Nos dias seguintes fizeram correr a notícia da vinda do doutor Rodolffo, pelas fazendas vizinhas.
Rodolffo tinha decidido não ficar enfiado num hospital ou clínica. Queria fazer medicina ao domicílio. Ir onde fosse necessário. Acudir a quem precisasse, independentemente de ser rico ou pobre. Juliette ficou muito orgulhosa por isso.
Já tinha dias que chegaram e Juliette não ouviu Rodolffo mencionar uma vez sequer os padrinhos.
Resolveu abordar o assunto.
- Rodolffo, não quero ser intrometida, mas não pensas visitar os teus padrinhos?
- Não.
- Tu não és rancoroso Rodolffo.
- Aquela mulher eu nunca irei perdoar. Naquela casa nunca mais entrarei, nem como médico.
- Amor, tu não és assim.
- Juliette, só eu sei o que passei nas mãos daquela mulher. A fome e os maus tratos, tanto físicos como psicológicos.
- Mas, e o teu padrinho?
- Nunca me deu amor, mas também nunca me bateu. Palavras feias só mesmo no final, no entanto ele vive lá, por isso...
- Está bem. Não quero aborrecer-te com isso.
Juliette vinha-se inteirando da organização da fazenda. O pai dizia que estava cansado e queria ter tempo de brincar com os netos.
Rodolffo aproveitou para começar o seu trabalho pelos trabalhadores da fazenda.
Juntamente com a esposa, montaram uma pequena sala no exterior da casa onde ele atendia um por um.
Estava longe de ser um consultório, mas ali tentava dar o seu melhor.A acção chegou aos outros fazendeiros que pediram igualmente os seus serviços.
O maior problema detectado foi em relação à subnutrição dos trabalhadores.
Todos eles se queixavam da alimentação que recebiam.
Rodolffo em conversa com o sogro questionava o porquê de o pessoal não receber alimentação adequada.
- Mas eles são bem alimentados. Arroz, feijão, farinha...
- Não é suficiente e as doses são mínimas. Eu sei, porque já vivi isso. Embora eu viesse a casa na hora do almoço, eu via o que eles comiam.
Ninguém trabalha bem, fraco e de barriga vazia.
- Vamos resolver esse problema. Agora com a Juliette no comando, vocês falem sobre isso.
Apesar de Rodolffo já ter consultado todos os empregados da fazenda, havia um que não tinha aparecido. O seu padrinho.
Renato foi ter com ele e pediu para ele ir ver o doutor quando terminasse o serviço.
Ele respondeu que sim e realmente apareceu.
Rodolffo consultou-o como a outro qualquer e no final perguntou se precisava de dizer mais alguma coisa.
- Pensei que não me querias ver, por isso não vim.
- Estou aqui como médico. É minha obrigação ver toda a gente.
- Nós estamos muito arrependidos, Rodolffo.
- Agora é tarde. E para si é Dr. Rodolffo.
- A sua madrinha está mal. Podia ir vê-la, senhor doutor?
- Se precisa dos serviços de médico traga-a aqui. Naquela casa eu não piso.
Libério não disse mais nada e saiu.
Rodolffo recostou-se na cadeira e fechou os olhos.
- Não sou assim, mas não consigo perdoar.
Juliette entrou naquele preciso momento. Ainda viu Libério sair.
Abraçou o marido, sentou-se no colo dele e beijou-o nos lábios.
Conhecendo o marido, ela sabia que ele estava a precisar de conforto.
Ficaram abraçados durante algum tempo, ele com a cabeça encostada no peito dela e ela fazendo carinhos na cabeça dele.
- A Carolina? - perguntou ele para aliviar o ambiente.
- Está com o meu pai no jardim. Andam a plantar amores perfeitos.
- Amores-perfeitos. São lindas essas flores. Frágeis mas lindas.
- De flores percebes tu.
- Só da mais bela flor do meu jardim.
- E é? Sou isso tudo?
- Quem disse que eras tu? Já perdeste as pétalas. Tem um botãozinho que agora ocupa o primeiro lugar.
- Linda maneira de me chamares velha, seu cacto desidratado.
- Nunca serás velha para mim. E mesmo quando fores, ainda serás a minha menina.
- Bonita, completou ela colando os lábios nos dele.