Crisântemo

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Crisântemo : Em muitas culturas é a flor por excelência para se enfeitar caixões de defuntos.




08 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans



– Tem mais alguma coisa que queira colocar, Brad? – Lauri indagou arqueando uma das sobrancelhas.
– Não.

O capitão respondeu rápido. Tinha sim coisas a colocar, achava que o time podia avançar mais, se adiantar, não ficar esperando ataques. Tinham um grupo forte, poderiam bater de frente com qualquer equipe da Liiga se acreditassem nisso e confiassem. Mas, depois de várias tentativas frustradas durante aquela reunião de se fazer ouvido, estava desmotivado, não sentia vontade de se impor e argumentar sobre seu ponto de vista, preferia a paz do conformismo.
O dia estava frio, tudo que queria era voltar para junto do time e treinar o máximo de horas que lhe permitissem. Não havia tido uma noite muito boa, muitos sonhos aleatórios e que lhe rendera sono leve e nada de descanso. Seus olhos pesavam e precisava se conter para não bocejar a cada minuto.

– Bom, então acho que isso é só. – Lauri se pôs de pé, afastando a cadeira, e os outros dois o imitaram. – Vamos conversando. Tenho certeza que os nossos resultados tendem a melhorar muito.
– Vamos trabalhar duro para isso. – Petri concordou, esticando a mão para cumprimentar o gerente.
– Logo estaremos conversando sobre o próximo recorde do Mäkelä, huh? – Lauri riu alto, esticando a mão para cumprimentar Bradley, que sorriu amarelo.

Ainda estavam no burocrático e desnecessário ritual de despedidas quando alguém bateu a porta, e antes que fosse autorizado, enfiou-se sala a dentro. Bradley franziu o cenho e inclinou a cabeça sobre o ombro com a visão de Ava Bekker. A terapeuta usava um vestido verde menta e um casaco pesado cor de rosa, os cabelos estavam presos em um coque com parte da franja solta, caindo sobre as bochechas. Ela tinha em mãos duas caixas que pareciam ser de pizza e outra menor, diferente, junto a sua bolsa, e parecia equilibrar tudo com alguma dificuldade. Mäkelä conteve o primeiro impulso que teve, evitando ir ao encontro dela e a auxiliar com todas aquelas coisas.

– Bekker. – Lauri arqueou uma sobrancelha. – O que é isso?
– Ah, bem...– Ava sorriu grande, parecia sem ar, talvez tudo aquilo que carregasse estivesse pesado, e pensando nisso, Brad quase não pode conter o impulso de ir até ela outra vez. – Bem, eu trouxe um presente para o Bradley. Soube que ele estaria aqui, então...espero não estar interrompendo nada.
– Presente? Para mim? – Bradley tocou o peito, não devia ter escutado bem. Certamente não havia escutado certo.
– É, é sim. – Ava sorriu outra vez, dando alguns passos para mais próximo do capitão. – Eu acho que é importante que haja uma boa relação entre todos nós. O time, nós todos. – Ela gesticulou com o dedo indicador, apontando para si e para o jogador, enquanto Brad fingia não estar prestes a gritar de empolgação.
– Tem certeza? Para mim? – Ele perguntou mais uma vez, não podia acreditar que a inglesa tinha mesmo feito aquilo, pensado em tudo aquilo para ele.
– Sim, claro. – Ela sorriu outra vez e Brad sentiu seu interior desmanchar, tinha certeza que se tocasse o lábio sentiria estar babando.
– Me deixe te ajudar. – Petri pediu, tomando frente e a ajudando com as caixas, colocando-as sobre a mesa.

Enquanto as caixas eram postas à mesa, Bradley se sentou em uma das cadeiras disponíveis, encarando os presentes e a terapeuta, não podia desviar os olhos dela. Estava encantado, mal acreditando no que seus olhos mostravam. Jamais imaginou, em nenhuma de suas fantasias antes de dormir, que algo como aquilo poderia acontecer. Ava Bekker, trazendo presentes para ele. Ele. Brad. Nenhum outro, ele.

– Bom, espero que esteja do seu gosto. – Ela disse diretamente para o capitão, erguendo a tampa da caixa de pizza como se fosse um truque de mágica fantástico, e Bradley assistia com tanta expectativa nos olhos quanto uma verdadeira criança em um show de mágica.

Mäkelä não sabia o que esperar, o cheiro de pizza lhe tomava os sentidos e despertava no capitão uma fome que Mäkelä nem sabia ter. Quando Bekker abriu a caixa, o cheiro de pizza os atingiu como soco, mas assim que os olhos de Bradley alcançaram a massa dentro da caixa, toda empolgação e entusiasmo fugiram de seu corpo. A expectativa se transformou em frustração e decepção, quando o central viu em sua frente uma grande pizza recheada com fatias de abacaxi, seu estômago reclamou instantaneamente. Não havia nada pior para Brad do que comidas doces e salgadas misturadas, e principalmente era inconcebível que se comesse pizza com abacaxi. A única maneira das duas coisas estarem em seu estômago ao mesmo tempo, era se uma delas fosse em forma de suco.
Mäkelä, apesar de frustrado, não teve coragem de erguer os olhos e encarar Ava, estava profundamente envergonhado por admitir que não gostava e não comeria.

