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Eu não tinha ideia do que era uma boa noite de sono até poder dormir na minha própria casa.

Os primeiros dias em Mônaco foram tranquilos e agradáveis. Senti saudades disso. Mas agora eu teria que fazer jus ao meu novo título de princesinha. E talvez isso signifique que eu tenha que enfrentar alguns dragões.

Minha primeira tarefa é um almoço na casa dos Leclerc. É o meu quinto dia aqui, e sinto que quebrei os corações de Pascale e Lorenzo por não ter os visto desde que cheguei.

A única coisa em que conseguia pensar era em Charles e no nosso último encontro surpresa. O seu rosto nunca tinha saído da minha mente, e agora só tinha adquirido uma definição. Eu não deveria pensar nele tanto assim.

Joanne sorri encorajadora para mim, no fundo, ela sabia que ainda tinham coisas não discutidas.

A porta é aberta por uma Pascale radiante, que me abraça como uma filha. Lorenzo e Arthur me recebem como irmãos mais velhos, uma dinâmica antiga entre nós. E sem perceber, meu olhar vaga pela casa a procura de um outro rosto, o rosto dele.

E ele estava ali, com o rosto tímido que eu conhecia bem. Não soube o que fazer ao vê-lo, quis dizer alguma coisa, mas não sabia exatamente o que.

Acho que Pascale não soube do acontecido, pois nos colocou sentados lado a lado, e falando sobre nós como antigamente.

— Então, como foi Paris? — Ela pergunta.

— Foi revigorante! — Eu respondi, e só percebi depois a péssima escolha de palavras.

— Eu imagino, querida! Paris é linda, não consigo esquecer a última vez que fui. 

Charles solta uma risada sarcástica.

— Deve ter sido revigorante voltar para Mônaco também, não é, princesinha? — Ele sussurra por cima dos outros comentários na mesa. — Ou devo dizer, torturante?

Eu utilizo de bom grado a ponta do meu salto contra os dedos do seu pé. Ele solta um grunhido estranho. Era isso, os tormentos de Charles novamente. Eu o conhecia muito bem.

Quando algo o irritava, ele irritava também, só que venenoso. Mas eu não tinha ideia de que ele tinha se tornado alguém com a paciência tão curta.

— Charles? — Pergunta Pascale. — Você está bem?

— Um pouco enjoado do almoço, só um minuto. — Ele levanta da mesa em direção ao corredor. Pascale faz a menção de se levantar também.

— Não se preocupe, eu vou ver ele. — Digo para ela, indo atrás de Charles.

Ele sobe escadas e entra no quarto. Golpe baixo. Fecho a porta atrás de mim e vejo o seu rosto tomado por um escárnio, ou talvez frustração.

— O que quer que esteja fazendo, pare agora. — Digo. — Não é divertido, Charles.

Ele solta uma risada curta.

— Revigorante. Bom saber.

— Você sabe que eu não quis dizer isso.

— Sei? Você me deixou sozinho, Adeline. Nenhuma mensagem, ou uma despedida sequer. — Ele cospe palavras. — Como acha que eu me senti depois que te vi em Paris, aparecendo em revistas e sendo feliz?

— Charles...

— Não, sem essa. Você me deixou sem nada.

— Mas eu te escrevi quase todas as noites. Como acha que eu me senti também? Coloquei todo o meu coração naquelas cartas, mas é revigorante saber que não foi suficiente! — Eu dou as costas, e faço o meu caminho até a porta, mas sou impedida na metade. Sinto o aperto brusco das suas mãos contra o meu braço, me virando para si.

Eu sinto vontade de chorar, é como se estivesse sentindo a dor daquele dia novamente, do mesmo jeito. Eu sabia que isso era uma má ideia.

— Adeline, que cartas? — Charles me vira para si. Seus olhos me fitam profundamente, algo em mim se parte outra vez, algo que eu nem sabia que tinha.

Quantas vezes você precisa se machucar até cair outra vez e não sentir mais nada?

— As cartas. Você não as recebeu?

Ele nega com a cabeça e eu escondo a minha, sentindo as lágrimas escorrerem sem controle. O seu rosto expressava algo que eu não saberia como descrever.

Eu não percebi quando ele saiu do quarto, apenas enxuguei o rosto e desci as escadas. Não voltei a mesa, aquilo era mais do que eu poderia aguentar. Eu me sento num banquinho no jardim de Pascale e tento me sentir normal de novo. É quase impossível respirar.

Tento não lembrar que ele nunca leu as minhas cartas, isso também era demais. Eu perdi aquilo que não poderia ter, e o que já doía, deu um jeito doer ainda mais. Mas eu não posso chorar por isso, isso aconteceria de um jeito ou de outro.

— Vocês vão ficar bem. — A voz de Lorenzo me assusta.

Eu dou um sorriso e balanço a cabeça.

— Acho que dessa vez, não.

Lorenzo senta ao meu lado no banco e passa a mão no meu ombro, um gesto que ele sempre faz nas pessoas que quer confortar. É incrível como certas coisas nunca mudam.

— Vocês vão. Charles é cabeça dura, mas você tira isso dele. Só dê tempo ao tempo, ele passou por coisas demais, acho que você também.

— Ele te contou?

— Eu fui na sua casa um dia depois da sua viagem pra Paris, perguntar por você, a pedido dele.

Eu cai mais uma vez, ainda machuca.

— Ele ficou destruído, Addie, e enfurecido com você também. — Diz ele. — Eu entendia a dor dele, e fiquei enfurecido com você por um bom tempo. Mas com o tempo ele foi ficando arisco com todos, não era uma pessoa muito legal de se estar perto, até hoje está assim. Então pega leve com ele.

— Deus do céu, que bagunça. — Eu reclamo e Lorenzo ri.

— Vocês eram bem idiotinhas mesmo. Nada iria acontecer.

— Iria, Enzo. Iria sim.

Ele dá de ombros.

— Vocês iriam aprender a lidar, eu tenho certeza.

O otimismo dele me fez um pouco melhor. Eu enxugo o rosto outra vez.

— Venha, elas querem continuar a fofoca com você lá dentro. — Ele pede e eu me levanto, rindo.

Quando volto a mesa, ele está lá, com o rosto impassível. Mas dessa vez eu apenas me sento e finjo que ele não está ali, para o meu próprio bem. Não escuto sua voz durante o resto do encontro, e faço o meu melhor para ignorar o desconforto que é saber que tudo está estragado.

Faço o possível para me convencer de que as coisas estariam piores se estivéssemos ficado juntos. Não estariam, mas eu estava completamente apavorada.

✦ 𝐏𝐑𝐄𝐃𝐄𝐒𝐓𝐈𝐍𝐀𝐃𝐎𝐒. - Charles Leclerc. Onde histórias criam vida. Descubra agora