Hora do Lanchinho

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     Finalmente, após uma desconfortável aula de Matemática, em que Rafael virou vesgo e abriu o terceiro olho para focar tanto na aula -- e no professor que era um verdadeiro filé, diga-se de passagem -- na zombaria dos colegas e na reação de Patrícia, foi anunciado o intervalo.

     Apesar da gafe cometida por Rafa na semana passada, ele gostaria de fazer amizade com Pat. Quer dizer, ele era um garoto solitário, nunca teve muitos amigos desde a infância. Ele até que gostaria de fazer algumas amizades no novo ano, porém a revelação de sua homossexualidade de modo tão cru e nojento foi a gota d'água. Já relativo a seu foco em Pat, dois motivos são notáveis: primeiramente, ela não o conhece. Embora a primeira impressão não fora lá essas coisas por conta do ato exposto, ainda existiam chances deles iniciarem uma linda parceria. Em segundo lugar, ela parecia ser uma garota interessante. Pelo pouco que conversaram, o garoto percebeu que ela era inteligente, o que ele também reparou ao notar o quão participativa a menina era nas aulas, tanto de Matemática quanto de História. Especificamente as de História.

     Por conta disso, Rafael a seguiu pelo corredor até o pátio. Patrícia notou a perseguição e não sabia o que pensar sobre isso. Sua melhor responsa foi apertar o passo para se afastar do garoto. Foi uma boa estratégia até eles finalmente chegarem à área comum, onde Pat não viu outra possibilidade a não ser se sentar e lanchar.

     A jovem sacou uma refeição de sua lancheira -- sim, ela ainda levava lancheira à escola com 16 anos. Biscotinhos de chocolate foram armazenados em um potinho e o suco de abacaxi ainda estava geladinho. Começou a comer, tentando ignorar o nerdola observando-a do outro lado da mesa. Entretanto, fazer-se de sonsa nunca fez efeito.

     -- O que foi, Rafael?

     -- Eu... queria me desculpar por... hoje mais cedo -- Rafa coçou a nuca como um típico rapaz estadunidense quando faz merda.

     -- Se desculpar pelo quê? -- Pat ergueu uma sobrancelha -- Se desculpar pelos meninos que ficaram roçando nas carteiras? Pela história que eu ouvi e a descrição de detalhamento que, convenhamos, não foi nada legal?

     Rafael abriu a boca para falar, contudo Patrícia dissera tudo o que ele gostaria de ter dito. Portanto, somente acenou com a cabeça.

     -- Se for isso, eu não tô brava contigo -- deu de ombros, mordiscando um biscoito -- Só surpresa. E um pouco enojada.

     -- Então... tu não vê problema em eu ter... 'cê sabe...

     -- ... não necessariamente. Mas eu te aconselho a não fazer mais isso. Tipo, além de você poder ser pego de novo, a escola não é o melhor lugar pra se masturbar, tá ligado? -- ri suavemente -- É até que um desrespeito, pô...

     -- Então... podemos ser amigos? -- os olhinhos de Rafael brilhavam como estrelinhas enquanto sua boca metálica formava um largo sorriso.

     -- Acho que sim...? -- Pat riu de nervoso. Embora genuinamente quisesse fazer amizade com Rafa (ela sofria do mesmo problema de "solidão crônica" do rapaz), sua alegria era um pouco intimidante.

     -- Olha só! O Punheta já fez amizade!

     A voz vinha da boca de Júlia Watanabe, que visualizava toda a interação de longe enquanto mastigava um pão de queijo.

     Rafael perdeu o brilho, seu sorriso desmanchando quase que imediatamente. Já Patrícia encarou Júlia, impressionada por seu visual trevoso. Um pouco interessada, até.

     -- Vai ficar me olhando com essa cara de cu, Rafael? -- perguntou Júlia, acenando para a cantina -- Compra teu pastel antes que os mortos de fome acabem com eles.

     -- Ô, Júlia... -- iniciou Rafa.

     -- Vai -- ordenou com um olhar muito mais rígido -- Deixa eu cumprimentar a menina.

