Projeto Escolar - Epílogo (É Mais Treta Que Trabalho)

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     Eu pulei todos os capítulos possíveis para o Carnaval. O que vocês precisam saber é que houve festa, treta, gravidez indesejada, assédio sexual, bandidagem, drogado e axé, como todo bom Carnaval brasileiro atualmente. Os protagonistas não estavam no meio dessa sacanagem, felizmente. Muito pelo contrário: Melissa ficou em casa enquanto sua mãe continuava a trabalhar. A mulher não tinha pacientes, porém passava as tardes calculando e analisando suas finanças. O pai da adolescente não parou quieto. Dono de empresa não folga, não. Enquanto o empregado dorme na boa, o patrão está de olho aberto para tudo a seu redor (isso se deve, na verdade, à toda cocaína que ele cheira graças a seu altíssimo patrimônio, mas isso não vem ao caso agora).

     Voltando ao assunto, durante toda a farra, Patrícia e Rafael ficaram fazendo suas próprias coisas, sem se envolver em maluquices: como fizera seus deveres no fim de semana -- e o trabalho de Artes na semana anterior -- Rafa passou os três dias de feriado jogando on-line. Já Patrícia também ficou em casa junto dos pais. Os três eram bem introvertidos, portanto detestavam celebrações envolvendo muita gente. Por sua vez, Júlia não deu bola para o evento. Ficou escutando as reclamações da mãe sobre a putaria que rolava durante a semana e ajudou ela nos trabalhos de casa ao invés de seu pai. E, obviamente, pensou por quatro dias inteiros sobre o beijo que deu em Patrícia.

     Euforia definia-a. Júlia pulava de lá para cá, mais hiperativa que um chihuahua. Corações formavam-se em seus olhos e flutuavam ao redor de sua cabeça. Esta girava com as possibilidades: os beijos seguiriam uma progressão geométrica, quintuplicando-se. Depois, o namoro seria oficial. Depois noivariam, Júlia pedindo pessoalmente a bênção dos pais de Patrícia. Depois, casariam-se. Depois, adotariam três gatinhos vira-lata -- assim como ela, Pat amava os felinos domésticos. Por fim, viveriam uma vida feliz para sempre, cada uma exercendo suas profissões, morando em uma linda casa no litoral e dormindo abraçadinhas toda a noite. Que sonho.
    
     Todavia, não era hora para sonhar. Naquela quinta-feira, Melissa, Patrícia e ela entregaram a tela para Brigitte. A professora aprovou bastante.

     -- Meninas, eu gostei muito do que vocês fizeram -- sorriu -- Essa aqui é você, Patrícia? -- Pat acenou com a cabeça -- Ficou muito bom. Adorei a ideia, a composição do cenário, o contraste das cores... ficou ótimo.

     Patrícia corou um pouco com a apreciação de seu trabalho. Júlia abriu um sorriso orgulhoso. Melissa agradeceu os elogios e voltou para sua carteira, seguida por suas colegas de equipe.

     Patrícia sentou-se ao lado de Rafael, que sinalizou para que ambos trocassem uma ideia:

     -- E aí? A Brigitte gostou?

     -- E muito! Eu, particularmente, também gostei. E como ficou a tela de vocês?

     -- Tá com o José -- apontou discretamente para onde estava o rapaz -- Embora tenha sido eu que fiz a maior parte do serviço, tá com ele porque a gente se reuniu na casa dele e pá. Pintamos "A Fonte", do Duchamp.

     -- Isso não é, tipo, plágio?

     -- Se é, a professora deixou passar. Mas isso não importa por hora -- bateu de leve na mesa, causando impacto, porém não o suficiente para chamar muita atenção -- Como foi pra falar com a Júlia depois de... você sabe? -- sacudiu as sobrancelhas.

     -- Ah, foi tranquilo. Quer dizer, claro que eu fiquei um pouco ansiosa e tal... mas a gente já 'tava bem sábado. Não tinha motivo pra ficar nervosa agora.

     -- Saquei... mas e aí? Ela que foi seu primeiro beijo?

     Patrícia tremeu na base. Discretamente fitou Melissa, que mexia no celular com uma expressão neutra. Sentiu um rubor tingir levemente suas bochechas.

