Solidão consolidada

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Hades

Esperei aquela festa idiota terminar antes de fugir para qualquer lugar menos aonde eu estava. Corri para as árvores do Elísio com desespero. Eu queria poder gritar. Eu não aguentava a tortura de ver o quanto eu tinha perdido o controle.

Eu nunca seria feliz. As memórias tinham voltado completamente. E não conseguia me livrar delas. Minhas lembranças voltaram com tudo. Nem o Rio funcionara apesar de eu ter pulado, nadado e ter sido levado pela correnteza.

— Por favor... Me desculpe — Me ajoelhei em um ponto mais alto do gramado entre as árvores. Eu nunca imaginei voltar aqui.

O túmulo do rei e rainha dos Titãs era em um gramado belo no Elísio. Flores cobriam o túmulo. Eu nunca soube porque tinham crescido ali logo que eu os enterrei. Zeus havia exigido levá-los e jogá-los no tártaro. Mas eu não havia deixado. Deixei que os futuros deuses pensassem tal coisa. Afinal era visto como fraqueza. Mas eu nunca iria fazer isso com meus pais.

— Pai... Eu me lembro de tudo... Me perdoe por favor... Eu não vou aguentar! Eu não suporto viver com isso! Sabendo que vocês dois morreram por estarem cansados de nos ver nos destruir aos poucos.

Toquei a terra com um soluço nos lábios.

— Me perdoe. Deveria ter me devorado. Deveria ter me sacrificado desde o início. Mas vocês preferiram perder o amor que tinham no coração e todo o resto da alma de vocês para eu poder viver...

Deitei ao lado da grama com um grito preso na garganta.

— Vocês sofreram uma maldição terrível porque me amaram. Porque amaram a mim e a todos nós. Se Zeus me ouvisse saberia o motivo de tudo ter saído do controle. Eu sei oque aconteceu. Não pude falar para vocês o quanto sentia muito. O quanto eu me arrependi de ter me virado contra vocês. Era para sermos uma família. Meu pai,... você devorou meus irmãos com medo de eles sofrerem o mesmo que eu... Eu não sabia eu sinto muito. Eu entendo. Você sabia que Zeus iria te matar e acabar com a ameaça que nos perseguia. Você sabia que se mandasse Zeus para longe ele seria o motivo de nossa salvação. Você viu nele oque lhe foi previsto. E devorou meus irmãos somente por tempo suficiente para não serem alvos como eu até Zeus voltar para casa.

Era por isso que minha alma tinha sido arrancada. Desde criança eu era um alvo. Eu não sabia a verdade. Eu não sabia o motivo de permanecer trancado todo o tempo naquele quarto. Mas quando crescido descobri que era caçado. Era caçado e seria extinguido se  meu pai não me mantesse o mais longe possível das pessoas. Devorava meus irmãos para não se apegar e protegê-los da melhor forma que podia. Ele não queria ver mais um filho dele condenado a escuridão solitária. E com o tempo nem mais sabia quem era por devorar os próprios filhos e tentar me manter seguro da melhor forma vendo como eu estava. Ainda lembrava as brigas com a minha mãe. Ela queria me ver mais livre do que naquele lugar mantido pela super proteção do meu pai. Mas assim que virei um alvo ele não acreditava na própria sorte e tinha medo da própria felicidade. Medo de eu não ter um futuro. Então ele tinha escolhido o meu ódio. O ódio dos meus irmãos para que todos nós pudéssemos sobreviver e não ser alvo de algo pior do que ele era.

Meu rosto se contorceu em angústia e lembrei quando me tornei o Deus dos mortos. O dia fatídico que enterrei meus pais e os preparei para o descanso eterno, mesmo sabendo que eles não tinham destino, como as almas no meu reino. Suas essências iam emergir no mundo a fora como algo tão natural quanto a própria terra. Algo independente da mão de qualquer deus. Naquele momento, as diversas vozes no meu Reino que na época era sombrio me chamaram e dançaram vendo em mim um salvador. Um alguém que iria tranquiliza-las depois de sofrer tanto. Um alguém que iria dar a chance delas de se redimirem. E de poder ter algo a mais do que sofrimento se assim desejassem.

Meus olhos embarcaram com as lágrimas.

