Jasmim

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Jasmim : É símbolo de sorte, doçura e alegria.



01 de dezembro de 2021, Mônaco



Questionar o homem no espelho. Era isso que Niko Koskinen fazia, em silêncio, observando com atenção o homem do outro lado do vidro com seus olhos questionadores, sem que tivesse qualquer sombra de resposta. Alguns dias eram assim, as coisas aconteciam, eram frustrantes e não havia uma explicação, uma razão ou um porquê. Ainda preferia, de todo modo, buscar suas respostas em si mesmo. Claro que vez ou outra conversava e pedia auxílio para pessoas que o rodeavam, mas sabia que a maior parte de suas questões deviam ser resolvidas dentro, sozinho, e até preferia assim.
Nos últimos tempos a pressão por resultados havia aumentado, e por mais que tentasse, algo sempre dava errado. Um erro no carro, um erro de alguém que o prejudicava, erro de estratégia, erro no pitstop, algum erro seu. Algo aparentemente parecia disposto a complicar sua vida o máximo possível. Gostava de pensar se tratar de uma fase ruim, que logo passaria, esperava que passasse pelo menos.
– Oi. – Tiffany sorriu quando entrou no quarto, terminando de arrancar a roupa de treino.
– Oi. – O piloto sorriu fechado e também com o olhar, girando o rosto para acompanhar a movimentação da companheira. – Como foi o treino?
– Intenso e incrível. – Contou ela, se dirigindo ao banheiro. – E o que você ficou fazendo?
– Pensando, eu acho que preciso intensificar meus treinos no simulador, talvez ajude a evitar alguns erros pequenos que andei cometendo. Acho que preciso melhorar na chuva também...
– Pode pegar uma toalha para mim? Eu esqueci. – Ela gritou do banheiro, interrompendo o assunto.
– Então, como eu estava dizendo. – Continuou ele, enquanto buscava uma das toalhas brancas e a entregava, no chuveiro. – Acho que talvez se eu melhorar nisso, na pista molhada, já vai fazer uma diferença enorme. O que acha?
– Acho que sim, vai ser bom. – Tiffany respondeu distraída. – Treinar nunca é demais. Fale com Antti, ele vai ajudar. Hoje ele quase me matou com o treino, você precisava ver. – Ela contou rindo.
– É, posso imaginar. – Niko concordou sorrindo fechado, escorando-se ao batente, para ouvi-la.

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01 de dezembro de 2021, Lathi - Finlândia
Isku Areena



Quarta-feira, dia de jogo.
O time estava agitado, saindo de uma série de jogos com resultados mais que inconsistentes. O número de vitórias era inferior ao de derrotas, não era uma fase boa para o Pelicans. Aparentemente a ausência do capitão, a divisão do time em duas equipes diferentes e a rotatividade de liderança surtia maior efeito do que o esperado no gelo. Para aquele jogo contra o Red Bull München, o time da casa não era o favorito, as apostas eram em maioria para o time alemão, mas mesmo assim a torcida azul e preta abarrotava a Isku Areena.
Do interior, dos corredores por onde os jogadores passavam, se podia, literalmente, sentir a vibração da multidão que enchia as arquibancadas. Do lado de fora a fila gigante fazia parecer que o clima era ameno e a brisa fresca, ao contrário do clima de iglu e do vento cortante de Lathi naquela noite.
Bradley Mäkelä estava junto com o técnico e alguns outros membros a equipe técnica no vestiário, enquanto os atletas se aprontavam para o jogo. O central assistiria a partida do camarote que geralmente era ocupado por Lauri, mas antes, decidiu passar algum tempo com o time depois do aquecimento. Um pouco mais relaxado depois da conversa com Ava, Brad mantinha as palavras de Waltteri Merelä na cabeça, piscando como um farol. Merelä era o mais interessado no assunto, o maior beneficiado caso Petri resolvesse destituir Mäkelä de seu lugar de capitão, e mesmo assim fora o único a verbalizar seu apoio. Entendia porque todos adoravam Waltteri, inclusive Ava, embora nunca tivessem tocado no nome do ala em nenhuma de suas conversas.
Ser capitão não era apenas trajar um uniforme com detalhes especiais, ou ter alguns benefícios ou obrigações diferentes das dos outros no time. Envolvia liderar um grupo distinto, tentando unir a todos no mesmo objetivo, com a mesma meta. Envolvia lidar com os problemas que surgissem, com as relações muitas vezes difíceis entre os atletas, para que no fim, todos se comportassem como uma família. Mas não era comum que o pivô das crises fosse o próprio capitão, era um problema novo e diferente, sobre o qual Bradley não tinha qualquer experiência em lidar. Por isso resolveu tentar algo novo, lidar com a questão como se fosse uma segunda pessoa, e não ele mesmo, não Brad Mäkelä. Como se saísse de si e enxergasse a situação pelos olhos de outra pessoa, não envolvida em toda aquela bagunça.
O time estava reunido no vestiário depois do aquecimento, terminando os últimos ajustes antes do início da partida. Aleks, ainda suspenso, não estava com eles.

