Prólogo

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Uma manhã de segunda-feira insistia em invadir o meu quarto de hotel, com seus raios de sol transpassando o viés delicado da cortina cinza, que, infelizmente, não era blackout. Eu esperava mais de um hotel em Abu Dhabi, mas já que tinha escolhido em qual ficaria, não fiquei com raiva.

Eu estava me arrumando para quando o serviço de quarto viesse trazer meu café da manhã. Não queria estar desarrumado na hora. Antes, eu até poderia. Mas, naquele momento, só queria mostrar o melhor de mim para qualquer um que aparecesse.

Não é todo dia que você é campeão mundial de Fórmula 2... ou melhor, o bicampeão.

O som suave de três batidas na porta interrompeu meus pensamentos.

Fui abri-la de imediato, arrumando meu cabelo atrás da orelha. Ele estava bagunçado, como todo cabelo ondulado depois de uma noite tranquila de sono, com frizz bem evidente no topo dele.

Pelo que uns colegas me contaram, as garotas se amarram em caras com cabelo grande, principalmente quando parecem que eles esquecem de cortá-lo ou quando são na altura do queixo. Azar delas; meus cabelos só cobriam um pouco de minhas orelhas e eu não queria que crescessem mais que isso; já me davam trabalho demais.

Por causa disso, sempre me disseram que eu era literalmente idêntico ao Jacques Villeneuve em sua passagem pela F3000, principalmente o cabelo... e o rosto também. Meu pai colocou o nome dele em mim porque simplesmente tinha achado bonito, e devo admitir que essa virou uma coincidência muito engraçada.

Acabei tomando um pouco de raiva das revistas e jornais que faziam questão de enfatizar essas semelhanças entre eu e o Villeneuve, pois não achava justa tal comparação, mas ainda assim sempre os guardei com bastante carinho e cuidado para poder lê-los novamente no futuro.

Um funcionário do hotel entrou com um carrinho. Havia várias coisas interessantes em cima dele: bacon e ovos dispostos de forma chique num prato branco sem nenhum arranhado, pão australiano, um pote de geleia de frutas vermelhas com mel para passar no mesmo... e pasmem, um copo de meio litro de frappuccino de caramelo e morango bem gelado. Não tinha gelo nele a pedido meu, para não derreter e perder o sabor.

Agradeci a ele várias vezes. Ele nem havia me reconhecido e tal coisa realmente era planejada. Inventei para mim mesmo a alcunha "Dominique Rosseau" para sair e entrar despercebido do hotel e ter um pouco de paz, mesmo que eu não fosse lá muito famoso.

Enquanto ele colocava as coisas na mesa de canto, um turbilhão de pensamentos me passou pela cabeça. A adrenalina, a pressão, a glória. Todas as coisas que eu havia feito e sentido naquela noite. Subir no pódio e abrir aquela champagne pela décima sexta vez na temporada e tacar na cara dos meus colegas novamente foi incrível.

Lembrar de tudo aquilo me fazia ficar paralisado, como num transe, com prazer de repassar aquelas imagens e filmes em minha cabeça; eu estacionando o carro na vaga de primeiro lugar, o pessoal da equipe chorando, eu me jogando quase que em cima deles para que conseguissem me abraçar por cima da barreira, o pódio chovendo espumante, meu amigo Tony tacando o dele em cima de mim enquanto Karson virava a garrafa toda na boca parecendo querer ficar bêbado e cair dos quartos ali mesmo. Aquele frescor da bebida entrando por meu uniforme, molhando meu cabelo e o fazendo ficar com um cheiro levemente enjoativo, mas reconfortante, ainda estava estampado em minha memória como água sanitária em tecido preto.

Olhei para o troféu na escrivaninha e sorri. Vê-lo bem ali, naquelas circunstâncias, fazia com que as emoções do dia anterior se confirmassem como verdadeiras, que não havia sido mais um sonho ou algo passageiro. Eu sabia que nada seria como antes, e tal informação fazia com que sentisse uma empolgação enorme correr por todo o meu corpo, mas também uma ansiedade descomunal que insistia em se estabelecer em meus pensamentos, e infelizmente, ela era muito bem justificada.

Eu estava empolgado para a próxima temporada; sentir aquilo tudo de novo e de novo. Mesmo com o fato de que a renovação de meu contrato estava nas mãos do pessoal da ARTY Racing, me sentia confiante quanto a uma boa extensão dele.

Porém, apesar de tudo, eu me sentia estranho, como se estivesse no lugar errado, e o medo de alguém perceber isso e me oferecer uma oferta irrecusável figurava entre os meus pensamentos mais profundos. Eu tinha os meus motivos para temer sair de meu lugar, e não era por causa de ter que dividir a pista com Hamilton ou Verstappen.

O GP de Abu Dhabi era a última corrida, e eu ganhei ela. Ganhei o campeonato de ponta a ponta. Duas temporadas na Fórmula 2, dois títulos mundiais. Apesar da pressão e das preocupações, eu era o ápice da performance, mas também o cara que muitos se dividiam para falar sobre. Eu sabia que não estava completo, que não seria apenas aquilo; sabia que algo ia acontecer. Tudo há um preço, e o que eu devia pagar poderia ser fatal.

𝐆𝐋𝐎𝐑𝐈𝐀 𝐄𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐌𝐀𝐒 | Fórmula 1 [EM HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora