Petúnias

2 0 0
                                    


Petúnias: Ao presentear um amigo com petúnias estamos expressando um desejo de esclarecer mal entendidos. Funciona como um pedido sincero de desculpas.

03 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans

– Acorda, Bekker! – Aleks falou alto ao entrar na sala.

Ava ergueu a cabeça assustada. Estava com uma terrível crise de enxaquecas naquele dia, teria ficado em casa se pudesse, mas não podia. Por isso, enquanto esperava Aleks, tinha baixado a cabeça, apoiando-a nos braços, tentando manter os olhos fechados por um tempo, até a nada sutil entrada do ala.

– Aleks.
– Disseram que você queria me ver. – Falou ele, de pé, braços cruzados frente ao corpo e uma expressão não muito amistosa.
– Sim, queria. – Ela assentiu. – Será que podemos conversar um pouco? Pode sentar.

O jogador a observou de olhos estreitos, incerto.

– Por favor, Aleks. – Insistiu a inglesa.

Depois de analisar a proposta e a cadeira, Aleks cedeu e se sentou, enfatizando no modo com que se jogou na cadeira sua insatisfação em estar ali.

– Então, eu gostaria de primeiro me desculpar. – Bekker falou, arrastando a cadeira para se aproximar um pouco mais dele, mas devagar para não assustá-lo.
– Se desculpar? – Aleks arqueou uma sobrancelha.
– É, sobre como falei com você no dia do jogo. – Explicou. – E sobre qualquer outra coisa que posso ter feito e que tenha te magoado ou incomodado. Você poderia me perdoar?
– Tá, tanto faz. – Ele deu de ombros após alguns instantes a analisando. – Mas não vem com essa achando que vou pedir desculpa, porque eu não vou.
– Eu não estava esperando isso. – Ava sorriu de lábios fechados, relaxando os ombros. – Não estou esperando nada, Aleks. Só queria conversar. Resolver as coisas. – Falou com sinceridade.
– Só porque Brad terminou com você. – Ele acusou, recostando-se na cadeira e sorrindo. – É por isso que quer dar uma de boa moça agora?
– Como você sabe que... – Ava começou a perguntar, mas logo sacudiu a cabeça, tentando retomar seu foco. – Deixa para lá, não importa. Aleks, eu não sei do que está falando, nunca quis dar uma de boa moça, nunca quis ser sua inimiga também.
– Você de novo com esse papinho furado. – Haatanen rolou os olhos. – Olhe como eu sou legal, olhe como naturalmente as pessoas gostam de mim. – Ele bufou entediado. – Me poupe, Bekker, ninguém é legal na vida real.
– Mas eu não disse que sou. – Ava sorriu de novo, erguendo os ombros e se esforçando para manter o timbre suave e calmo. – Eu tenho vários defeitos, um montão deles. Quem convive comigo sabe disso, e não tenho pretensão de fingir não ter.
– Que fofa.
– Aleks, o que eu quero dizer com tudo isso é que não precisamos ser inimigos. Eu sou parte do time, quero ter uma boa relação com você, do jeito que tenho com o resto dos jogadores. Você me acusa dessas coisas, mas será que podia dizer para mim o que eu fiz que realmente te ofendeu?

Aleks torceu os lábios e ficou de pé, colocando para fora a agitação que sentia.

– Não tenho que te falar nada.
– Tem razão, não tem. – Ela assentiu, cruzando as pernas. – Mas nós estamos aqui, no Pelicans, e acho que nosso objetivo é o mesmo. Não estou pedindo para que você seja meu melhor amigo, você não precisa gostar de mim. Só que precisamos jogar no mesmo lado.
– Isso é porque está com medo que eu conte sobre você e Brad? Não é? – Ele riu outra vez, girando o corpo para encarar a terapeuta.
– Não é sobre o Bradley, Aleks, é sobre você e eu. Por que insiste em mencionar o Mäkelä?
– Porque é tudo sobre isso. – Ele respondeu dando as costas a ela outra vez, mas sem se afastar.
– Eu entendi que você se sentiu ameaçado com a minha aproximação. Estou certa? – Perguntou Ava, mas usando sua voz mais serena.
– Ameaçado por você? Tá maluca? Acha que eu sou o que? Gay?
– Não, não disse isso. – Bekker ergueu os ombros e negou com a cabeça. – Mas acho que o Bradley é como um irmão mais velho, um espelho, um mentor. – Falou a terapeuta e Aleks se voltou, olhando-a. – Acho que você o ama e se inspira nele. Pelo que eu soube, isso é comum por aqui, ele é um ídolo. Eu não entendia muito do hockey da Finlândia antes de vir para cá, mas agora sei que ele é inspiração para as crianças daqui. E para você, acho que deve ser uma honra jogar do lado do ídolo de infância.
– Ele não é muito mais velho que eu. – Negou Aleks, menos reativo.
– Mas você devia ainda estar na escola quando ele estreou, não é? E depois, jogar no Pelicans, com ele. E maior que isso, se tornar amigo dele.
– Até você chegar.
– E aí ele não tinha mais tempo para sair com você e Atte, não é? Sempre falava sobre mim, não tinha outro assunto. Só queria chamar a minha atenção. – Bekker investiu, escutando seus instintos. – Te trocou.
– É. – Aleks rolou os olhos.
– E eu nem era digna disso. – Ava riu fraco. – Quer dizer, tem outras mulheres mais bonitas. Ou melhor, os três solteiros eram muito melhores. Você, Atte e Bradley. Era um trio diferenciado, nem os outros caras do time eram bons o bastante para estarem entre vocês.
– Agora você está começando a entender. – Aleks sorriu, sentando-se na cadeira de frente para a inglesa.
– Quando você o conheceu?
– Brad? – Aleks riu pelo nariz. – Desde que ele era do time da escola eu ia aos jogos. Quando eu fui para o profissional, rejeitei uma oferta do Saipa e outra do Tappara porque queria jogar com ele aqui.
– Bem devotado. – Ava sorriu com suavidade. – Ele sabe disso?
– Não. Por que ia contar? Que pergunta idiota. – Aleks expirou um riso sem humor.
– E sua família? – Ava perguntou, inclinando um pouco a cabeça sobre o ombro.
– Sou obrigado a falar disso com você?
– Bom, você sabe de segredos meus, por que não?
– O que tem a minha família? Quer dar uma de psicóloga? – Ele riu, apoiando o tornozelo da perna direita sobre o joelho da perna esquerda.
– Não, só estou tentando te conhecer melhor. – Justificou ela.
– E a sua família, Bekker? Se esse é o seu jogo, de nos conhecermos melhor, pode falar da sua também. – Ele provocou.
– Certo. Meus pais ainda são casados, tenho dois irmãos, o mais velho é o Josh, ele é advogado, bem-sucedido, casado. A mais nova é a Emily, ela é uns dois anos mais nova que eu, está noiva de um dos sócios do meu irmão. Ela é bonita, tem um relacionamento perfeito.
– Você detesta eles, não é? – Aleks sorriu, inclinando-se para frente, interessado.
– Não os detesto. – Bekker deu de ombros. – São minha família e eu amo a todos. Mas as vezes, para que tudo continue bem, é melhor se afastar um pouco. Não concorda?
– Não sei, meu pai era um bêbado. – O ala se recostou a cadeira. – Às vezes eu ainda encontro com ele por aí, em alguma rua ou em algum bar. Ele saiu de casa quando eu era criança porque se casou de novo.
– E sua mãe?
