De volta ao lago

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As indicações do médico já me deixavam louca. Não podia sair do meu quarto, pois não podia fazer exercício físico por um mês, então as quatro paredes que me guardavam a alguns dias, já começavam a me dar vontade de sair correndo.

Meu único entretenimento era assistir Camila trabalhando pela minha janela. Às vezes conseguia vê-la passando à cavalo, e naquelas condições, aqui já era razão para a maior das minhas felicidades. Mas começava a ficar ansiosa, pois não tinha conversado com Camila desde que chegamos do hospital, e as palavras de Diana já tomavam conta da minha cabeça por completo.

- Bom dia flor do dia. - minha tia apareceu no meu quarto, com uma caneca de café em mãos. - já está acordada? Conseguiu dormir bem?

- Sim, eu dormi bem. - menti.

- Que bom. Está se sentindo bem? - ela me entregou a caneca, e começou a analisar minha escrivaninha que vinha sido lotada de remédios para dores de cabeça.

- Sim.

- Ótimo. - ela parecia inquieta, e me olhava como se quisesse contar algo.

- O que?

- O que o que?

- Você está querendo me falar alguma coisa? Porque parece que sim.

-Sua mãe ligou, ela estava preocupada com você, eu tive que contar. Porque não podia deixar de lado a parte que a sua filha foi parar no hospital por ter caído e batido a cabeça.

- E o que ela disse? - cruzei os braços, esperando ouvir a reação que minha mãe teve.

- Que gostaria que você ligasse para ela. Disse que você não está saindo do quarto por ordens médicas e ela disse para ligar assim que possível.

- Está bem, ligarei para ela depois.

- Não faz essa cara. Ela é sua mãe e te ama muito, se ainda estiver chateada com ela por ter te mandado para cá saiba que ela estava certa, e você melhorou muito desde que chegou.

- Eu sei, eu sei.

- Que bom que sabe. Agora vamos trocar de roupa, acho que um pouco de sol te fará bem, já que está mais branca que farinha.

- Vai finalmente me deixar descer aquelas escadas? - disse enquanto me levantava da cama.

- Sozinha? Nunca! Camila virá te ajudar a descer. Eu tenho que ir agora, preciso ir falar com um comprador de cavalos. Então seja educada e lembre-se de que ela já está fazendo muito por você.

- Muito por mim? Ela só pegou de volta os estábulos para limpar. Deve estar dando graças a deus que tem agora o mundo inteiro só para ela e não precisa me ver. - revirei os olhos e soltei uma risada nasal.

- Já te disse para não falar com esse tom sobre ela. - Diana levou as mãos até a cabeça, a balançando incrédula. - ai meu deus, quando essa menina vai perceber?

- Tia , tem como você parar com essas lições sem contexto? Já estou cansada de não entender nada.

- Tá vendo? É por isso que eu disse para a sua mãe deixar você repetir alguns anos na escola, porque interpretação não é o seu forte. Agora se mexe aí vai, daqui a pouco Camila vem te ajudar a descer. - Ela deixou o meu quarto, fechando a porta antes de sair.

Me troquei rapidamente, mas enquanto colocava a minha blusa, ouvi batidas na porta.

- Pode entrar! - vesti a camiseta, e quando terminei de passar o tecido pelo meu corpo, notei que Camila me secava com os olhos, parada na porta. Não pude evitar de sorrir maliciosa. - vai ficar ai me comendo com os olhos ou vai me ajudar a descer aquelas escadas?

- Cala a boca! Vamos logo, tenho mais coisas para fazer. - ela deu um passo para trás, me dando passagem.

Camila segurou o meu braço, suas mão estavam frias, e fizeram minha pele arrepiar por completo. A encarei por alguns segundos, com um pouco de vergonha, e comecei a descer mais rápido.

Quando chegamos na cozinha, disse que estava bem e não precisava mais dela.

- Sua tia me pediu para te acompanhar o tempo inteiro. Então não pense que estou fazendo isso por você só estou cumprindo ordens.

