Amor Perfeito

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Amor Perfeito: Ela é um símbolo do amor romântico,amor verdadeiro, a paixão eterna e infinita.



18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de Ava Bekker



O elevador era pequeno, mal caberiam quatro pessoas ali, mas era melhor que subir quatro andares de escadas. O prédio parecia bem conservado, embora não aparentasse ser novo, ficava em uma área silenciosa e residencial, com outros prédios de aspecto tão impessoal quanto. Kirveskatu 10, 15800 Lahti, Finlândia, era o que dizia o e-mail, e onde o taxista misteriosamente a havia acordado na noite anterior. Cinco graus célsius, segundo o termômetro do táxi. O motorista não a ajudara com as malas, nem ele e nem ninguém e a àquela hora da noite tudo parecia demasiado silencioso.
O apartamento tinha duas portas, a primeira era de madeira envernizada, com fechadura, olho mágico, campainha e um espaço para correspondência e para o nome dos novos moradores, onde Ava Bekker estava escrito de forma preguiçosa, com uma letra garranchada e à caneta. A segunda porta ficava logo atrás da primeira e não fazia sentido nenhum para a terapeuta inglesa, que a princípio, pensou se tratar de algum tipo de pegadinha. Era branca, lisa e com uma fechadura simples, as portas eram divididas por um mini hall de cerca de um metro.
Uma vez dentro do apartamento, à esquerda havia o interfone e um armário com espaço para casacos e sapatos, e à direita uma porta de madeira envernizada que Ava abriu com curiosidade, era um banheiro pequeno e desorganizado, com vaso sanitário, lavatório e chuveiro, havia também uma máquina lava e seca, mas sem banheira. O hall de entrada era um pequeno corredor que levava ao resto do apartamento, as paredes eram de tijolos pequenos e pintados com uma cor que a fazia lembrar da espuma de cappuccinos, como o exterior do prédio. Ava deixou as malas ali e caminhou devagar, tocando as paredes com as pontas dos dedos, sentindo a energia do lugar. No fim do corredor a cozinha ficava à direita, com uma bancada que parecia servir para separar o cômodo do resto da casa. A bancada era escura, sobre ela luminárias pendentes um pouco empoeiradas, e à direita dela a pia e fogão, com exaustor e armários sobre e sob a pia. Havia também uma janela grande de vidro, que iluminava o pequeno cômodo, à esquerda dela, outros armários e ao lado deles, uma geladeira grande.
Do lado esquerdo do corredor, uma sala relativamente ampla, com duas janelas grandes, uma TV e um belo e confortável sofá branco. Impessoal, mas confortável. Atrás do sofá, uma mesa de jantar redonda com cinco lugares, de madeira. Do outro lado, outra porta, ali era o quarto, amplo e iluminado por outras três janelas grandes, uma atrás da cama, e duas outras na parede oposta a porta, uma cama de ferro grande e alta. Dentro do quarto haviam outras duas portas, uma que se abria para um closet grande e iluminado, com armários do chão ao teto e um grande espelho. A outra se abria para um banheiro mais amplo, com banheira, outro espelho grande e uma sauna, que tomava metade do banheiro.
Não era completamente diferente do antigo apartamento da terapeuta, talvez por diferenças pontuais, detalhes no posicionamento de móveis e eletrodomésticos, e divisão dos cômodos. Podia ser pior, pensava a inglesa a todo momento, sempre podia.
Naquela noite, Ava não se preocupou com a decoração ou com qualquer coisa relativa ao apartamento, sua única preocupação era com a limpeza do lugar e sobre como dormiria. Não se atrevia a deitar-se naquela cama sem saber a quanto tempo aquele colchão estava ali. Então, estendeu seu maior casaco sobre o sofá e dormiu ali, só percebeu que o dia havia amanhecido quando os primeiros raios de sol invadiram a sala e incomodaram seus olhos. Estava com fome, mas não havia nada em casa, apenas barrinhas de cereal, suco de caixinha e biscoitos na bolsa, e aquele fora seu café da manhã antes de tomar um bom banho, escolher uma roupa decente e sair para sua reunião.
O endereço da arena estava no GPS, segundo o aplicativo, levaria onze minutos a pé, e estava com seus tênis mais confortáveis, então resolveu arriscar.

