ligação

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À tarde, enquanto descansava, o telefone da casa tocou e logo pude ouvir a voz da minha tia me chamando.

- Lauren, é a sua irmã!

Desci as escadas correndo, era a primeira vez que eu me comunicava com alguém de casa desde que cheguei na roça.

Peguei o telefone amarelo que era mais antigo que eu, porque ainda era de disco e preso na parede. Mal conseguia me lembrar da última vez que usei um eletrônico daquele, que impossibilitava o deslocamento.

- Alô? - disse, colocando-o perto do meu ouvido.

- Lauren? Finalmente, estava esperando você ligar já faz um dia! - a voz desesperada de Taylor me fez rir.

- Foi mal, eu ia ligar, mas fui dormir cedo.

- Então tia Diana já te deu trabalho?

- Já. Você não vai acreditar! - disse, animada, me ajeitando na parede para ficar confortável o suficiente para começar uma fofoca.

- O que?

- Lembra da Camila, aquela menina chatinha, que ficava atormentando a gente quando éramos crianças?

- Aquela que chorava o tempo todo?

- Essa mesma. Então, parece que os pais dela deixaram ela aqui e foram pro Mato Grosso, sei lá, aí ela está morando de favor aqui.

- De favor? - Taylor parecia mais surpresa.

- É, ela ajuda com a fazenda, e aparentemente compete em rodeios da cidade. Inclusive, vamos a um hoje.

- Nossa, achei que ia demorar pra você se enturmar, mas pelo visto já está a própria agrogirl. - pode ouvir sua risada, parecido com um suspiro, que me fez imaginá-la sorridente, e aquilo me fez sentir saudades.

Um silêncio pairou, um breve momento antes do assunto o qual estavamos evitando falar sobre, chegasse.

- Como vocês estão?

- Bem, estamos bem. Iremos para o litoral essa semana.

- E mamãe?

- Ela ainda está irritada, mas sente a sua falta. É para o seu bem Lauren. Logo poderá retornar para casa, quando se sentir melhor.

- Me sentir melhor? Taylor, você sabe que...

- É melhor eu ir, preciso terminar um trabalho da faculdade. Mas epois eu ligo de novo.

- Taylor...

- Tchau, te amo.

Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa ela desligou. Os ruídos do telefone ocupavam o lugar onde a poucos segundos ouvia a voz de minha irmã.

Suspirei, colocando o telefone de volta no apoio. Olhei à minha volta, e comecei a me culpar novamente, por estar naquele lugar e por ter de fazer com que a minha mãe me expulsasse de casa.

- Pronto querida? - a voz de Tia Diana chamou a minha atenção.

- Sim. Eu acho.

- Bom, eu preciso ir até a cidade comprar algumas coisas. Você quer alguma coisa?

- Não, tia, obrigada. Acho que vou dormir um pouco.

- Está bem, volto logo.

Assenti com a cabeça, e a vi sair da casa e fechar a porta, me deixando sozinha em casa.

Não fazia ideia de onde Camila havia se metido, e nem queria imaginar, provavelmente estava com aquele menino de novo, conversando em vez de trabalhar. Na tentativa de não pensar nisso, subi para o quarto, quando me deitei em minha cama percebi como estava cansada, e deixei o sono me vencer.

Por alguma razão minha imaginação ganhou forças e me levou a imaginar uma cena horrível e sem nexo. Camila agarrada com aquele garoto, eles rindo e conversando, as mãos dele muito próximas dela, próximas até demais. Ele a olharia com desejo e ternura, e ela se sentiria obrigada a retribuir as sensações, com a pressa de terminar tudo rapidamente antes que alguém entrasse, alguém como eu, que estaria no lugar errado e na hora errada. Eles pularam para longe um do outro, ajeitando suas roupas e os cabelos, mas com o constrangimento estampados em seus rostos, eu abriria minha boca na tentativa de dizer algo, mas antes de falar qualquer coisa, o ruído do telefone me interromperia e logo Camila não estaria mais em minha frente e sim minha mãe, com aquele olhar de decepção, ela não diria nada, em vez disso, as sirenes da polícia ecoavam em minha cabeça.

- Lauren!

Eu acordei. Desnorteada e perdida, tentava me lembrar de onde estava.

Minha tia estava parada na minha frente, de braços cruzados, e já pronta para sair, usando uma camiseta branca com alguns brilhos na gola, uma calça jeans preta e botas novas, seu cabelo era solto e volumoso e não preso no rabo de cavalo feito às pressas de sempre.

Olhei para a janela, já estava escuro, tentei procurar um relógio, mas meu celular estava longe demais.

- Desculpa tia, acho que acabei dormindo demais.

- Eu percebi. Levanta, coloca alguma coisa e vamos logo. Tem dez minutos para ficar pronta. 

Cheiro de MatoOnde histórias criam vida. Descubra agora