– Ela morreu quando eu era bebê. – Contou, dando de ombros e deixando o olhar vagar perdido por alguns instantes. – Minha irmã me criou. – Aleks retomou sua atenção rapidamente. – Com quem você era comparada? O mais velho ou a mais nova?
– Com os dois. – Bekker sorriu. – Meus pais achavam que minha escolha de carreira era ruim, que devia seguir os passos do meu irmão, ou fazer algo mais conhecido. Depois, a minha irmã, porque eu estou solteira e sou mais velha que ela. Eles acham que sou contra o casamento e a ter filhos por ainda estar solteira.
– Você devia ter contado a eles sobre o Brad. – Aleks riu pelo nariz. – Ia humilhar sua irmã. E com certeza o Brad ganha mais que o seu irmão.
– Pode ser, mas aí seria sobre o Brad e não sobre mim. – Ava piscou. – E sua irmã? É boa com você?
– Ela é, ela tem uma filhinha. Cady. – Disse ele com um sorriso genuíno e inocente nos lábios rosados. – É a única família que eu tenho. O resto é o mesmo que nada.
– Que resto? Seu pai?
– É, ele e a família dele. Tenho uns irmãos por parte de pai. – Enquanto falava, Aleks encarava e analisava a barra da camisa que vestia, ou as unhas.
– Sua família, além da sua irmã e sobrinha, são Atte e Brad. – Ava supôs, percebendo capturar a atenção do jogador outra vez.
– É. – Aleks assentiu.
– Por isso os bombons? Queria afastar ele de mim.
– Não, queria que ele visse que não seria bom se envolver com você. Que ele percebesse. Não era para ele comer. Ele sempre perguntar antes de comer, se tem coco, mas quando você levou o chocolate ele nem quis saber. – Aleks enfim falou. – Ficou cego.
– Era para ele ter perguntado antes, e então, ele acharia que eu fiz de propósito. – Bekker continuou.
– Sei lá, ele só devia ter perguntado e percebido. Não queria que ele comesse. Ele sempre pergunta antes de comer. Era só para ele ver que não era uma boa ideia.
– Não pensou em falar com ele sobre? Que achava ser uma ideia ruim? Como amigo. – Ava perguntou.
– Não queria que ele se chateasse comigo, só com você. – Confidenciou Aleks, projetando o lábio inferior.
– Mas foi o contrário. – Bekker completou.
– É, porque você contou para ele. – Acusou Aleks.
– Foi porque ele soube, ou porque ele soube que foi você? Por causa da sua ação? Não pode ter sido uma consequência?
– Mas eu falei com ele, disse que vocês não podem ficar juntos. – Respondeu Aleks. – Ele é do time e você também. Você é estrangeira, vocês são diferentes, ele merecia coisa melhor, na minha opinião. Eu só quis defender meu amigo enquanto ainda dava tempo.
– Acha que ele precisa de defesa?
– Acho que ele não enxerga as coisas como elas realmente são. – Disse enfezado.
– Não acha que ele pode ter se sentido traído? – Ava sugeriu. – Como se sentiria na posição dele? Buscando apoio dos amigos e recebendo essa surpresa.
– Talvez eu tenha exagerado, mas de que outra forma ele veria a verdade? – Aleks ficou de pé outra vez.
– Vou perguntar outra vez se não acha que seria uma opção ter conversado com ele e dito o que pensava. – Falou a inglesa.
– Ele não me ouviria.
– Algumas vezes, Aleks, a gente não tem controle sobre as ações das outras pessoas, só podemos controlar como reagimos a elas. – Disse a inglesa depois de um suspiro longo. – E precisamos aceitar que se sequer temos o controle sobre nossa própria vida, imagine sobre a de outra pessoa.
– Você diz isso porque ele ficou do seu lado. Aí é muito fácil. – Ele a olhou por sobre o ombro.
– Será? – Bekker ficou de pé também. – Você lembrou que agora estamos separados, e além disso, estamos só nós dois aqui, Aleks. E protegidos pelo sigilo profissional. – Ela arqueou uma sobrancelha quando o ala a olhou.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 04 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Inter DuoOnde histórias criam vida. Descubra agora