Das minhas memórias mais antigas até as mais atuais, a cena mais recorrente na minha mente é a da repressão do meu pai, ou a superproteção da minha mãe, era sempre um “não”, “nem pensar”, você ainda é muito nova para isso”, não me lembro de alguma vez eles deixarem eu fazer algo relativamente normal para as outras garotas da minha idade sem muito custo da minha parte, sempre as melhores notas, vários hobbies, moldada para agradá-los da melhor maneira. Quando contei sobre ir estudar em outro país, omiti que grande parte do esforço para sair de perto deles se deve ao fato de me sentir sufocada, a sensação era de ser apenas uma boneca em suas mãos para eles brincarem da forma que quisessem, não era vista como um ser humano com desejos e vontades próprias, meus amigos, os locais que frequentava, tudo moldado e escolhido por eles, no fim das contas não importa o quão forte eu tentasse, o quanto eu quisesse alguma coisa, a palavra final sempre partia deles e tinha que ser respeitada a todo custo. Tem dois anos que não nos vemos pessoalmente, de certa forma sinto saudades deles, não do que vivi com eles, mas da figura materna e paterna que a garotinha dentro de mim, ainda vê como necessárias em sua vida, até porque apesar de tudo são meus pais, na minha cultura manter a família unida e por perto é uma coisa muito forte, mesmo com tudo isso ainda não tenho vontade ou coragem de ir visitá-los, a verdade é que tenho medo, medo das coisas voltarem a ser como eram antes de me mudar, medo de voltar a ser apenas uma figurante na peça da minha própria vida.
– Cecilia mesa cinco – Audrey passa por mim e desliga a luz vermelha que piscava ao meu lado, ando tão avoada nos últimos dias que não havia percebido o sinal da mesa chamando.
– Okay – Pego o celular do bar no bolso da minha calça e vou em direção a uma das maiores mesas que tínhamos.
A mesa era basicamente composta por homens por volta dos trinta anos, ocupando um dos lugares reconheço Collin, um irlandês que frequenta o bar assiduamente.
– Boa noite, já sabem o que vão pedir? – Sorrio simpática evitando contato visual com Collin. O homem quase dez anos mais velho não perde uma oportunidade de se declarar para mim e não que isso me faça ficar muito confortável, porém deixo passar batido, afinal ele sempre fui muito respeitoso e nunca sequer cruzou algum tipo de limite comigo. Com o passar do tempo não posso negar que essa mania dele está começando a me irritar, às vezes acho que Collin realmente acredita que nós dois ainda teremos algo, ou que alguma de suas investidas serão correspondida por mim, o que não é verdade, ele até que é um cara legal, não quero acabar lhe dando falsas esperanças, nem nada do gênero, ainda mais que o homem é do tipo que não desiste fácil.
– Duas Ipas, três Largers, duas Bitters, um Irish Bomb e um Dry Martini – Anoto tudo no celular e envio o pedido, que provavelmente já estava sendo impresso para o Barman – Se possível sua companhia também – Ele finaliza e eu controlo a vontade de revirar os olhos.
– Se é só isso, vou buscar seus pedidos – Sorrio fechado ignorando seu comentário, guardo o celular novamente em meu bolso e caminho em passos largos até Jimin que estava em pé encostado no balcão, ele analisava suas unhas de maneira despreocupada somente esperando alguma mesa chamar, trabalhar em dia de semana é tão mais tranquilo.
– Como foi com o Collin? – Ele pergunta assim que estamos próximos o suficiente.
– O de sempre né – Suspiro pesado.
– Nunca esqueço da vez que ele ficou esperando seu turno acabar para te comprar uma bebida, só porque você disse que não podia beber em serviço. O pobre coitado ficou sentado em uma banqueta das sete da noite até as quase duas da manhã e você fugindo dele – Jimin gargalha com a lembrança. Me escondi na cozinha nesse dia, na esperança que o homem acabasse me esquecendo, indo embora, isso não aconteceu e no momento em que coloquei meus pés para fora daquela cozinha ele chamou meu nome animado.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Mirrorball
FanfictionDurante os dois anos em que Cecilia vive na Inglaterra, sua interação com seu vizinho tatuado que vive com um cigarro mentolado preso entre os lábios, é limitada a breves palavras. Contudo, um momento de desespero a leva a contar uma mentira precipi...