– E então? – Ava indagou, olhando para o central, e comovido com aquele olhar, Bradley até tentou olhar outra vez para a pizza.

Brad ergueu os olhos e trocou olhares com Petri e Lauri, buscando alguma ajuda diante daquela situação.

– Eu agradeço. – O central falou após tomar coragem, de modo direto.
– Mas? – Ava incentivou, arqueando as sobrancelhas.
– Eu detesto pizza com abacaxi. – Confessou tentando disfarçar a vergonha, enquanto via de soslaio a expressão desapontada e chocada de Ava. Nunca mais a terapeuta dirigiria a palavra a ele, pensava.
– Não, não...mas...– A inglesa tentou dizer, lutando com as próprias palavras, e a cada sílaba Brad se sentia pior.
– É, já é um fato conhecido por aqui. – Petri sorriu, tentando amenizar o clima. – Mas acontece, pizza com abacaxi é uma paixão geral, é mesmo difícil descobrir quem não gosta.
– Mas foi uma bela atitude, Ava. – Lauri sorriu também.
– Mas é que...eu...que droga. – Bekker se deu por vencida, batendo a mão na testa, frustrada e inclinando a cabeça, balançando negativamente. Vendo a cena, Brad pensou se realmente não conseguiria comer ao menos uma fatia de pizza.
– Obrigada, Ava. – Disse o central, inclinando-se um pouco sobre a mesa para vê-la melhor, tentando enfatizar o quanto sentia através do olhar. – O pessoal do time vai adorar a pizza. – Falou, tentando trazer algo positivo para a situação.
– É, tem razão. – Disse Petri, apertando os ombros do capitão. – E o que tem na outra caixa?
– Ah, claro. – O semblante de Bekker se iluminou rapidamente e ela sorriu. – A sobremesa. – Contou, revelando bombons de aparência deliciosa, alguns com cobertura e outros sem, organizados delicadamente dentro de uma caixa forrada com papel dourado.
– Nossa. – Brad sorriu verdadeiramente enquanto escolhia um bombom, gostava de chocolate, e estava feliz em conseguir agradar a terapeuta ao menos um pouco.
– Você pensou em tudo, não é? – Lauri piscou, e Brad sorriu ao ver Ava sorrindo.

Antes de dar a primeira mordida, Bradley sorriu para a inglesa, sentia-se bem, relaxado, até feliz. Talvez devesse deixar tudo aquilo para trás, deixar de ignorar Ava, ser o bobo que sentia profunda vontade de ser. Afinal, a mulher havia trago pizza e chocolate para ele, ignorá-la parecia a ideia mais idiota da face da terra. Não que só parecesse agora, mas junto ao plano mirabolante, estava sua insegurança e a certeza de que seria melhor ficar o mais afastado possível de Ava Bekker. O que havia começado com uma ideia idiota, adolescente, ganhou força com a insegurança do central, mas que agora já não parecia fazer qualquer sentido.

– Isso é tão bom...– Bradley elogiou sorrindo e Ava o correspondeu, o central sentia o gosto do chocolate, aproveitando o sabor do creme sem pressa. – É diferente, o sabor...do que são esses bombons? Parece com...
Coco. – Ava e Brad disseram ao mesmo tempo, ela com um sorriso tranquilo e ele com olhos levemente arregalados, sentindo o sangue congelar, quase que literalmente.
– Droga. – Bradley ficou de pé rapidamente e antes que pudesse pensar, Petri já o estava oferecendo um guardanapo para que pudesse se livrar do chocolate que tinha na boca.
– O que? – Ava arqueou as sobrancelhas, assustada com a movimentação exagerada do técnico e gerente, que cercavam Brad como se fosse um bebê recém-nascido que engasgara pela primeira vez. – O que está acontecendo? Está ruim?
– Eu sou...– Bradley tentou falar, mas foi interrompido por um súbito ataque de tosse que o fez inclinar o corpo. – Alérgico a coco. – Disse antes de voltar a tossir, já sentindo seu corpo responder a ingestão, mesmo mínima, dos bombons.

Mais que depressa, Petri e Lauri guiaram o central para fora da sala, enquanto Bradley tossia e sentia a garganta fechar e o corpo inchar. Enquanto isso, não conseguia desviar o olhar da terapeuta, mesmo a olhando por sobre os ombros. A expressão culpada e chocada de Ava o tocava quase tanto quanto o fato de a terapeuta ter preparado toda aquela coisa para ele. Coisas essas que, uma ele odiava, outra tinha potencial de mata-lo, mas que mesmo assim, eram presentes dela. Ava Bekker havia pensado naquilo especialmente para ele, Bradley mal podia acreditar. Enquanto era arrastado sala a fora, não conseguia parar de sorrir, talvez até fosse pelo inchaço já bem perceptível em seu rosto que seus lábios se esticavam, mas Mäkelä daria créditos ao gesto de Bekker, única e exclusivamente e a sua felicidade. E aquilo fazia com que o capitão não conseguisse parar de sorrir (mesmo que realmente não pudesse parar devido os lábios estarem esticados e inchados).

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