É tarde da noite, do domingo chuvoso, da primeira semana do mês de junho do ano dois mil e vinte e três. A futura estudante de medicina, Eleonor de Medeiros, olha para as estrelas no céu, de dentro do seu apartamento na Avenida Boa Viagem.
A jovem menina, que tem a idade de vinte e dois anos, come um sanduíche de Atum enquanto observa o infinito céu estrelado e pensa na sua vida.
Uma jovem mulher com a idade de Eleonor, já teria normalmente as mais diversas dúvidas inerentes à sua idade, mas, Eleonor literalmente já comeu e come o pão que o diabo amassou.
Lembrando que Eleonor é ateia. Porém, a premissa do "pão" traz uma realidade humanamente perversa.
A única certeza que a jovem médica tem, é que o diabo vive nas centenas de milhares de CPFs e identidades que andam escondidos nos mais diferentes nomes.
A música Disarm, da banda de rock alternativo chamada The Smashing Pumpkins, toca na Playlist "Borboleta", criada com as músicas que Eleonor mais ama... aquelas músicas que são escutadas nos dias em que ela se sente mais insegura.
Suspirando Eleonor morde o sanduíche mais uma vez e mastiga com calma. Lágrimas correm pela sua face beijando-lhe os lábios enquanto se lembra dos seus pais: Doutora Janete Medeiros e Souza e Doutor Hermes Souza.
O casal de médicos trabalha no Hospital da Restauração, em Recife.
Ela é filha única.
É horrível todos os dias ser alvo de piadas grotescas referentes à sua cor preta, sexualidade incompreendida ou cabelo afro.
Eleanor sabe que todos os dias sua vida corre perigo, e isso não é exagero.
Quem é mulher, sabe que não é fácil ser mulher.
Desde pequena, Eleonor sabia que era diferente. Ela sabia que seu interior era totalmente diferente do seu exterior.
E o espelho começou a ser mais implacável na puberdade, mostrando-lhe diariamente uma realidade cruel na natureza diabólica das pessoas carcomidas pela vilania extrema.
Os demônios de carne e sangue até hoje lhe perseguem, colocando-a diariamente num inferno de lago e enxofre por ser quem é... e apenas por isso... por ser quem é... uma metamorfose ambulante.
Eleonor sofre por ser mulher... sofre por ser preta, inteligente, linda e bondosa. Mas, ela é guerreira. Não abaixa a cabeça para ninguém. Seus pais são uma fonte diária de inspiração. Venceu e vence na vida com muita garra, garra essa que ela sabe que herdou dos dois.
E nunca recebeu deles uma vírgula de incompreensão ou com qualquer adjetivo que não tenha a palavra amor em sua concordância.
Eleonor, aos poucos, e juntamente com seus pais, foi pavimentando sua transição. O difícil caminhar da lagarta que será uma borboleta em sua totalidade mental e física.
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SENHOR DA NOITE - Lançamento dia 04 de Abril de 2024
TerrorSENHOR DA NOITE "Yvi Sorrento nasceu numa data qualquer em um mês com nenhuma celebração, no calendário Espúrio." Foram essas frases que Eleonor de Medeiros, estudante de medicina da Universidade Federal de Pernambuco, leu na...