— Eu prometi para mim mesmo que ia cuidar dos meus irmãos. Eu prometi que cuidaria e amaria eles e os ajudaria. Mas eu perdi... Eu não consegui ajudar ele. Zeus foi consumido por algo tão sombrio. E eu não percebia o monstro que ele se tornava. O amava demais para isso... Me desculpa!

Minhas palavras e lágrimas pararam quando senti braços a minha volta. Braços finos e bronzeados. Mesmo que agora um pouco mais pálidos do que quando estava na superfície.

Perséfone estava ali. Estava ali e me abraçava. Eu olhei para ela que estava chorando também. O rosto lindo estava levemente vermelho.

— Se alguém no mundo tem que pedir desculpa. Sou eu... E todos que duvidaram de você... — ela tocou meu elmo com tristeza — Eu não tenho medo de você. Eu nunca vou ter medo de você. Eu vi... — ela sorriu triste e uma lágrima escorreu pelo seu rosto — Eu vi quem eles são. Eu vi o amor que sente, Hades. Eu não sei como vou poder ajudar mas eu vou. Não sei como posso me redimir pela maneira que agi aqui mesmo você sendo tão gentil mas eu juro que farei o meu melhor. E saiba. Que Poseidon falou comigo... Ele falou que não suportaria vê-lo assim de novo. E eu posso garantir que eu não vou deixar. Ele te ama tanto que ficaria no seu lugar e não se importaria com nada...

Meus olhos estavam arregalados com as palavras da jovem. E tive vontade de rir. Eu percebi que quando estava nervosa ela não parava de falar. Era uma atitude adorável. Me senti melhor no mesmo instante que ela me abraçou. Não sabia porque mas ficaria séculos apenas naquele abraço. Ela era doce como as flores.

Me perguntei oque ela fazia ali. Eu não havia percebido sua chegada. Seu rosto cheio de lágrimas parecia quebrar meu coração. Ela era vivaz e animada demais. Não gostei da sensação de vê-la chorar.

Toquei seu rosto tentando limpar suas lágrimas. E ela paralisou e se entregou ao toque fechando os olhos. Ela era tão linda.

— Tudo bem? — ela perguntou e eu acordei dos pensamentos.

Eu acariciava sua bochecha com carinho. Nem percebia que ela estava corada. E aquilo pareceu me quebrar. Me afastei aos poucos me recompondo.

— Vamos voltar? — questionei como se nada tivesse acontecido — Minha noiva deve estar me procurando.

— Claro... — ela falou indecisa com os olhos presos a mim ainda. Os olhos verdes me prenderam mais uma vez.

— Claro — repeti e andei alguns passos. Mas ela não pareceu sair do lugar — Preciso de uma jardineira ultimamente. Meus jardins no Palácio são escassos. Se isso lhe interessar gostaria que me ajudasse com isso. Vai ficar mais um tempo aqui imagino... — tentei disfarçar meu nervosismo não entendendo porque era tão importante não deixá-la ali sem mais uma palavra.

— Adoraria, Hades — ela falou sorrindo e meu corpo enrijesseu.

Não era possível que meu nome poderia me afetar. Mas aquilo me chocou. O som do meu nome nos lábios dela. Eu balançei a cabeça em negação e tentei pensar em qualquer outra coisa que não fosse que ela me chamara pelo meu nome. Não por um título. Ou no sorriso que ela me lançava. Tudo menos aquele sorriso.

Perséfone

O toque dele. Eu não sabia ao certo oque era aquilo. Mas me deixava tranquila. Era reconfortante.

Ver ele chorar me afetará mais do que eu imaginava. Ouvi todas as suas palavras de desespero no túmulo dos pais e aquilo foi tão doloroso que não consegui apenas olhar para ele e não o reconfortar. Eu faria de tudo para compensar meu engano. Ele nunca me faria mal, não faria mal a ninguém. E eu teria de provar isso para o Olimpo. Mas enquanto eu estivesse aqui eu ia dar meu máximo para me recompor e ajudar a fazer oque era certo.

Ainda não sei ao certo oque eu tinha sentido com a proximidade com o Deus dos mortos. Mas a cor forte presente do meu rosto me acompanhou pelo resto do dia.




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