     -- Patrícia? -- Rafael estalou os dedos.

     -- Sim -- respondeu prontamente -- Ela foi a primeira pessoa que eu beijei na boca.

     Rafa desconfiou da veracidade do que foi dito pela amiga, entretanto não quis pressionar. Apenas olhou de canto para Melissa, também.

     Falando nela, a loira disfarçava o ataque de nervos que borbulhava dentro de si. Tentava ignorar os olhares desconfiados de Rafael e os olhares aflitos de Patrícia. Tentava ignorar o fato de que não falou com Nina desde sexta-feira, fosse pessoalmente ou virtualmente. Na verdade, isolou-se do resto do mundo durante o Carnaval, recusando-se a conversar até com Clara e com José Carlos. Arrepiou-se ao lembrar que, teoricamente (praticamente também, convenhamos), seu namorado era corno.

     ...

     Durante o intervalo, Melissa decidiu retocar o brilho labial no banheiro. Primeiramente, estava sozinha, capaz de utilizar todo o espaço do espelho se quisesse. No entanto, sua solidão foi terminada e a garota que entrou não queria usar o espelho.

     -- Retocando o batom pra beijar ela de novo? -- perguntou Nina, plantando ambas as mãos sobre a superfície da pia.

     Melissa quase deixou o objeto cair dentro da pia. Virou-se para a amiga, uma gotícula de suor escorrendo por sua têmpora.

     -- Nina, não conta pra ninguém sobre o que você viu, por favor.

     -- Será? Puxa, eu não quero que o chifre do José Carlos cresça...

     A loira enrusbeceu-se, cerrando os punhos.

     -- Eu tenho que fazer alguma coisa pra você ficar quieta? -- tentou manter o tom severo, contudo falhou miseravelmente.

     As sobrancelhas de Nina subiram. Ela jamais imaginara que Melissa se conformaria tão rápido com sua chantagem. Sorriu maliciosamente, ponderando os favores que poderia pedir para sua amiga -- quem tem uma "amiga" dessas nem precisa de inimigos.

     -- Já que está oferecendo... eu quero um PIX semanal -- o requisito fez Melissa franzir o cenho.

     -- Tá bom...? -- mesmo confusa, a loira manteve a compostura. Era de avantajada família, portanto não se preocupou inicialmente -- Quanto que você quer? 50 reais, 100 reais...?

     -- 200 dólares.

     Os olhos de Melissa quase saltaram para longe de seu rosto. Ela foi erguendo e descendo os dedos da mão, fazendo uma conta de cabeça. Seus ombros relaxaram, impotentes, quando a ficha caiu.

     -- Nina, não tem como eu te dar mais de mil reais toda a semana.

     -- Eu 'tava brincando, mana! -- Nina abriu seu sorriso mais dissimulado -- Quero 200 reais por semana.

     -- Não fode. Não tem como eu te dar 200 reais por semana.

     -- Você não é rica? Teu pai não é empresário? Ele não trabalha em uns vinte negócios por mês?

     -- Sim, mas não tem a mínima condição d'eu ficar te transferindo mil reais por mês.

     -- Se você não pode me pagar, também não pode me impedir de contar tudo pro José Carlos. Ou pra Júlia, que vive atrás do rabo de saia da Patrícia. Ou pros teus pais. Ou pra toda a escola.

     Melissa paralisou. Engoliu em seco e respirou fundo. Massageou as têmporas, eventualmente enxugando o suor nelas. Respirou fundo mais uma vez.

     -- Quando começo a te pagar? -- seu tom era relutante.

     -- Podemos começar semana que vem, toda a segunda-feira. Tente não atrasar, caso contrário...

     -- Entendi, entendi. Agora posso continuar a retocar meu gloss?

     -- Claro -- Nina deu de ombros, entrando em uma das cabines do banheiro e fechando-a.

     Melissa bufou. Foi batendo à cada porta das cabines do banheiro, abrindo-as ao ver que estavam vazias. Todas estavam vazias. Um suspiro aliviado escapou de seus lábios. Foi o único daquele dia.

Mais Um Triângulo Amoroso Idiota (SAPPHIC EDITION!!!!!!!)Onde histórias criam vida. Descubra agora