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16 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia



Ava caminhava por uma das ruas de Lathi, observando as centenas de prédios que iam de cinza a marrom, absolutamente todos. As ruas eram limpas, vazias e arborizadas, tudo parecia tão limpo, nada de poluição visual ou fora do lugar. Os letreiros e placas faziam a terapeuta se sentir uma analfabeta cega, não poderia encontrar um café ou uma farmácia se sua vida dependesse daquilo. Os carros iam e vinham, um trem devia estar passando em algum lugar próximo e o frio era de matar.
Devia estar na Isku Arena a pelo menos uma hora, mas já havia entregue sua vida e destino a Deus, estava completamente perdida, apesar da resiliência em fazer e refazer o trajeto várias vezes, mas a àquela altura já não saberia mais nem mesmo voltar para casa. Tudo que restava a inglesa, além de um celular descarregado e dedos congelados, era vagar pelas ruas até fosse salva por uma ambulância depois de desmaiar, ou que a polícia a levasse. Enquanto isso, tentava fingir não estar perdida, analisando quantos tons de marrom e cinza os finlandeses conheciam e fingindo plenitude, embora seu semblante denunciasse outra coisa.
Cabisbaixa e tonta de tanto andar, Ava distraidamente invadiu o caminho de uma bicicleta, quase causando um acidente sério quando o ciclista invadiu a rodovia para desviar da transeunte tapada. O ciclista, um jovem loiro de olhos azuis e cabelo bonito disse algumas coisas em finlandês, mas Ava, que ainda não sabia nada na língua nativa do país, apenas juntou as sobrancelhas e uniu as mãos na frente do corpo.

– Desculpe. – Pediu, tentando enfatizar sua vergonha.
– Não fala minha língua? – O rapaz constatou com simplicidade.
– Ai meu Deus! – A terapeuta comemorou, esticando a coluna com a pequena surpresa, vendo uma luz no fim do túnel. – Não, não falo nada. Que bom que você me entende. – Ela riu aliviada
– Entendo. – O outro sorriu com os olhos, por causa da máscara que usava.
– Me desculpe, mesmo. Eu não tive intenção, estava distraída demais, não vi você. – Explicou ela, juntando as mãos novamente, um tanto mais aliviada.
– Tudo bem, acontece. – O rapaz deu de ombros, se ajeitando a bicicleta e firmando os dois pés no chão.

Ava sorria, enquanto o ciclista se perguntava o que aquela mulher estava esperando para liberar o caminho. Mas para a terapeuta inglesa, aquela era sua única salvação, então ponderava sobre pedir ajuda a um estranho, não podia piorar sua situação, não é? Pensou.

– Desculpe, mas eu...é que preciso de ajuda, se puder... – Disse e o rapaz não negou, mas também não assentiu, então ela continuou. – Você por acaso sabe onde fica a Isku Arena? Sabe, hockey e essas coisas. – Perguntou incerta, apertando os olhos.
– Se eu conheço? – O ciclista gargalhou.

Em seguida afastou as mãos da bicicleta e começou a abrir o casaco escuro e grande que usava, deixando Ava ligeiramente alarmada, ponderando qual seria o momento certo para correr. Mas quando o pesado casaco foi afastado, a terapeuta percebeu um uniforme de hockey preto e azul, com o símbolo dos Pelicans no centro.
– Obrigada, Deus! – Comemorou de novo, quase com um pulinho. – Você é dos Pelicans? Que sorte!
– Sou, porque? – O rapaz pareceu sorrir, vestindo o casaco novamente.
– Eu estou atrás de vocês. Quer dizer, não literalmente, mas estou. – Ava sorriu nervosamente, coçando a testa. – É que eu devia estar na arena há algum tempo, mas me perdi...é tudo tão igual. – Lamentou.
– Mas e as placas? – Ele lembrou, mas no instante seguinte se corrigiu. – Não conseguiu ler. – Assentiu e Ava o acompanhou, sorrindo envergonhada. – Quem é você?
– Ava Bekker. – Sorriu esticando a mão. – Sou a nova terapeuta do time.
– Sério? Que surpresa. – O rapaz estreitou o olhar e pareceu sorrir. – Não sabia que teríamos gente nova. De qualquer forma, seja bem-vinda. – Ele acenou.
– Obrigada. – Ela sorriu, desviando o olhar rapidamente, torcendo que o estrago com Niko Koskinen ainda não tivesse alcançado aquela lado do planeta.
– Vamos, eu te acompanho, estou indo para o treino. – Ele acenou e saltou da bicicleta, passando a caminhar, empurrando a bicicleta na direção oposta à que Ava se dirigia anteriormente. – Aliás, meu nome é Waltteri. Waltteri Merelä. – Sorriu.
– Isso é um nome comum por aqui? – Ela franziu o cenho, surpresa. – E que quase literalmente me persegue. – Ava sorriu, guardando as mãos no bolso depois de ajeitar a máscara no rosto e afastar o cabelo dos olhos.
– Depende do ponto de vista. – Waltteri riu distraído.
– Estamos muito longe? – A terapeuta quis saber.
– Está vendo aquelas árvores logo ali? – Ele apontou com o queixo. – É atrás delas. Você vai curtir, é um lugar bacana.
– É, tenho certeza que sim. – Concordou educada.
– Você gosta de hockey, então? – Waltteri puxou assunto.
– Nossa, muito, adoro hockey. – Mentiu, encenando um sutil soco no ar, embora não soubesse exatamente porque fazia. – Se tem uma coisa que gosto é de hockey. Com certeza.
– Ah, que bom. Você vai gostar do time, o nosso capitão, o Mäkelä é muito legal, e os outros caras...– Waltteri contava animado, enquanto Ava tentava repetir o nome do capitão, acostumando sua língua aos novos sons.

