DaisyNão é uma boa noite.
O alçapão do sótão fica no armário que divido com minha irmã. Depois de mandar a mensagem de boa noite para Ellie, subo nas três prateleiras, que estão abarrotadas de tecidos, e empurro a portinha com as pontas dos dedos para cima até ela se mover para a esquerda.
Olho para trás por cima do ombro e noto que Lily não desviou os olhos do celular. Subir para o sótão e deixá-la para trás deve ser algo que faço com frequência. Quero convidá-la para vir comigo, mas já foi cansativo demais convencê-la a ir jantar. Fica para a próxima, penso. Vou descobrir como resolver as coisas entre nós duas.
Não sei por que, mas enquanto me ergo pelo buraco e entro num espaço ainda mais apertado, visualizo o rosto de Ellie, sua pele clara e macia. As sardas. Seus lábios rosados. Beijei sua boca tantas vezes e mesmo assim não me lembro de um beijo sequer.
O ar está quente e abafado. Engatinho até uma pilha de travesseiros e me encosto nela, estendendo as pernas na minha frente. Há uma lanterna em cima de uma pilha de livros. Eu a ligo e examino as lombadas: são histórias que conheço, mas que não me lembro de ter lido. Que estranho ser feita de carne, se equilibrar em ossos e ter uma alma que nunca conheci.
Pego um livro de cada vez e leio a primeira página. Quero saber quem ela é, quem eu sou. Depois que já vi toda a pilha, encontro um livro maior na base, encadernado com couro preto enrugado. De início, acho que encontrei um diário. Minhas mãos tremem ao abrir as páginas.
Mas não é um diário. É um álbum de recortes. Com cartas de Ellie. Cartas que Ellie me escreveu. Sei porque ela assinou todas com um E.W riscado, com traços irregulares. E sei que gosto da sua letra firme e diferente. No topo de cada bilhete tem uma foto presa por um clipe, presumidamente uma foto que Ellie tirou. Leio um após o outro, estudando as palavras. Cartas de amor. Ellie está apaixonada.
É lindo.
Ela gosta de imaginar uma vida comigo. Numa carta escrita atrás de uma sacola de papel pardo, ela detalha como vamos passar o Natal quando tivermos nossa própria casa: em uma fazenda, sidra de maçã misturada com bebida alcoólica perto da árvore de Natal, massa de cookie crua que nós duas comemos antes mesmo de botar para assar. Ela diz que quer fazer amor comigo em frente a lareira para poder ver meu corpo iluminado apenas pelo fogo. A foto presa no clipe é de uma pequena árvore de Natal que parece estar no quarto dela. Provavelmente a montamos juntas.
Encontro outro bilhete escrito atrás de uma nota fiscal, em que ela detalha o que sente quando está fazendo amor comigo. Meu rosto esquenta enquanto leio aquilo várias vezes, curtindo a luxúria dela. A foto presa nesse bilhete mostra minhas costas nuas. Suas fotos são bem fortes, assim como suas palavras. Elas me deixam sem fôlego, e não sei se a parte de mim de que não me lembro está apaixonada por ela. Sinto apenas curiosidade pelo garota ruiva que olha para mim com tanta sinceridade.
Deixo o bilhete de lado, com a impressão de estar bisbilhotando a vida de outra pessoa, e fecho o livro. Isso pertencia a Daisy. Não sou ela. Pego no sono cercada pelas palavras de Ellie, com suas cartas e frases rodopiando pela minha cabeça até...
Uma garota se ajoelha na minha frente.
— Me escute — sussurra ela. — A gente não tem muito tempo...
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INERENTE; ellie williams
RomansaMelhores amigas desde a infância. Apaixonadas desde a adolescência. Desconhecidas desde essa manhã. Todas as recordações desapareceram... Ellie e Daisy precisam trabalhar juntas para descobrir a verdade sobre o que aconteceu com elas e o porquê. Por...