Mas não é necessário que faça isso.
- N-não...- Ela gaguejou outra vez, atônita. – Não. É que eu realmente perdi a hora aqui. Mas obrigada. Obrigada pelo que disse...- Bekker agradeceu sem jeito. - Eu acho. – Sussurrou ela, guardando suas coisas e organizando os papéis.
- Então agora que já sabe, largue isso tudo aí e vá para a casa. Estou fazendo o mesmo. – Petri anunciou sorrindo e Ava se perguntou sobre o que poderia ter acontecido para que o treinador estivesse de tão bom humor. – Quer uma carona?
- Não, valeu...- Ava negou distraída e por uma ação cruel do destino, se lembrou da última carona, com Bradley Mäkelä e de todo o resto. – Ah...Petri. – Chamou e o finlandês a encarou atento. – Será que eu posso te fazer uma pergunta?
- Já está fazendo, mas okay. – Ele brincou e Bekker franziu o cenho, estranhando outra vez a reação dele. – O que quer saber?
- Na verdade, eu gostaria de uma opinião sua. – Disse, respirando fundo, tomando coragem e escolhendo bem as palavras. Não podia falar sobre sua relação pessoa com o central, mas podia tentar entender mais sobre porque havia tanta resistência e paredes em volta de Bradley e sua carreira, e talvez o treinador pudesse ajudar. – Sobre Bradley Mäkelä.
- Algum problema com ele? – Petri se aproximou mais, adotando tom de voz mais cauteloso.
- Não, na verdade não. – Ava mentiu desviando o olhar rapidamente. – É q-que eu...eu...ele é uma incógnita para mim...eu queria saber sua opinião enquanto treinador.

Petri riu abafado e se aproximou mais de Ava, apoiando-se a mesa onde ela estava sentada.

- Ele não é dos mais fáceis no início, não é? – Sorriu. – Atletas como Brad Mäkelä nascem um a cada cem anos. Não estou falando apenas do talento, do dom natural que ele tem sem esforço, se for contar isso, os números crescem. – Petri disse suave. – A grande maioria dos atletas teriam que treinar metade da vida para conseguir fazer o que Brad faz em uma segunda de manhã, despretensiosamente. Mas eu não acho que esse seja o ponto mais forte dele, por mais engraçado que possa parecer. Brad tem um tipo de liderança natural, os outros o seguem, confiam nele, sabem que a leitura dele de qualquer jogo é perfeita, infalível.
- Desculpe, mas... – Ava o interrompeu. – Eu me lembro daquele dia, quando pediu minha opinião. Você discordou dele. Discordou dele sobre a postura do time, sobre a visão de jogo.
- É. – Petri sorriu com a lembrança. – Essa é a diferença entre jogadores como ele e técnicos. Mas o fato de discordar, propondo outro arranjo no jogo, não significa que ele estava errado.
- Claro. – Assentiu a terapeuta, pensativa.
- Acho que ele sabe disso também, e é por isso que digo que homens como ele são tão raros. – Continuou o finlandês. – Bradley devia estar em uma liga maior, se fosse como outros com o talento dele, estaria em um lugar diferente. Se colocaria de forma diferente. Mas Brad é o melhor homem do time no trabalho em equipe, é o mais humilde, o mais simples. Ele pode ter um recorde histórico para ser quebrado, basta acertar o disco no fundo da rede, mas se outro jogador tiver mais chances que ele, Brad dá o passe sem pensar duas vezes. Nunca o vi colocando qualquer resultado, conquista ou validação pessoal antes dos resultados do grupo.
- Isso é legal. – Ava sorriu, sentia-se estranhamente orgulhosa. – Mas não entendo algumas coisas que disse. Se é assim, porque cobrá-lo por ter ido embora no jogo de sábado? – Ava cutucou, diante a fala do treinador, não conseguia parar de pensar no gigante desconforto que aquela cobrança havia causado em Bradley.

Petri não disse nada, apenas sorriu fechado e encarou a terapeuta por alguns instantes, em silêncio. Então, quando Ava pensou que ele apenas tinha ignorado a questão, Petri a chamou:

- Vem. Vem comigo. Quero que veja uma coisa.

A inglesa uniu as sobrancelhas desconfiada, mas resolveu por segui-lo. Fora da sala, o técnico a guiou por um corredor longo e amplo que os levaria ao rinque onde os atletas treinavam.

- A parte boa de se trabalhar com atletas críticos consigo mesmos, é que eles geralmente se autorregulam sem que seja preciso intervenções maiores e cansativas. – Petri voltou a falar enquanto caminhavam. – Você raramente precisa mostrar a ele onde deve melhorar, ele já sabe e provavelmente percebeu antes de você. A parte ruim é que qualquer crítica que faça a eles tem um peso muito maior do que em outros.

Quando se aproximaram do rinque Ava percebeu que não estavam a sós, alguém treinava no gelo, sozinho. Os dois observavam de longe, enquanto o atleta fazia exercícios de agilidade, percorrendo todo perímetro do rinque, como se quisesse quebrar algum tipo de recorde de tempo.

- Olhe só para ele. – Petri apontou com o queixo, colocando as mãos nos bolsos da calça. – Na maior parte do tempo não há nada que eu diria, nada que ele já não tenha como meta para melhorar. Mas se eu apenas me isentar, se eu não validar, que está no caminho certo, ou mostrar a ele onde ainda é possível melhorar, o que acha que aconteceria?

Ava assistia a cena hipnotizada com o esforço feito por Bradley no gelo, com as palavras de Petri dançando em sua cabeça, como um tipo de dança circular maluca e cheia de passos confusos e aleatórios. Imaginava as toneladas que Bradley devia colocar sobre si constantemente, almejando ser perfeito ou alcançar o mais próximo disso que fosse humanamente possível. Talvez sua ansiedade pela aprovação do treinador fosse responsável pelas mudanças em seu comportamento quando diante dele, talvez fosse apenas medo de ser tão duramente criticado por Petri, quanto era por si mesmo. O capitão, mesmo afastado de suas atividades, lesionado, treinava solitário e intensamente, após todos já terem ido embora, no silêncio seco do gelo. Onde apenas se podia ouvir o ruído das lâminas dos patins contra o gelo e alguns murmúrios dele, vez ou outra, quando julgava não ter ido bem o suficiente.

- Não sei se isso responde a sua pergunta, mas acho que serve para início de conversa.
- Definitivamente, sim. – Ava assentiu sem desviar os olhos do central.
- Bom, você ainda vai conhece-lo melhor, e aí vai ver tudo isso que disse ao vivo e a cores, mas enquanto isso, esse é o seu capitão. – Petri sorriu outra vez, tocando o ombro de Ava com gentileza. – Ele costuma enlouquecer a todos, mas passa depois que você compreende como ele funciona. – Piscou. – Agora, ao contrário e não imitando o Mäkelä, você devia ir embora, assim como eu.
- Eu vou. Eu vou. – Assentiu distraída. – Logo. Não vou demorar. – Garantiu.
- Ótimo. Então, boa noite, Bekker. – Ele se despediu e Ava apenas sorriu, ainda digerindo tudo aquilo.

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