vida no interior

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Diferente da cidade, eu não acordei com uma obra no vizinho, na realidade, acordei completamente sozinha, sentindo o ar de manhã me envolver enquanto me espreguiçava em meio aos lençóis macios e aconchegantes. Ao abrir a janela, me deparei com uma vista linda, mostrando os arredores da fazenda cobertos pela luz do sol que havia nascido a pouco tempo atrás, e a fina neblina que ocupava os pastos.

Ao ouvir meu estômago roncar de fome, decidi que era hora pro café da manhã.

Fui para a cozinha, tão faminta que não me dei o luxo de ficar apresentável para ninguém. Na mesa se encontrava minha tia, um homem mais velho, que se me lembrava bem se chamava Antônio, o ajudante da fazenda, e uma senhora, de cabelos brancos presos em um rabo de cavalo baixo, os três tomavam café e conversavam, imaginei que aquela cena iria se repetir com frequência. O olhar de todos foi para mim quando ouviram meus passos nada delicados após descer as escadas.

- Ah!Lauren! Venha aqui! - minha tia fez um gesto com a mão me chamando pra mais perto.

Vi no rosto da senhora uma expressão de surpresa, e foi quando notei que não havia penteado o meu cabelo e que o pijama que usava era um com a estampa de uma certa erva, que ganhei de presente de uma amiga.

-É.... essa é a minha sobrinha dona Vilma, o Antônio já a conhece.

- Oi. - estava sem jeito, completamente envergonhada.

- Eu preciso ir embora. - disse a senhora, já se levantando. - foi um prazer conhecer a sua sobrinha, Diana. Amanhã a gente conversa mais.

- Claro. - minha tia se levantou constrangida e meio atrapalhada. - até mais então.

- É melhor eu ir também. Tenho que trabalhar. - Antônio se levantou da cadeira, pegando seu chapéu de palha e se dirigindo até a porta, mas parando e se virando para nós duas. - Até mais, é um prazer revê-la senhorita Lauren.

- O prazer é meu.

Minha tia suspirou quando nos viu sozinha na cozinha, em frente a mesa de jantar que estava farta de comida. Ela encarou minha roupa, analisando de cima a baixo e sorriu, balançando a cabeça.

- Depois que comer, troque de roupa, e opte por uma que não seja tão ilícita assim. - foram suas últimas palavras antes de me deixar sozinha na cozinha.

Me sentei em frente a mesa, servindo um pouco de café fresco em uma xícara delicada. Ao sentir o gosto amargo e despertante da bebida, me senti melhor, e pensei em casa, lembrando que fazia muito tempo que eu não tomava um café passado na hora em vez de um expresso de máquina.

Ao ouvir passos descendo as escadas, tentei espiar para ver quem era e logo vi Camila, usando uma blusa azul clara, calça jeans gasta e apenas com meias em seus pés. Os cabelos presos em um rabo de cavalo alto com alguns fios rebeldes. Ela me encarou surpresa, por me ver ali, e talvez com raiva por estar me metendo no meio da sua vida.

- Bom dia. - ela disse, passando por mim e indo até a pia da cozinha, pegar um copo de água.

- Bom dia. - respondi tentando entender o porque estava com vergonha de estar completamente desarrumada e horrível .

- Estarei no estábulo, não demora, preciso de ajuda com algumas coisas. - sua expressão era séria, talvez até demais, imaginei se ela guardava algum receio de nossas brigas de criança.

- Está bem, eu já vou. - respondi antes que ela deixasse a cozinha e fosse até o lado de fora da casa calçar suas botas.

Suspirei, me sentindo confusa por sentir aquela vergonha, a necessidade de estar bonita para Camila, aquela menina chata e metida, mas que agora já era uma mulher e muito mandona.

Subi para o quarto e troquei de roupa, guardando o pijama no fundo do armário como um lembrete de não usá-lo com tanta regularidade. Vesti uma regata preta básica, que já estava quase andando sozinha de tanto que a usava, e uma calça jeans, tentando copiar Camila, pois ela parecia saber o que fazia. Quando fiquei pronta, corri até o estábulo, aproveitando o sol que já se encontrava fervendo às nove horas da manhã.

Chegando na porta do estábulo, vi Camila saindo de uma das baias com uma pá em uma mão e na outra um par de botas de borrachas.

- O que é isso? - perguntei apontando para as coisas que ela segurava.

- Calce a bota, pegue a pá e limpe as baias.

- Oi? - disse surpresa.

- É surda, é?

- Espera, você tá querendo dizer que eu vou limpar merda de cavalo? - disse indignada.

- Se você quiser definir como isso, sim. - ela deu de ombros, enquanto se aproximava.

- Eu passo. - dei um passo pra trás, rejeitando com a mão.

- Olha aqui, lamento se você pensou que ia ficar aqui de férias, mas olha que surpresa, você não está de férias. Se veio aqui pra ficar folgando nos outros, pode ir embora. - o sotaque do interior de Camila me fez rir, o jeito que ela pronunciava a letra r não mudara desde a última vez que nós vimos. - Então pega essa pá e limpar as baias, ou volta pra São Paulo.

Revirei os olhos, me entregando a situação e pegando a pá e as botas.

- Não precisa ser tão dramática. - disse enquanto sentava em um banquinho de madeira para trocar meus calçados.

A minha vida no interior estava prestes a começar. 


Cheiro de MatoOnde histórias criam vida. Descubra agora