Não era tão ruim, Lathi parecia uma cidade calma, um pouco chata, mas calma. Era bem mais fria que Mônaco e bem mais séria, mas mesmo assim ainda parecia ser um bom lugar. Definitivamente, a pior parte seria a língua, sua boca parecia se recusar a pronunciar corretamente qualquer sílaba e também havia o fato de todos parecerem estar tão preocupados com suas próprias vidas que não se incomodavam com alguém perdido no frio, mas talvez fosse só impressão.
Enquanto caminhavam próximos a rodovia, Ava fora apresentada por Waltteri a uma escola, e após mais alguns minutos caminhando, a dupla tomou um acesso lateral, deixando a rodovia principal. As laterais eram arborizadas e quase silenciosas, o único som a ser ouvido eram os carros apressados que cortavam aquela rodovia.

– E aqui estamos nós. – O jogador anunciou assim que viraram em uma rua à esquerda, numa decida sutil na estrada e lá estava a entrada da arena, uma estrutura enorme e cinza, sem arquitetura chocante, simples, rodeada de árvores e com um estacionamento grande do lado direito do a arena.
– Lar doce lar. – Ava suspirou, antes de sorrir e seguir Waltteri para dentro da arena.

Dentro da arena, todos que cruzavam o caminho dos dois cumprimentavam o jogador, pareciam acolhedores, simpáticos. Waltteri a guiou por corredores largos e bem iluminados, aquecidos e até acolhedores. A medida com que se aproximavam do coração da arena, podiam ouvir o vozerio agitado e alegre que parecia atravessar paredes. Depois de subirem alguns lances de escadas e passarem por mais alguns corredores, alcançaram um grupo de pessoas que conversavam distraídos no idioma local no meio de um corredor.

– Essa é a minha deixa, vou para o vestiário. – Waltteri avisou, piscando. – O treinador está ali, conversando com aqueles dois. O diretor executivo e o gerente. – Indicou com o olhar.
– Obrigada, mesmo. Você me salvou hoje. – Ava agradeceu e o jogador assentiu, se afastando.

Aquela era a hora, não sabia o que esperar depois dos últimos acontecimentos. Se seu novo carrasco chefe tivesse contado sobre a situação com Niko Koskinen, provavelmente Ava seria a recém contratada mais odiada do país. Os homens, dois bem vestidos, com ternos escuros que pareciam ser caros e cabelos alinhados, e o outro vestia roupas de treino, nada tão elegante ou profissional, nada tão executivo.

– Com licença. – Disse ela ao se aproximar um pouco vacilante, atraindo a atenção dos três homens. – Boa tarde. Eu sou Ava Bekker. – Se apresentou tentando soar confiante.
– Ah. – Um dos homens balbuciou, analisando a mulher com cuidado. – Tínhamos uma reunião há duas horas atrás.
– Eu sei, sinto muito. – A terapeuta tentou manter o timbre firme. – Me perdi na cidade.
– Tudo bem. – Ele anuiu, embora um pouco incerto. – Janne Laukkanen, e esses são Lauri Pöyhönen, nosso diretor-gerente e Petri Matikainen, nosso treinador. – Apresentou-os apontando com o queixo.
– É um prazer. – Tentou sorrir com os olhos, enquanto apertava as mãos dos homens.
– Estou de saída agora, mas volto em uma hora e então podemos nos reunir. Enquanto isso, Petri pode apresentar você aos jogadores. – Janne aconselhou rapidamente e despediu-se com um aceno e se foi, junto com Lauri, sem qualquer chance de Ava dizer qualquer coisa.
– Bekker, não é? – Petri, o treinador, quis confirmar. Era um homem loiro com barba rala, alto e magro, rosto marcado.
– Sim, mas pode me chamar só de Ava. – Ela sorriu, tentando disfarçar a timidez e vergonha pelo atraso.
– Venha, vou te apresentar ao time. Eles estão no vestiário se preparando para o treino. – Contou, guiando a terapeuta pelo corredor. – Então, você é a novidade. – Brincou ele.
– Novidade? – Ava fingiu não entender.
– É, o novo recurso. Terapeuta ocupacional. – Petri riu entredentes. – Há pouco tempo mal tínhamos equipe médica, e agora temos uma terapeuta.
– Imagino que seja algo novo, mas não se preocupe, logo as minhas competências ficarão claras e...– Ava tentou explicar, mas Petri a interrompeu.
– Não precisa me explicar. Sabemos que deve ser boa coisa, Niko não te mandaria para cá se não fosse. – O treinador acenou com a cabeça e Ava mordeu o lábio, pensando em qual seria a reação do treinador se soubesse o motivo de ter sido exilada para Lathi. – Só me preocupo se meus atletas estarão bem e com a cabeça focada para os jogos.
– Eu garanto que vou fazer o meu melhor para isso. – A terapeuta afirmou. – O melhor possível ou impossível.

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