Nine; D

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Daisy


Não é uma boa noite.

O alçapão do sótão fica no armário que divido com minha irmã. Depois de mandar a mensagem de boa noite para Ellie, subo nas três prateleiras, que estão abarrotadas de tecidos, e empurro a portinha com as pontas dos dedos para cima até ela se mover para  a  esquerda.

Olho  para  trás  por  cima  do  ombro  e  noto  que Lily não desviou os olhos do celular. Subir para o sótão e deixá-la para trás deve ser algo que faço com frequência. Quero convidá-la para vir comigo, mas já foi cansativo demais convencê-la a ir jantar. Fica para a próxima, penso. Vou descobrir como resolver as coisas entre nós duas.

Não  sei  por  que,  mas  enquanto  me  ergo  pelo  buraco  e  entro  num  espaço ainda mais apertado, visualizo o rosto de Ellie, sua pele clara e macia. As sardas. Seus lábios rosados. Beijei sua boca tantas vezes e mesmo assim não me lembro de um beijo sequer.

O  ar  está  quente  e  abafado.  Engatinho  até  uma  pilha  de  travesseiros  e  me encosto nela, estendendo as pernas na minha frente. Há uma lanterna em cima de  uma  pilha  de  livros.  Eu  a  ligo  e  examino  as  lombadas:  são  histórias  que conheço, mas que não me lembro de ter lido. Que estranho ser feita de carne, se equilibrar em ossos e ter uma alma que nunca conheci.

Pego um livro de cada vez e leio a primeira página. Quero saber quem ela é, quem eu sou.  Depois  que  já  vi  toda  a  pilha,  encontro  um  livro  maior  na  base, encadernado com couro preto enrugado. De início, acho que encontrei um diário. Minhas mãos tremem ao abrir as páginas.

Mas não é um diário. É um álbum de recortes. Com cartas de Ellie. Cartas que Ellie me escreveu. Sei porque ela assinou todas com um E.W riscado, com traços irregulares. E sei que gosto da sua letra firme e diferente. No topo de cada bilhete tem uma foto presa por um clipe, presumidamente uma foto que Ellie tirou. Leio um após o outro, estudando as palavras. Cartas de amor. Ellie está apaixonada.

É lindo.

Ela gosta  de  imaginar  uma  vida  comigo.  Numa  carta  escrita  atrás  de  uma sacola de papel pardo, ela detalha como vamos passar o Natal quando tivermos nossa  própria  casa: em uma fazenda, sidra  de  maçã  misturada  com  bebida  alcoólica  perto  da árvore de Natal, massa de cookie crua que nós duas comemos antes mesmo de botar para assar. Ela diz que quer fazer amor comigo em frente a lareira para poder ver meu corpo iluminado apenas pelo fogo. A foto presa no clipe é de uma pequena árvore de Natal que parece estar no quarto dela. Provavelmente a montamos juntas.

Encontro outro bilhete escrito atrás de uma nota fiscal, em que ela detalha o que sente quando está fazendo amor comigo. Meu rosto esquenta enquanto leio aquilo várias  vezes,  curtindo  a  luxúria  dela.  A  foto  presa  nesse  bilhete  mostra  minhas costas nuas. Suas fotos são bem fortes, assim como suas palavras. Elas me deixam sem fôlego, e não sei se a parte de mim de que não me lembro está apaixonada por  ela.  Sinto  apenas  curiosidade  pelo  garota ruiva que  olha  para  mim  com tanta  sinceridade. 

Deixo  o  bilhete  de  lado,  com  a  impressão  de  estar bisbilhotando  a  vida  de  outra  pessoa,  e  fecho  o  livro.  Isso  pertencia  a Daisy. Não  sou  ela.  Pego  no  sono  cercada  pelas  palavras  de Ellie,  com  suas  cartas  e frases rodopiando pela minha cabeça até...

Uma garota se ajoelha na minha frente.

— Me escute — sussurra ela. — A gente não tem muito tempo...

INERENTE; ellie williamsOnde histórias criam vida. Descubra agora