Rodolffo estava cansado de ser humilhado.
Deitou-se e reviu toda a sua vida.Sem um tostão, apesar de trabalhar como um burro por um simples prato de comida que às vezes lhe era negado, ponderou todas as hipóteses.
Ir embora foi a que lhe pareceu mais certa.
Assim pensou, assim o fez.
Colocou algumas roupas dentro da mochila, vestiu o moletom de Juliette, pegou na biciclete e ao primeiro clarear da madrugada pôs-se à estrada.
Pedalou o mais rápido que pode. Só queria sair das imediações da fazenda para não correr o risco de o reconhecerem.
Passou por diversas aldeias. Em todas ele ia pedindo alguma coisa que comer. Felizmente nunca lhe negaram um pedaço de pão, uma fruta ou até um prato de arroz.
Agradecia e seguia viagem. O destino era a cidade grande, mas era tão longe.
Pernoitava junto a algum barracão, tendo o cuidado de pedir ao proprietário sempre que este aparecia.Enquanto isto, Juliette vivia triste. Sempre que o pai a visitava, ela pedia para a deixar ir à fazenda, mas ele negava.
Numa das últimas visitas, ele disse que Rodolffo tinha-se amigado com uma cabocla da fazenda vizinha.
- Isso é mentira, respondeu Juliette. Ele não ia fazer isso, eu sei que não.
- Juliette, o que se passa contigo? Tens 21 anos. Já está na altura de arranjares um marido.
- Eu quero terminar a Universidade.
- E essa história de Universidade. Tu vais casar, ter filhos e ser uma dona de casa. De que te vai servir a Universidade para cuidar dos filhos?
- E se eu nunca casar, nem quiser filhos?
- Vais casar sim. Eu já estou de olho no filho de um compadre meu. Ele está casadoiro e é de família rica.
- Eu vou casar com quem eu quiser.
- Estás muito rebelde. Eu sabia que o convívio com aquele negro não era boa ideia.
- Foi por isso que me afastaste por estes anos todos? E ele não é aquele negro, é o Rodolffo, e eu gosto dele sim.
- Tu nem sabes o que é gostar, disse Renato, saindo de perto da filha.
Rodolffo tinha chegado à última aldeia antes da cidade grande. Faltam só 3 kms, informou-o um aldeão que apanhava batatas, e a quem ele foi pedir àgua.
- O senhor faz esse trabalho sozinho?
- Tem que ser meu jovem. Não tenho ninguém de família e aqui na aldeia não há jovens para trabalhar. Já todos partiram à procura de vida melhor.
- Se me der um prato de comida e um canto para eu dormir, eu ajudo-o.
- E é só isso que queres?
- É senhor. Eu quero chegar à cidade grande, mas estou muito cansado e com fome.
- Então anda comigo. Hoje termino por aqui. Amanhã então acabamos os dois.
Raimundo, assim se chamava o aldeão, levou-o para sua casa. Vivia com a esposa que estava impossibilitada de andar por ter partido um pé.
- Maria, hoje temos visitas para o jantar.
Rodolffo cumprimentou dona Maria e enquanto Raimundo punha a panela ao lume iam conversando os três.
- O jantar está quase pronto. Se quiseres tomar um banho, ali é o banheiro. Só não temos água quente.
- Isso não interessa. Eu estou mais que habituado. Aceito sim, estou cheio de poeira.
Tomou um delicioso banho e depois foram jantar os três. Durante o jantar ele contou uma parte da sua historia.
Enquanto isso na fazenda, Etelvina e o marido espumavam de raiva ao constactar a fuga de Rodolffo. Perceberam a fuga pela falta da bicicleta e da mochila. Parte da roupa tinha ficado.
Agora o rendimento da casa era menor e era só por isso que eles estavam furiosos.