UM

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Mais uma linha foi traçada sobre a brancura lisa, crescendo em azul como uma raiz riscando a terra. Os traços se agruparam, curvas e retas formando palavras firmes expostas no quadro que era transformado em mais um canteiro de cores naquela sala adornada.

A Professora Daniela afastou seu pincel da superfície clara, conferiu o que tinha acabado de escrever e se virou para a turma, chicoteando no ar o cabelo loiro armado em um rabo de cavalo.

– Crianças! – chamou. – Gatinhos e gatinhas!

Os rostinhos viraram para a mulher, embora a atenção ainda não fosse completa, dispersa nos burburinhos, nos lápis riscando os papéis e nos pezinhos balançando abaixo das mesas.

– Terminem logo o desenho. Quem já terminou, quero que me dê o desenho e copie o recadinho da lousa na agenda, por favor. Aninha, guarde a tinta. Vai se sujar toda. – Daniela cruzou o pequeno espaço daquela atmosfera enérgica da sala de aula e se aproximou da garotinha com duas tranças embutidas na cabeça. – Quer ajuda?

– Não. Já terminei, tia. – A menina estendeu o braço, segurando pela ponta um papel que possuía mais tinta guache que qualquer outra coisa. Era necessário um pouco de boa vontade para distinguir as figuras humanas em um dos lados da folha.

– Perfeito. Vou pôr na minha mesa para secar. Alguém mais já terminou? – Daniela olhou em volta. – Marília?

Outra menina balançou o braço rechonchudo, em negativa.

A professora se afastou e chegou perto das carteiras de Fabrício e Fernando. Os gêmeos davam olhadelas rápidas para o desenho um do outro, mas não era possível dizer se estavam se copiando mutuamente ou vendo os detalhes já usados pelo irmão para não fazer igual. Daniela se desviou deles e recolheu o desenho da criança seguinte, no qual dava para reconhecer um homem de gravata ao lado de uma mulher em um vestido florido.

– Seu irmão, Giulia? – Ela apontou para o menino de boné e viu a garota balançar a cabeça. – Quantos anos ele tem?

– Dez.

– Que bonito! Gente, a Giulia fez um belo desenho. Quem mais está caprichando? Wellington, não mexa na cola do seu colega. – Daniela se esforçou para lembrar o nome do outro menino.

– Mas, tia... Não terminei de colar.

– Não falei nada de cola. A tarefa era desenhar a família para os coleguinhas conhecerem.

– Eu só coloquei papel verde na árvore, tia.

– Deixe-me ver. Ótimo. Que bom que desenhou a casa também. – Daniela recolheu o papel enrugado de tanta cola e com um cachorro desenhado maior que a própria família. Ela levantou o olhar e reparou nos garotos das carteiras de trás. – Guto, já terminou seu desenho? Não fique só olhando o do Vinícius.

– Já terminei – disse o garoto, voltando a se debruçar sobre a mesa vizinha.

Daniela chegou mais perto e franziu a testa para a imagem de uma mulher sorridente tomando todo o papel diante do menino que dobrava o pescoço suavemente, como que avaliando a obra.

– Onde está seu desenho, Vinícius? – Ela pegou o papel, olhando frente e verso em busca de uma pista da origem daquilo. Não havia nada. Era apenas o papel em branco de um lado e uma imagem colorida do outro.

– É esse – disse Vinícius, os cabelos ligeiramente ondulados caindo para trás quando levantou a cabeça e exibiu os olhos claros.

– Não era para trazer uma fotografia. Era para pintar. Ainda dá tempo de fazer se for rápido.

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