- Tá, mas você vai ver que eu sei me virar muito bem sozinha.

O dia estava nublado, e uma chuva poderia cair a qualquer momento, mas só de sentir uma leve brisa na minha pele, já podia sorrir largo, pois não sentia isso a alguns dias. Fomos até o lago, onde podia-se ouvir o barulho dos pássaros cantando alto e as vacas mugindo distantes. Me sentei na beira do lago, colocando meus pés na água gelada.

- Vai ficar doente. - Camila respondeu, enquanto ficava de pé, com os braços cruzados.

- Para de ser chata. - respondi, apontando para o meu lado.

Ela cedeu, tirando os sapatos e colocando os pés na água também. Ficamos em silêncio por um longo tempo, apenas encarando nosso pés embaixo da água, que balançavam para frente e para trás.

Aquele era o lago onde havíamos nos beijado pela primeira vez quando éramos crianças. Foi ali que tudo começou, e pensar nisso trazia sentimentos à tona e grandes dúvidas na minha mente. 

- Posso te fazer uma pergunta? - olhei para ela.

- Depende do que se trata essa pergunta.

- Por que você me odeia? - fui direta, deixando as palavras que chegaram a minha mente saírem pela minha boca, sem pensar.

Ela desviou o olhar, pude notar suas bochechas ficarem rosadas.

- Eu não te odeio. - seus olhos voltaram a me encarar. - mas me afasto porque não posso fazer isso. - ela apontou para nós.

- Por que não?

- Porque é perigoso Lauren. As pessoas aqui falam, e odeiam pessoas como nós. - ela ficou irritada.

- Não é verdade, Keana e eu temos algo e ninguém fala sobre.

- Ai meu deus! Você ainda acredita nisso, não é? - ela riu, incrédula.

- Sim, acredito. - respondi, me defendendo. Não sabia se realmente acreditava, mas não iria baixar a guarda naquele momento.

- Então olhe a situação mais detalhadamente. Ela não ligou para você, enquanto você estava no hospital, não foi te visitar nenhum dia. Sabe por que? - sua voz subiu de tom.

- Por que? - a minha também ficava mais alta a retrucando.

- Porque ela sabia que se fosse te visitar seria suspeito demais, e as pessoas iriam se perguntar o motivo da filha do prefeito ter corrido para ver uma "amiga" que já marca a sua fama. Então realmente acha que ela se importa com você? - podia ver a tristeza profunda no olhar de Camila.

- Acho! Por que ela não me afastou, como você fez.

- Ela não liga para você, Lauren! Nunca ligou e não vai ligar!

- Ninguém liga! - me levantei, começando a ficar com raiva, e sentindo lágrimas se formarem em meus olhos, deixando minha visão embaçada.

- Eu ligo! - ela também se levantou, ficando frente a frente comigo. - Eu ligo, sempre liguei! Foi eu que fiquei com você no hospital! Eu que não deixei o seu lado! Nem por um minuto! Por que eu não iria me perdoar se você não acordasse. - percebi que ela também chorava.

Não tive reação. Então as palavras de Diana fizeram sentido, Camila fez de tudo por mim, coisas que Keana não fez e não faria. Era Camila quem realmente iria ficar comigo. E de repente meu corpo começou a agir por mim.  

Me aproximei, e assim que percebi que Camila não se moveu, continuei, até que pude sentir a respiração que tinha um ritmo desregulado. Não conseguia parar, mesmo que soubesse que depois daquilo ela poderia me matar e parar de falar comigo, mas precisava ir até o fim. Levei minha mão até o seu rosto, acariciando suas bochechas macias com meu polegar, apreciando a sua beleza por alguns segundos.

Meus lábios tocaram os seus, que não recuaram, e aprofundaram o beijo, me dando passagem para apreciar cada parte dela. Eu amava Camila, naquele momento, eu realmente a amava, e nada mais importava. 

Cheiro de MatoOnde histórias criam vida. Descubra agora