Tulipas amarelas

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Tulipas amarelas: As tulipas são flores que expressam amor fervoroso, e o significado varia de acordo com a cor: as amarelas significam amor sem esperança..

03 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans

Era quarta-feira e o time estava de volta a Isku arena para retomar os treinos após o jogo de segunda e a folga de terça. Duas semanas haviam se passado desde a derrota para o SaiPa Lappeenranta, e após o fracasso fora de casa, o time somava quatro vitórias no tempo normal, duas vitórias no tempo extra, quatorze pontos foram conquistados pelo time. Os jogadores tinham números igualmente bons, e fizeram ótimo trabalho nos seis jogos.
Mäkelä estava de volta nas graças do público, depois de marcar sete gols em seis jogos, colunas esportivas só lhe faziam elogios. Profissionalmente estava focado, concentrado, em um ótimo momento, mas na vida pessoal, estava ainda mais recluso e silencioso. Nas duas semanas que haviam se passado havia saído e tomado cerveja pelo menos três vezes com Hade e Atte, mas apenas para que os dois não montassem acampamento em sua casa. Na realidade, Brad queria ocupar a cabeça com outras coisas, queria ficar sozinho, não queria ver, conversar ou se relacionar com ninguém. Estava cansado e sem ânimo para socializar, só queria silêncio. Uma longa jornada de silêncio, apenas com seus interesses e paz.
Talvez seu súbito interesse por Ava Bekker fosse mais profundo do que o atleta imaginara a princípio. Ir contra todas as suas expectativas e os momentos idealizados era difícil, principalmente depois de se imaginar em centenas de cenários diferentes com a terapeuta. Ao mesmo tempo, Mäkelä se odiava por estar tão emocionado, devia ser a carência falando mais alto, só isso explicaria o que sentia.
Mas carência ou não, era que Ava era de fato muito para ele, e era óbvio que Brad nunca seria escolhido por ela, por isso, era mais fácil deixar o caminho livre para os companheiros de time. Não queria se distrair, criando rixas que só existiam em sua cabeça, competindo inconscientemente com outros atletas por uma mulher.
A escolha era óbvia, em um time com Waltteri Merelä, Atte Tolvanen e tantos outros caras mais inteligentes e bonitos, Brad Mäkelä não era nem de longe uma opção. Sempre fora assim, sempre fora diferente dos amigos, durante quase toda a vida, e todos sempre se empenharam em deixar bem claro. Durante a infância, era o garoto gordinho e desengonçado, com rosto sempre suado, moreno e com nariz diferente, sempre destoando dos olhos azuis e cabelos prateados do resto da turma. Seu pai era russo, mas aparentemente os traços latinos da mãe eram mais fortes, Brad Mäkelä sempre foi o diferente, o patinho feio entre os amigos.
Na primeira parte de sua adolescência, ainda desengonçado pelo estiramento próprio daquela fase, tudo pareceu piorar, principalmente tendo alguém como Atte Tolvanen ao seu lado. Atte era popular, bonito, todas as garotas queriam sair com ele, todos queriam ser amigos dele. Nessa época Brad mudou do time principal de hockey para um dos times da base do Pelicans.
Na segunda parte da adolescência as coisas começaram a mudar, Bradley agora era um adolescente alto, com cabelo legal, músculos forjados pelos treinos de hockey e conhecido na cidade por ser uma das promessas do Pelicans. Pela primeira vez, Mäkelä era mais notado que Atte, que começava como um dos goleiros do time de Brad, mas sem tanto destaque. Pela primeira vez, ele era a primeira opção e Brad pensou que podia se acostumar a viver daquela maneira. Começou a namorar, estava rodeado de amigos, tudo era mais fácil para o astro Brad Mäkelä, tudo era uma estrada de ouro, lisa e rodeada de aplausos e árvores de rubi.
E então, veio a formatura e o contrato com o time principal.
Tudo se intensificou, era a vida perfeita, Bradley passou a ser conhecido por princípe de Lathi, o jovem e promissor, que em breve estaria vestindo a camisa de algum time grande da NHL. E embora aquele não fosse o principal plano de Mäkelä na época, a ideia também passeava por sua cabeça antes de dormir. A vida era perfeita, Atte também estava no time, jogavam juntos, e apesar da má fase da equipe, os atletas tinham seu destaque. Brad habitava sua nova mansão, tinha seu próprio chef de cozinha, sua equipe de marketing, seus representantes, pessoas para cuidar de cada instante de seu dia e de cada parte de sua carreira, vivendo em seu próprio olimpo, como deus do hockey em um país que o idolatrava. Contratos publicitários, fama, dinheiro e mais dinheiro, fãs, mas nada disso vem só, junto com o mundo dos sonhos, Brad pela primeira vez descobria o preço de ser quem era.
O que acontecia de modo subliminar e suave antes de sua contratação para a equipe principal, se intensificou e transformou-se em um verdadeiro Golias após assinar aquele contrato. Primeiro as críticas pesadas quando Mäkelä não conseguia fazer pontos ou um bom jogo, críticas mais pesadas do que as que o jogador fazia a si mesmo. Depois, haviam um fotógrafo em cada canto em que Bradley estava, perto da casa dos pais, na saída dos treinos e jogos, nas ruas, e cada movimento era fotografado e espalhado em redes sociais. Sua família, namorada, amigos, todos eram expostos.
