21 - DIALOGOS

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— Vivemos numa sociedade caótica. Num mundo civilizado sem nenhuma civilidade. Confesso que com a chegada da modernidade, imaginei que o mundo avançaria muito quanto sociedade..., mas, foi um ledo engano... avançou quase nada.

Ivy, encontra-se em pé, e da cobertura do seu imóvel observa o mundo que amanhece através das imensas janelas de vidro. Ele está falando com Victor, que se encontra sentado e amarrado, atrás dele.

— Tenho visto inúmeras coisas nesses últimos duzentos e poucos anos, que estou andando pelas ruas das megalópoles. E aqui, em Recife, não tem sido nada diferente.

Ivy Sorrento está usando um terno italiano preto, sem vinco, tendo seus cabelos amarrados para trás e por baixo do terno, uma camisa de linho rosa clara.

— Por favor, me mate logo. — Pede Victor, que tem o corpo lavado em sangue.

— Victor... a sua hora vai chegar, mas como disse, vai demorar.

— Por favor, não... eu sou um ser insignificante para você.

              O rapaz fala com seus olhos fechados. Ele tem medo de ver novamente a face de Ivy.

— Eu vi párias iguais a você e a sua família dizimarem gerações inteiras. Crianças, mulheres e homens que tiveram os cursos das suas vidas interrompidos pela maldade humana. Pessoas inocentes, que nunca fizeram mal a ninguém... nem a elas mesmas... enterradas em valas que nunca serão achadas.

A voz de Ivy era pesada e reflexiva. Havia um ranço nas suas memórias, que fluía rapidamente pela corrente sanguínea, como um veneno mortal.

— Eu sou um demônio, e sei disso... mereço isso... quero morrer.

O vampiro escuta os murmúrios do jovem e percebe que não há cinismo, mas, um desejo que a morte lhe abrace.

O vampiro vira-se e se aproxima de Victor, parando diante dele e começando uma nova sessão de tortura. Porém, dessa vez é mais demorada, com Ivy sugando o sangue do rapaz pelo Trapézio, musculo que fica entre o pescoço e o ombro.

A tortura consiste em deixar Victor com a menor quantidade de sangue e água circulando pelo corpo, gerando um aumento de fadiga muscular, provocando o excesso de ácido lático produzido pelo organismo, causando inúmeras câimbras musculares.

                 As dores aumentam imensamente, principalmente porque o rapaz não pode se mexer para descontrair os músculos dos braços e das panturrilhas.

Victor se estrebucha, como um porco no abatedouro.

             As amarras que prendem o corpo do jovem, o seguram para que não caiam da cadeira que se encontra presa no piso.

Porém, algo acontece nessa última leva de sangue sorvido por Ivy, que o faz franzir o cenho.

            Afastando-se do corpo quase sem vida do rapaz, Ivy volta a olhar o céu matutino.

             As memórias do rapaz estão presentes nas suas lembranças e não são nada agradáveis. Ivy, coloca suas mãos para trás e continua ruminando o passado de Victor, como se visse as memorias do rapaz passando numa televisão diante de si.

Como sempre vem acontecendo, depois de duas horas, três enfermeiros entram na sala com 3 bolsas de sangue para abastecer o corpo do rapaz.

Ivy aprendeu com a eternidade a ser paciente. Depois que a equipe médica confirma o retorno saudável de Victor à vida, o jovem que ficou dessa vez mais perto da morte, tosse cuspindo sangue.

— Eu morri?

— Esqueça a morte... pelo menos por enquanto.

         Responde Ivy, que voltou a olhar o Rio Capibaribe pelos janelões.

— Me ajude...

Pede Victor, convalescendo.

— Eu não nasci um vampiro... fui transformado pelo meu verdadeiro pai... aquele que me fez quem sou.

A íris dos olhos de Yvi estão amarelas, iguais ao ouro reluzente, refletindo de volta por causa do vidro da janela do apartamento.

— Se você pudesse me perguntar se na época eu desejaria ser o que sou hoje, logicamente que não queria. Mas, as tragédias se apegaram a mim igual como um câncer terminal, que meu derradeiro pedido foi virar o que sou hoje.

Ivy, suspira.

— Tragédias... — O vampiro abaixa a cabeça e continua: — Não perderei novamente o amor da minha vida para a violência. Você bateu muito forte ontem... e a força da sua maldade fez a reação contra sua ação. Acredite Victor, você nunca passou pelos meus planos. Mas, a vida da pessoa que amo estava em jogo, e não seria um bosta igual a você, a ameaça-la.

Ivy, sorri com os olhos quando pensa em Eleonor.

— Foram mais de duas gerações esperando por ela. Meu grande amor que partiu dessa vida sem que pudesse fazer nada. Você acredita em magia, Victor?

Os olhos do vampiro refletem as chamas do sol, criando uma majestosa cena de ser vista. Ele continua:

— Há mais de duzentos anos atrás, criei dois encantamentos. Um serviu para achar meu amor, e o outro servirá para achar nesta vida e nas próximas, aquele quem a matou. Sou um cara paciente... coisa que não fui no passado.

Um imenso lobo preto surge no recinto, cortando a conversa temporariamente, vindo do andar de baixo.

O lobo é gigante.

— Gêngis Khan!

O lobo fica ao lado de Ivy, para depois olhar na direção de Victor Nabuco.

O vampiro passa seu braço em volta do pescoço do animal, ficando os dois a contemplar a ascensão do sol. Lembrando-se de Victor, Ivy continua:

— Avisando que Gêngis Khan foi um presente do meu pai, até porque, nem era nascido quando o grande imperador mongol andou por esse mundo.

Ivy, acaricia o pelo do Lobo Preto.

— Meu grande amigo de todas as horas... antes que me pergunte, sim, você está diante do grande imperador mongol.

O vampiro vira-se para o rapaz:

— Você fede a medo e só comecei a primeira parte da tortura.

Victor, chora e pede:

— Eu quero morrer...

— Você sabe que seu pai deseja te matar?
Ivy dispara a pergunta, sabendo da resposta.

— E eu a ele...

Gêngis, rosna.

— Verdade amigo, uma família interessante de sucessão complicada... muito complicada.

A cabeça de Victor Nabuco despenca para frente.

O rapaz desmaiou devido à exaustão.

Ivy, com as mão no bolso, observa o rapaz.

SENHOR DA NOITE - Lançamento dia 04 de Abril de 2024Onde histórias criam vida. Descubra agora