9 - NÓ DA GARGANTA

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Quando foi escrito que Antônio abriria várias frentes de enfrentamento contra todas as coisas, pessoas ou situações que afrontassem seu filho, não foi papo furado.

Antônio, não trabalhou "para sempre" na Industrial de Cerâmica da Família Nabuco como jardineiro, e suportou inúmeras injustiças no trabalho no decorrer dos anos que trabalhou ali... Até o dia em que pediu demissão.

Antonio trabalhou ali, uns doze anos. Os outros anos seguintes, em que Hermes estava estudando para ser médico, vendeu pipoca e água mineral nos sinais da Avenida Agamenon Magalhães — A Agamenon, como é chamada normalmente, é uma extensa avenida que liga Recife a Olinda. Ele não deixou faltar nada para seu filho.

Lembrando que, na década de 80 estava faltando tudo nos supermercados por causa da hiperinflação que chegava a quase 100% ao mês, consumindo diariamente os salários congelados do povo brasileiro devido ao famigerado Plano Cruzado.

Mas, voltando ao último e fatídico dia de trabalho ali, o sertanejo indígena foi pego com um pedido inusitado dentro da sala do chefe.

— Índio, não sou eu quem estou pedindo, foi o patrão. Desculpa aí de verdade. — A voz de Firmino estava embargada. O homem baixinho, branco, careca e de cabeça ovalada, foi sincero no pedido de desculpa.

Firmino era o chefe de produção e continuava sentado por trás de uma mesa de cimento, coberta em sua totalidade por diversas cerâmicas diferentes.

Antônio se debruçou sobre a mesa e perguntou chateado:

— Mas, ele não disse o motivo? Apenas chegou e disse que não queria que meu filho viesse mais? — Era permitido aos trabalhadores que levassem os filhos aos sábados para brincarem e terem um dia diferente, enquanto seus pais trabalhavam meio expediente.

— Foi... Olha, talvez o doutor Austrageliso esteja tendo um dia ruim... Vamos dar um tempo e, quem sabe, ele não volte atrás com todo esse disparate?

— Acho que isso nunca vai acontecer. Ele não presta, Firmino, e você sabe disso. Eu vejo como ele trata a maioria de nós aqui.

— Fala baixo, homem. Paredes têm ouvidos.

— Eu tô mentindo?

— Claro que não!

— Aqui nessa empresa preto não tem vez. Somente branco e lambe rola... — Antônio, percebendo para aonde sua indignação estava indo, parou de falar e suspirou. — Desculpe-me. Não estava me referindo a você.

Firmino se levantou da cadeira de madeira e disse:

— Índio, eu gosto do seu trabalho. Você é incansável. Não é acomodado, não faz corpo mole, se peço para trabalhar na olaria, você tá lá. Se peço para trabalhar como motorista de entrega ou para descarregar material de cima dos caminhões, você também está lá. — Firmino colocou a mão direita no ombro esquerdo do seu ajudante. — Ele sempre está de viagem pelo mundo. Vêm duas ou três vezes no mês e não é difícil esconder uma criança por aqui. — Firmino, deu duas tapinhas, depois dessa fala, e olhou nos olhos de Antônio.

— Firmino, não se preocupe. Hermes não vem mais. Eu Preciso do emprego, mas ele não precisa se esconder como um foragido da lei quando o bonito tiver por aqui. E sossegue o coração que não vou te criar problemas por causa disso. O que precisar, tô por aqui.

A porta da sala foi aberta de forma inesperada e urgente.

— Chefe — Torres para de falar com Firmino e volta toda sua atenção para Antônio. — Índio? Estávamos todos te procurando! Seu filho quebrou o braço!

Antônio, disparou para fora da sala do chefe sem nem olhar para trás. Os três saíram correndo na direção do que parecia ser um tumulto.

Logicamente o pai foi o primeiro dos três ao chegar no local e ver seu filho se contorcendo de dor, sentado no chão quente do meio-dia. A cena abriu uma fúria ardente em seu coração.

— Hermes, meu filho. Como aconteceu isso? Papai sempre fala para você ter cuidado.

— Fui eu. — Antônio, quando chegou não havia visto o doutor Austrageliso em pé, ao lado de Hermes, e com seu filho Adriano parado em sua frente. O patrão falou de forma seca e sendo admirado pelo filho que tinha uma ruindade maligna em seu olhar.

Uma ruindade que fez Antônio lembrar-se da maldade da seca. Sim, quem a conhece deixa de vê-la como uma falta de tudo e passa a enxergá-la como um monstro insaciável que sai devorando a tudo e a todos... Sim, o mito local que contava a história do Príncipe de Sangue que aprisionou num dos quartos da sua casa a Mãe de Pantanha, a genuína mãe do diabo.

A Mãe de Pantanha ou a Mãe da Desordem, do caos, que devorava os homem pela sua genitália cheia de dentes, quando fugiu da prisão do Príncipe de Sangue, liberou sua praga mais maligna... A Seca.

— Não me olhe com essa cara surpresa. Eu já falei para o Firmino que não quero seu pretinho aqui e muito menos brincando com o meu filho. — A voz de Austrageliso Nabuco era fria e sem qualquer sinal de remorso.

Antônio, levantou-se e ao pensar em dar o primeiro passo, ele escutou um engatilhar de uma arma atrás dele.

Austrageliso Nabuco, saiu de detrás do filho e passou por cima de Hermes cuspindo ao lado da criança.

— Vamos, seu merda. — Antônio, cerrou os punhos mesmo com o cano de uma arma atrás da sua cabeça. — Por que se levantou mesmo? Iria fazer o que, seu preto nojento? Aquele calhorda do seu sogro te enfiou em minha goela a baixo. Eu só não te mato porque aquele traste é da família, mas, não me tente. Eu quebrei o braço do seu filho e se você continuar me olhando com esse olhar altivo, quebrarei ele todo na sua frente e depois farei você ver ele morrendo afogando no Rio Capibaribe, em plena luz do dia, porque eu posso fazer isso. — Antônio sabia que o Austrageliso Nabuco não estava blefando. — Vou repetir... Eu posso te matar depois de ver seu filho se afogar na frete de quem eu quiser... E eles não farão nada.

Pelo filho, Antônio saiu da postura de confronto, abaixou-se e o pegou, colocando em seus braços. Sem olhar para trás foi embora. Sua postura era ereta. Antônio, não iria se mostrar um impotente na frente de Hermes.

Ele não ia chorar sua ira ali, naquele momento.

Antônio foi urrar em silêncio, segurando sua dor na saída do nó da garganta, tampando sua cara com um travesseiro, de bruço para cima, deitado numa cama que parecia ter um colchão feito com facas.

Hermes, dormia ao seu lado, com o braço esquerdo engessado.

SENHOR DA NOITE - Lançamento dia 04 de Abril de 2024Onde histórias criam vida. Descubra agora