– É isso aí! – Petri bateu palmas, chamando a atenção dos jogadores. – Hoje temos mais um desafio, uma organização nova. Vamos com tudo. Estamos em casa e a casa está cheia, não vamos deixar ninguém sair daqui desapontado hoje. – Motivou o treinador.

Alguns atletas assentiram com a cabeça, outros concordaram com urros e gritos, outros se mantinham em silêncio, concentrando-se. Bradley sentia tanta falta daquela energia que a saudade se tornava dor física. Enquanto Petri prestava atenção nos dados apresentados por um de seus assistentes, Mäkelä cruzou seus olhos com Waltteri. Merelä manteve o olhar firme na direção do central e depois assentiu com um movimento de cabeça. Bradley expirou mais devagar, enquanto pensava na ideia que o olhar de Waltteri o havia sugerido, já era algo de seu desejo, mas a postura de Merelä o deixou mais confortável para enfim fazê-lo.



– Pessoal. – O central chamou a atenção do time para si, tirando as mãos dos bolsos e se colocando no centro do vestiário, capturando olhares curiosos de todo time e comissão técnica. – Eu sei que não tem sido um tempo fácil, mas tempos fáceis também nunca foram comuns por aqui. Desde sempre no Pelicans nós nos acostumamos a fazer o que fazemos por amor, apesar das dificuldades, com resiliência, porque na maioria das vezes, era só isso o que tínhamos. Força de vontade. Não vamos para o gelo por prestígio, ou por dinheiro, mas sim porque nós somos jogadores de hockey, e isso é o que fazemos de melhor. – Mäkelä tentava olhar nos olhos de todos enquanto falava. – Sei também que tem muita coisa no ar e que hoje provavelmente eu não seja a pessoa que queriam ouvir. Mas ser o capitão não me livra de me lesionar, de ter problemas, ou de errar. E isso são coisas que todos nós temos, porque somos pessoas e não máquinas, e por isso também que o Pelicans sempre foi o que é. Os caras do Pelicans jogam com a alma, mesmo se ela estiver um pouco ferida.

A atenção de todos se mantinha fixas no central, sem nem mesmo desvios rápidos de olhares. Até Petri ouvia com atenção ao discurso de preleção do capitão.

– Passamos por crises, por rebaixamentos, e nem sempre concordamos uns com os outros. Muitas vezes brigamos, nos desentendemos, e tudo bem, famílias são assim. – Continuou o central. – E é disso que precisamos lembrar hoje. De que apesar das diferenças, das discordâncias, nós somos um time, somos a alma dessa cidade que está enfrentando o frio e a neve para estar aqui hoje e nos ver jogar. Nós não nos abalamos. Nós não cedemos. Nós não desistimos. Isso é o Pelicans, isso somos nós. – Falou agitado, de modo mais eloquente. – Nós não cedemos com uma briga, e se brigarmos, estaremos de pé no momento seguinte, porque somos jogadores de hockey e é preciso de muito mais que alguns socos e perder alguns dentes para nos parar.

Parte do time fez barulho batendo nos armários, outros com gritos, urros e assobios, em concordância com o central.

– Falta pouco para eu voltar para o gelo e quero voltar para o mesmo time que deixei. Um time forte, que faz os adversários terem pesadelos, porque não importa o quanto porrada a gente leve, a gente se levanta e marca no segundo seguinte. É para esse time que eu quero voltar. Um time que está pronto para enfrentar qualquer coisa junto. Um time que só tem uma meta, vencer. – Brad quase se sentia como quando estava prestes a entrar em campo. – Não dá tempo para lamentações, para intrigas ou para conversa. Somos jogadores de hockey, ir para o gelo com tudo é o que fazemos. Sem papo, sem pensar, sem frescura. – A voz de Bradley era mais uma entre os gritos dos companheiros de equipe. – Somos só um time, não dois, não três. Um. Somos Pelicans, e hoje vamos fazer os alemães voltaram para Munique tentando pesadelo com o nosso rosto.

Ao final de seu discurso, o time parecia transformado, animado como se se tratasse de um jogo dos playoffs, como se aquele fosse o jogo mais decisivos de suas vidas. Alguns abraçavam Mäkelä, enquanto outros batiam seus capacetes uns nos outros, saudando os companheiros e agitando o time.

– É hora do show! – Waltteri gritou, chamando o time para fora, como costumava fazer. – É isso aí, capitão. – O ala saudou Brad ao passar por ele, batendo em seu ombro.
– Vamos acabar com eles. – Santtu cumprimentou Mäkelä antes de sair do vestiário.
– Bom te ter de volta, irmão. – Atte disse quando passou por Brad.
– É disso que estou falando. É disso que estou falando. – Petri se aproximou, dizendo enquanto olhava nos olhos de Brad e o segurava pelo ombro. – É disso que precisamos.

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