Capítulo 26

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🍫🍒


Ficar sem comer não é a melhor das ideias, mas continua sendo inevitável.

Desisto quando o meu corpo se recusa a manter qualquer alimento no estômago, causando o mais puro desconforto. Ansiedade e tristeza são as culpadas, obviamente. É assustador o quanto a mente e o emocional, ambos abalados, podem refletir como uma doença no físico.

— Tente um pouco mais. Você não comeu quase nada direito desde ontem — dizia Susan, minha mãe, entre uma insistência cuidadosa e outra. Vagarosamente e após ter conseguido controlar a minha crise de choro, contei a ela fragmentos não tão diretos do pesadelo que tenho passado. Por isso, seu instinto materno entrou em alerta com detalhes do tipo: "minha filha tem que comer".

Realmente havia sido muito atencioso da parte dela correr até a cozinha em uma madrugada caótica para improvisar um jantar leve para mim. Peixe grelhado com legumes. Eu teria devorado a refeição em uma ocasião diferente, porém só consegui empurrar o prato com fraqueza, sinalizando a minha desistência.

Naturalmente, minha mãe possui mais tato e sensibilidade para lidar comigo do que o meu pai. Ele, por sua vez, parecia ansioso em silêncio, aguardando qualquer outro tipo de pedido ou manifestação de minha parte sobre o monólogo que aconteceu no carro. Não sabemos direito o que dizer um ao outro, apesar de que estou recebendo o espaço respeitoso que nunca havia sido oferecido a mim antes. Esse clima se instala até o momento de ir ao andar de cima, onde apenas eu subo nos primeiros minutos.



O perolado discreto do esmalte que usei nas unhas das mãos descascou e não é de hoje. Coisas banais como essa são o alvo de minha atenção enquanto tomo banho na banheira da suíte do quarto de hóspedes que um dia foi meu.

Em certo momento, abraço minhas pernas dobradas e apoio a cabeça de lado ali. A porta do banheiro não está totalmente fechada e minha mala foi deixada sobre a cama antes de qualquer coisa. Tirei dela uma delicada camisola de alças finas que também serve para horas como essa e vesti para o banho. Assim minha mãe não hesitaria em vir me ver, caso quisesse.

Com a água quente conseguindo fazer o mínimo para me acalmar, me pego fitando ao redor também. Esses detalhes que exalam riqueza confundem o que eu deveria estar sentindo agora. Chego a imaginar como tudo poderia ter tomado um rumo diferente se o meu pai tivesse agido melhor quando conheceu Willy. Se ele tivesse considerado pensar na felicidade de sua filha também por fazer uma boa ação, já que tem tanto...

Conhecendo quem Willy era — o quanto dói ter que falar ou pensar nele no passado —, convencê-lo de aceitar uma oferta tão grande não teria sido uma tarefa muito fácil. Mesmo assim, acredito que o agora estaria diferente.

— Tudo bem se eu entrar? — minha mãe pergunta após ter dado batidinhas na porta semiaberta.

— Sim — respondo sem me mover para nada.

— Trouxe chá.

Fico observando ela passar pela porta. Equilibrando com perfeição a xícara de porcelana em cima do pires, minha mãe mantém a elegância ao sentar na borda achatada da banheira. Há um bom espaço nas laterais para colocar diversos produtos de higiene, e é ali que ela deixa o chá para mim, com o adicional de um pequeno grande detalhe bem ao lado da xícara...

— Ah! Esse é o... — Reagi imediatamente, levantando a cabeça.

O inconfundível bombom de cereja do Wonka — aquele que embalou a nossa primeira noite de amor. A embalagem foi retirada pela minha mãe, restando apenas o papel com aparência laminada cor-de-rosa meio aberto. Consigo ver a letra W em dourado por cima do chocolate, coisa que Willy incrementou e aperfeiçoou com os dias.

Chocolate com Cereja - Willy WonkaOnde histórias criam vida. Descubra agora