Grupo no Zap Zap

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     A noite caiu. Em sua casa, no conforto de seu quarto, Patrícia criava o grupo do Whatsapp do ttabalho escolar. Nomeou-o como "Projeto de Simbolismo (Artes)" e adicionou suas parceiras de equipe. Sacudindo as pernas animadamente em sua cadeira, colocou o ícone como uma imagem de Paul Gauguin, pintor francês que fez parte do período simbolista.

     Quando terminou de organizar tudo, decidiu mandar uma mensagem para Rafael.
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Eu: oi oi oi
Rafa: eai
Rafa: como conseguiu meu número?
Eu: tá no grupo da escola
Rafa: ah é ksksksks
Rafa: mas eai
Rafa: oq tá fazendo?
Eu: grupo do meu trabalho
Eu: e tu?
Rafa: jogando
Rafa: vc é bem prevenida
Eu: obrigada 💖
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     -- Filha, já tá pronto! -- a mãe de Patrícia chamou da cozinha.

     -- Tô indo! -- berrou de volta.
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Eu: vou comer, Rafa
Eu: dps a gente conversa
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     Patrícia nem esperou pela resposta do amigo. Pulou da cadeira e saltitou até a cozinha. Rodeados pelo aroma da macarronada, a mãe e o pai da garota esperavam-na, sentados à mesa.

     A pele de Olívia, mãe de Patrícia, possuía um tom claro, porém destacado pelo corar suave das bochechas e da ponta dos nariz. Seus cabelos claros e ondulados alcançavam os ombros fortes, resultantes de anos de exercício. Míope como a filha, seus óculos vermelhos emolduravam o rosto pacífico, pertecentes ao mesmo corpo cujas mãos colocaram uma travessa de macarronada sobre a mesa.

     Já o pai da jovem, Valdir, contrastava a esposa com o tom bem mais escuro da derme. Seus olhos eram grandes e expressivos, escuros como o cabelo que uma vez já estivera em sua cabeça. Como bom servidor das Forças Armadas, tinha a cara e o corpo limpos, sem um fio de cabelo para contar a história. Já estava comendo, deliciando-se com o magnum opus da mulher que amava.

     Pat sentou-se junto da família, sendo recebida alegremente pela pululante Mel. A criaturinha canina fora recolhida no mês passado, salva de donos cruéis. Lambeu a perna da garota, que expulsou-a com um estalar de dedos.

     -- Deixa ela, Pat -- Valdir riu, acariciando a cabeça do animal.

     -- Não quero ficar com a mão cheia de pelo -- justificou-se, servindo sua refeição. Pegou as maiores e mais redondas almôndegas para si.

     -- Tem algum dever de casa, hoje? -- perguntou Olívia, já começando a comer.

     -- Não, mas vou fazer um trabalho pra entregar logo depois do Carnaval -- abocanhou um garfo envolto por macarrão. Mastigou e engoliu -- De Artes.

     -- Sobre o que é?

     -- Movimentos artísticos. Tenho que pintar um quadro simbolista.

     -- Que legal! -- a mulher sorriu -- É individual esse trabalho?

     -- Em grupo. Trio, na verdade -- comeu mais um pouco -- Sabe aquelas meninas que brigaram ontem?

     -- Putz! -- Valdir começou a rir, engasgando-se por um momento, porém logo se recompondo.

     -- Eras... -- suspirou Olívia -- vocês vão se reunir pra fazer esse trabalho?

     -- Sim, até porque nós três que temos que fazer a tela. Pode dar confusão se cada uma for fazer sua parte sozinha.

     -- E pode dar ainda mais confusão se elas se encontrarem e quererem brigar de novo -- sua mãe advertiu -- Qualquer coisa, vocês fazem aqui em casa. Não quero te deixar sozinha com duas meninas briguentas.

     -- Tá bom, mãe! -- sorridente, Patrícia deu de ombros e voltou a saborear seu jantar. Ignorou totalmente o fato de Mel lamber sua canela.

     ...

     A residência de Melissa era uma belezura. Segundo apartamento mais alto de um sofisticado condomínio vertical, era sinônimo da estética minimalista tão odiada pelo fandom de "casas de vovó". No entanto, mesmo os fãs mais assíduos de uma arquitetura rústica não poderiam negar que as lustrosas paredes brancas e os móveis poligonais tinham seu charme. Tudo fruto do trabalho duro de um empresário e uma psicóloga renomados -- é por isso, pessoal, que vocês precisam estudar.

     (Aliás, negligenciem o fato de que, no país em que vivemos, diploma e esforço não são garantias de emprego maneiro e muita grana. Dessa maneira, minha mensagem vai fazer mais efeito ;)

     Samantha Montenegro não ligava se sua filha mexia no celular durante as refeições. Até porque ela mesma o fazia. Tudo bem que os assuntos a serem resolvidos pela mulher eram muito mais relevantes que os da filha. Entretanto, Samantha não era o esmero da pedagogia -- embora fosse psicóloga, trabalhava mais com adultos -- e nem almejava ser. Desde que sua prole não levantasse a voz para ela ou caísse no mundo da libertinagem, ficaria tranquila.

     Graças à falta de valores recebidos da mãe, Melissa descobriu que estava em um novo grupo do Whatsapp: "Projeto de Simbolismo (Artes)". De início, a garota estranhou, todavia se lembrou do trabalho escolar e logo mandou uma mensagem:
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Melissa: mas já???
Melissa: Não é só pra daqui a duas semanas?
Júlia: sim mana
Júlia: pra n fazer tudo em cima da hora
Melissa: ata
Melissa: como se vc fosse responsável
Júlia: as pessoas mudam, Melissa
Júlia: n sei se vc percebeu
Melissa: pode até ser
Melissa: mas n ponho minha mão no fogo por ti n
Melissa: depois de ontem, então...
Melissa: 😬😬😬😬😬
Júlia: ki legal
Júlia: figurinhas 😍😍😍😍
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     Melissa rangeu os dentes. Por Deus, como Júlia era idiota. Desligou o celular com tudo e voltou a comer de cara emburrada.

     -- Aconteceu alguma coisa, Melissa? -- indagou sua mãe, sem tirar os olhos do prato repleto de strogonoff.

     -- Não -- resmungou -- Tá tudo bem.

     -- Então tá. Só não fique resmungando aí.

     Melissa bufou. Olhou para o lado, avistando a paisagem urbana, notável graças à conveniente varanda de seu apartamento chique. As luzes dos edifícios mais nobres piscavam, sejam de sacadas de andares habitacionais ou de janelas de escritórios prestes a encerrar ou iniciar suas atividades. A cidade ficava linda à noite.

     ...

     Assim que terminou de jantar e escovar os dentes, Patrícia pegou seu telefone novamente. Viu as notificações: as meninas descobriram sobre o grupo. Elas também já começaram a discutir. Pat balançou a cabeça. Seria uma experiência interessante no mínimo e, no máximo, problemática. Mas como a inteligência dos alunos brasileiros é mensurada em pontos, desistir ou fazer tudo nas coxas resultaria em catástrofe mental para a mocinha míope. O jeito era esperar o tempo de tomar decisões e encarar suas consequências.

Mais Um Triângulo Amoroso Idiota (SAPPHIC EDITION!!!!!!!)Onde histórias criam vida. Descubra agora