Melissa entrou no carro da mãe, um modelo novo comprado há pouquíssimos meses. Pela primeira vez na semana -- além de ser uma ocorrência rara, de qualquer forma -- a Sra. Samantha Montenegro, mãe da jovem, viera buscá-la antes da primeira hora após o pico do Sol.
-- O que é isso na sua boca, Melissa? -- da visão afiada, a mulher reparou na ferida pelo espelho do carro. Deu partida no carro, afastando-se da calçada.
Falando em Samantha, pense em genes dominantes na família Montenegro. Igualmente loira, dos mesmos olhos claros e das mesmas mãos de princesa, que nunca bateram uma laje -- não que a autora já realizara tal feito. As únicas diferenças notáveis eram a idade e a forte cor de cereja do batom da progenitora.
-- Boa tarde, mãe -- Melissa não respondeu a pergunta feita a ela.
-- O que é isso na sua boca, Melissa? -- seu tom se tornou mais firme.
-- Não é nada. Só caí -- mentiu, cruzando os braços.
A luz vermelha do semáforo se acendeu. Samantha se virou para a filha. Fitou seus olhos.
-- Onde você se machucou? -- o lápis-lazuli do anel da mulher brilharia sob o Sol caso não fosse opaco.
-- No... chão. No chão. Eu caí no chão.
Samantha aproximou as pálpebras levemente, longe de uni-las. Suspirou.
-- Não minta para mim, Melissa.
A garota bufou. O olhar de sua mãe se irritou. Então, Melissa suavizou sua expressão, não querendo aborrecer a mulher.
-- O que aconteceu?
-- Uma menina me bateu -- nunca que a adolescente confessaria que foi ela mesma quem começou a palhaçada.
-- Como isso aconteceu? -- a luz verde do semáforo se acendeu, portanto Samantha voltou a se concentrar no volante.
-- Ela tava brigando com o meu namorado. Fui tentar falar com ela e... e ela começou a me bater.
-- Você não revidou, certo?
Melissa esfregou o lábio com as pontas dos dedos. As unhas longas rasparam a casquinha do machucado.
-- Não... não revidei -- baixou o olhar. Não queria enganar a mãe novamente, encarando-a. De qualquer jeito, a mulher reparou na linguagem corporal suspeita da filha.
-- Lá em casa conversaremos, sim? -- virou uma esquina.
-- Tá bom, mãe -- Melissa ergueu a cabeça, repousando-a contra as costas do assento. Graças a Deus o diretor não a advertiu com o infame papelzinho. Graças a Deus seu pai era um exímio patrocinador do IFM.
Graças a Deus, Samantha provavelmente esqueceria da conversa no carro e voltaria ao hospital -- psicóloga com doutorado -- como se nada tivesse acontecido.
...
Júlia entrou em casa. Com muita sorte, visto que a maçaneta estava emperrada e a moça só conseguiu movê-la na força bruta. Causou um barulhão.
-- Isso! Quebra a porta que já tá quase caindo!
A advertência -- se Júlia tivesse uma moeda para cada advertência que recebeu nesse dia, ela teria duas moedas; o que não é muito, ainda menos curioso que tenha acontecido duas vezes -- veio da mãe da garota, Yuna Watanabe. Uma mulher nipo-brasileira de estatura baixa -- Júlia pegou os genes paternos -- e cabelos curtos da cor do ébano, combinando com a pele branca como a neve e os lábios vermelhos como as rosas. Uma Branca de Neve nipônica, porém sem a beleza jovial da personagem fictícia. Lavava a louça do almoço, causando um desagradável ruído pela fricção entre a esponja e os pratos gordurosos.
-- Boa tarde pra senhora, também -- a menina revirou os olhos -- Cadê o pai? -- largou a mochila na poltrona em meio à sala de estar.
-- Já voltou pro trabalho -- fechou a torneira e enxugou as mãos na blusa -- Fritei um peixe e passei um purê de batata. Come aí -- torceu o nariz ao ver a desorganização da descendente -- Guarda a mochila no quarto, depois.
-- Pô, peixe? -- bufou Júlia, sentando-se à mesa e ignorando a reclamação da mais velha. Encarou a travessa gordurosa contendo um purê esquisito e uma espátula no mesmo estado do recipiente.
-- Acha ruim, passa fome! -- cerrando o cenho, Yuna passou a enxaguar os utensílios de cozinha na cozinha.
A adolescente resmungou um xingamento. Não foi nada intenso, uma vez que, caso fosse o caso, Júlia levaria uma coça da mãe.
-- Aconteceu algo pra senhora ficar emburrada assim?
-- Teu pai não faz nada, Júlia. Come, come e não faz mais porcaria nenhuma -- a mulher suspirou -- Com você com esse seu jeito, fica pior ainda...
-- Ou seja, eu sou uma filha ruim?
-- Não disse? Olha como tu pensa de mim, Júlia! -- apertou a esponja, sentindo a espuma escorrer de sua mão... para o chão -- Égua, acabei de limpar! -- rangendo os dentes, agachou-se, pegando uma flanela encardida de uma estante mais baixa.
-- Pelo menos não é essa gororoba -- brincou Júlia enquanto se servia.
-- Não fale assim da minha comida! -- tentando se manter calma, Yuna retrucou enquanto secava o chão -- Voltando à nossa conversa, você é uma menina difícil, filha. Não sabe o que quer, fica agressiva do nada... é complicado pra sua mãezinha, sabia?
Júlia sabia disso. Ano passado, sua mãe passara pelo hospital devido a um infarto no miocárdio. Toda essa comédia devido ao estresse experimentado por Yuna graças à arrombadice -- qualidade de quem é arrombado -- da filha e bunda-molice -- qualidade de quem é bunda mole -- do marido. As sensações nervosas não faziam bem a ela, logo sua descendente concluiu que não seria uma boa ideia mostrar à mãe a advertência física que recebeu do diretor. Qualquer confusão na escola vinda da gótica era capaz de elevar a pressão arterial de sua progenitora exorbitantemente
A questão é: não seria muito melhor se Júlia tentasse regular suas emoções e melhorar seu comportamento? Com toda a certeza. Entretanto, achas mesmo que, neste ponto da obra -- ainda estamos no início da história. Sim, isto será mais enrolado que One Piece -- a jovem detém de maturidade suficiente para entender isso? A mesma guria que começou uma discussão por conta de paixonites estudantis, contra-argumentou outra com base em xingá-la de "vadia" indiretamente e caiu no soco com a dita cuja?
-- Pelo menos, Júlia, você está mais controlada na escola -- Yuna esboçou um sorriso -- Foi na marra, com o esporro do Seu Inácio? Foi. Mas eu acho que tá dando jeito. Tu nem te metestes em confusão nessas últimas semanas!
Mastigando sua refeição, Júlia percebeu que realmente não era uma boa ideia mostrar a advertência.
-- É, mãe. Acho que é um progresso.
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Mais Um Triângulo Amoroso Idiota (SAPPHIC EDITION!!!!!!!)
RomanceMelissa Montenegro e Júlia Watanabe são bastante diferentes: uma é uma patricinha, filhinha de mamãe e arrogante; enquanto a outra é uma gótica que vive se encrencando com qualquer ser vivo que a incomode. Por conta dos interesses distintos, elas se...