Interior

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Quieta, perdida em meus pensamentos enquanto me encontrava no fundo do ônibus. Deixar a capital e seguir para o interior, era algo que me deixava feliz na infância, pois não ficaria lá mais do que duas semanas, agora ter de viver lá, sem um bom sinal de celular e sem Internet, pois minha tia se recusava a pagar por algo que acabaria com a cabeça dos jovens.

Sabia que tinha ferrado tudo, simplesmente por ter amizades erradas e ter feito merda quando tive a oportunidade de me formar em uma ótima faculdade e arrumar um ótimo trabalho.

Para me colocar "de volta nos trilhos" minha mãe teve a brilhante ideia de me mandar em um ano sabático para a fazenda da minha tia, no interior do estado.

Já havia me conformado que teria de aguentar aquela cidadezinha chata e entediante.

Quando o ônibus parou na rodoviária, vi de longe minha tia para em frente ao seu carro. Um largo sorriso surgiu em seus lábios quando me viu.

- Lauren! - seus braços se abriram, me chamando para um abraço apertado.

- Oi, tia. - disse, enquanto deixava minha mala de lado e a cumprimentava.

Quando seus braços me entrelaçaram, pude sentir o perfume doce e sufocador dela. Tinha certeza que havia feito uma careta e tanto.

- Como você cresceu! Da última vez que te vi você era uma menininha, agora já é uma mulher!

- É tia.

- Deixa eu te ajudar com essas coisas.

Ela pegou minha mala roxa, e a colocou na parte de trás do carro. Me senti na obrigação de a acompanhar na parte da frente. O caminho não era muito longo, mas era longo o suficiente para mil perguntas diferentes serem disparadas enquanto um sertanejo raiz tocava no rádio.

- Como está a sua irmã? - essa foi a última pergunta que consegui responder rapidamente antes que outra fosse disparada.

- Ela está bem. Começou a faculdade.

- Ah, que bom. Ela deve estar tão feliz. - um sorriso orgulhoso surgiu em seu rosto.

Me lembrei da minha mãe, quando soube que minha irmã tinha passado na faculdade, também tinha recebido aquele mesmo sorriso a dois anos atrás, onde a enchi de esperança de que fosse me formar, mas depois de ser uma grande decepção só conseguia me lembrar do olhar de desapontamento dela.

- Sua mãe disse que você precisa de um tempo longe da cidade.

- É, ela acha que me mandar pro fim do mundo vai mudar o meu ser ou algo do tipo.

- Talvez ela esteja certa. Vai ser bom pra você, e vai ser divertido, eu te prometo. - ela deu um leve tapinha no meu ombro. - Pode me ajudar com a fazenda, com os cavalos, você sempre gostou dos cavalos.

- É, quem sabe...

O resto da viagem foi silenciosa, sem nenhuma outra conversa, sem ser o comentário da minha tia quando começava a tocar alguma música que ela gostava, praticamente eram todas, e então a melodia preenchia o espaço.

Quando o carro estacionou em frente a casa, notei que nada havia mudado, parecia que tudo estava congelado no tempo, igual quando eu era criança.

- Vamos entrar e te acomodar, deve estar cansada.

Entramos na casa e passamos por todos os cômodos até chegarmos nas escadas de madeira, que levavam até os quartos no andar de cima. Quatro portas fechadas, um banheiro e três quartos, os quais me lembrava muito bem, pois era o meu esconderijo quando brincava de esconde-esconde com meus primos.

- Esse vai ser o seu quarto. - ela abriu uma porta, revelando o quarto onde ela dormia antigamente.

- Esse não é o seu quarto? - perguntei enquanto analisava a cama que agora era menor do que antes, e tinha menos coisas.

- Eu troquei de quarto quando vocês pararam de vir. Fui para o quarto maior.

- Entendi.

- Bom, fique a vontade, vou te deixar sozinha para arrumar suas coisas. O jantar é às 19 horas, mas fique a vontade se quiser dormir agora.

- Obrigada tia, eu vou descer pra jantar.

- Ótimo! Qualquer coisa é só chamar.

Assenti com a cabeça enquanto ela me deixava sozinha no quarto, que tinha apenas uma cama, um pequeno e velho guarda-roupa e uma escrivaninha perto da janela, que tinha uma bela vista para o pasto onde os cavalos costumavam a correr pela manhã.

Demorei um pouco para começar a me ajeitar, mas após guardar minhas roupas e colocar alguns quadros de casa em cima da escrivaninha, logo comecei a me sentir acolhida e não tão longe de casa assim.

Peguei meu celular, lembrando que minha mãe pediu que eu ligasse quando chegasse, mas o sinal era horrível, decidi descer até a sala e ver se lá pelo menos conseguia falar com a minha mãe, mas assim que abri a porta me deparei com a última pessoa que pensava ver depois de oito anos. 

Cheiro de MatoOnde histórias criam vida. Descubra agora