     Rafael se jogaria de um prédio caso obrigado a admitir, todavia se sentia intimidado por Júlia. Sendo justa, ambos estudavam juntos desde o Ensino Fundamental. Conheciam o modus operandi um do outro. Sua relação, no entanto, não era exatamente amigável. Baseava-se em Júlia irritando Rafa e ele se aborrecendo, porém não fazendo nada com medo de apanhar. Ainda assim, fora a ocasional hostilidade, estavam em bom termos. Não suficientes para passarem horas e dias conversando sobre gostos semelhantes, mas conseguiam fazer um trabalho escolar juntos sem ter que ficar se bicando por qualquer coisinha.

     De qualquer maneira, Rafa bufou e caminhou em direção ao balcão da cantina, a fim de conseguir seu amado pastel. Assim que o gato saiu, a rata fez a festa, sentando-se ao lado de Pat.

     -- Patrícia, né? -- Júlia sorriu -- Comida de casa?

     Pat olhou Júlia de cima a baixo. Achou a colega bem bonita, todavia não gostou nada de como ela falou com Rafael.

     -- Vai ficar quieta? Tá bom... -- deu mais uma mordida no pão de queijo.

     -- Precisava ser grossa daquele jeito? -- Patrícia riu de nervoso.

     Rir de nervoso era a principal forma de expressão da novata. Não sabendo manter um tom sério ou indignado sem desabar em lágrimas, Pat sorria o mais amareladamente possível para um ser humano. Uma reação útil para diversas situações, das mais comuns às mais absurdas -- eficácia comprovada pela própria autora.

     Entretanto, Júlia não era besta e percebeu a irritação de Patrícia.

     -- Não me diga que ficou amiguinha dele -- riu de escárnio.

     -- Qual o problema?

     -- Bem, tem toda a questão da bronha no banheiro, né...

     -- Já dei um esporro nele. Se tivermos sorte, ele para com isso.

     -- Hum, parece que a nerdzinha tem atitude... -- Júlia desceu o olhar pela figura de Patrícia.

     Pat percebeu o jeito que a moça a seu lado a fitava. Sentiu o sangue subir às próprias bochechas ao mesmo tempo que entupiu a boca de bolachinhas.

     -- Fofa -- em voz alta, refletiu Júlia.

     -- Quê? -- o pescoço de Patrícia quase quebrou com velocidade que ela se virou.

     -- Nada, não -- embora confiante, a Watanabe desviou seu foco da novata.

     Confusa e embaraçada, Pat retornou a atenção aos restos de lanche caseiro. O clima ficou pianinho, apenas com Júlia não tirando os olhos de Patrícia. Finalmente, Rafael se encontrou com as garotas de novo, portando um guardanapo gorduroso em mãos.

     -- Foi mal pela demora, Pat. Deu bosta lá com o PIX e a tia Teresa quase enfiou o pastel no meu... -- Rafa lembrou da presença de Júlia -- Ah, e aí, Ju.

     -- "Ju", é? Quer dar, 'cê fala! -- brincou em resposta. Rafael revirou os olhos e Pat abafou uma risadinha.

     Chegou a hora de voltar para a sala de aula. Júlia se ergueu, ajeitando a camiseta.

     -- De volta aos estudos, infelizmente -- afastou-se dos colegas, acenando -- Te vejo depois, Punhetinha. A mesma coisa pra você, princesa.

     O "princesa" despertou algo em Patrícia. Em seu subconsciente, ela almejou que aquelas longas unhas tingidas de preto fossem postiças. Seu rosto de enrusbeceu ao pensar nas motivações de tal desejo. 

     -- Pat, qual é o feminino de cafajeste? -- Rafael cruzou os braços.

     -- Piriguete -- ainda envergonhada, disse seca e automaticamente ao guardar suas coisas na lancheira. Rafa até se surpreendeu com o tom da colega-quase-amiga -- Mas isso seria politicamente incorreto de se falar.

     Rafael bufou, reparando no estado de Patrícia. Ela devia ter caído nos encantos do Sete-Peles em forma de gótica. O alívio que ele sentiu assim que Pat disse que foi somente pega desprevenida pelas atitudes de Júlia não teve preço.

Mais Um Triângulo Amoroso Idiota (SAPPHIC EDITION!!!!!!!)Onde histórias criam vida. Descubra agora