Bradley sempre fora alguém extremamente crítico consigo mesmo, perfeccionista, se cobrava mais que qualquer treinador. O ritmo de cobranças da mídia, o assédio dos torcedores por bons resultados, os insultos que recebia quando o time perdia, tudo contribuía para que a personalidade autocrítica de Brad se tornasse ainda mais dura e adoecedora. Os torcedores o amavam quando o time vencia, mas o odiavam três vezes mais quando perdia, como se Mäkelä fosse responsável único pelo fracasso. Fosse nas derrotas durante o campeonato, nas derrotas nos playoffs ou no rebaixamento, Mäkelä era culpado, o inimigo. Aos poucos, tais situações minavam a confiança do jovem promissor atleta, assim como seu bom humor.
Nunca, nem mesmo durante o rebaixamento, passara pela cabeça de Mäkelä mudar de equipe, amava o time e não se sentia pronto para deixa-lo. O apoio que recebia de toda comissão técnica e dos colegas de equipe também favorecia sua decisão. Apesar disso, tudo era caos e confusão em sua vida. Sua namorada já não estava tão satisfeita, sempre se queixava do mau humor, da falta de tempo de Brad, enquanto tudo que o central mais queria era apenas paz e silêncio. O namoro acabou antes que seu contrato com o clube completasse dois anos.
Um pouco mais solitário, um tanto mais melancólico, Brad decidira se concentrar na equipe e fazer o máximo que podia para que os Pelicans voltassem a sua glória. Enquanto o jogador se concentrava em fazer boas partidas, a mídia o criticava por seus erros e pelos erros que inventavam, fazendo com que Mäkelä se fechasse ainda mais. Nem parecia o mesmo jovem atleta de quando assinara o contrato, não tinha paciência com jornalistas e suas perguntas tendenciosas e provocativas. As entrevistas eram monossilábicas, evitava qualquer contrato comerciais em que precisasse sorrir muito, falar muito, e evitava contratos comerciais no geral.
A gota que fizera seu balde transbordar, contudo, não estava relacionada a sua carreira. Um dia, após beber um pouco além da conta na festa de aniversário de um parente, Brad encontrou, pela manhã, dezenas de fotos suas e de seus familiares. Fotos em que o atleta aparecia bêbado, malvestido ou sem camisa, com expressões esquisitas, totalmente exposto e vulnerável. Além destas, Mäkelä descobriu que há tempos, fotos que publicava despretensiosamente em redes sociais eram usadas pelas pessoas como motivo de piadas. Piadas sobre como Brad era diferente, sobre como seu nariz era esquisito, sobre como ele era uma pessoa feia, sobre como era esquisito, ou os outros milhares de apelidos, memes e piadas com fotos suas.
Mäkelä desejou morrer, desaparecer.
Não pode olhar nos olhos das pessoas por duas semanas, tal qual era sua vergonha. Talvez as pessoas não tivessem noção de quão mal podiam fazer a alguém compartilhando aquele tipo de imagem, ridicularizando na internet alguém que só tentava ser normal. Brad chorou, como o adulto ridicularizado e exposto, mas também como a criança ferida que ainda tinha dentro de si.
A partir daquele acontecimento Bradley Mäkelä tornava-se outra pessoa, evitava o máximo se expor em qualquer ambiente, se esforçava para manter sua vida fora dos holofotes a todo custo. Sua vida pessoal era uma incógnita para todos, nenhum detalhe era vazado, e Mäkelä escolhia a dedo as pessoas que convivia, sendo ainda mais crítico e seletivo. Tornou-se uma pessoa menos simpática, não sorria sempre, quase nunca, mantinha-se sério, fechado, respondia quando era perguntado, e apenas o que lhe era perguntado. Não era o cara mais agitado, nem o mais animado do time, ficava em silêncio quase sempre. Mal se impunha nos treinos, preferia se calar a criar qualquer conflito, enquanto tentava dar seu sangue pela equipe.
O novo Brad esteve entre seus amigos e familiares mais próximos, até perceber que podia confiar e que seus muros não precisavam estar sempre erguidos. Assim, haviam o velho, gentil e simpático, agradável e engraçado Brad com os amigos mais chegados, família e com o time, e o novo Brad Mäkelä, sisudo, fechado, monossilábico e inatingível para os demais. Brad gostava assim, gostava de ser visto como a pessoa que não se importa, que é inalcançável e inatingível, principalmente porque se havia uma coisa que Mäkelä era, era alcançável e atingível.
Aquela era uma das razões definitivas para esquecer Ava e deixar para lá. A ideia de tentar chamar sua atenção era estúpida e provavelmente só funcionasse em filmes, Mäkelä já era bem grandinho para saber que a vida real não era tão bonita. Era estupidez, em todos os sentidos da palavra e da ideia, inocência demais considerar que em algum momento Ava se interessaria por alguém como ele. Pensava isso quando cruzou com Waltteri Merelä no estacionamento, o ala trancava o carro e sorriu e acenou para o capitão quando o viu. Brad sorriu de volta e estava prestes a fazer uma brincadeira inocente, quando de trás do carro surgiu a mais recente razão de sua ansiedade: Ava Bekker. A terapeuta ria de qualquer coisa e fazia uma piada sobre prender o casaco para fora do carro. Estava bonita, com um sorriso grande e sereno, bochechas rosadas e olhos apertados a medida com que sorria.
Bradley congelou e sua expressão se transformou no instante em que seus sentidos entenderam que era real e não uma miragem. Ava acenou e sorriu, cumprimentando o capitão, mas Brad só conseguiu apertar os lábios e seguir em frente, de modo robótico, programado. Se apressou em direção a entrada da arena, tentando controlar o ritmo de sua respiração e rezando para que nenhum dos dois tivesse percebido sua fuga.

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