CINCO

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Olhando para as ruínas, Enzo podia comparar o tornado com uma criança travessa que pegava as casas alheias só para sacudir no ar e jogar de volta.

Não era uma boa visão, principalmente por saber que Vinícius tinha sido retirado daquela bagunça desconcertante em uma noite turbulenta. O garoto estava ao lado, observando absorto para o que um dia tinha sido sua casa. Certamente, Enzo se negaria a levá-lo àquele lugar, se o filho não tivesse insistido muito após ele pegar o carro na oficina e se despedir de Raul naquela manhã.

– Quer ir embora agora? – O pai olhou para o desenho que o garoto segurava. Vinícius tinha pintado a fachada da casa com cores vibrantes e o máximo de detalhes possível, um lampejo de vitalidade com seus canteiros de hortênsias e janelas arredondadas, contrastando com o campo de cacos retorcidos de paredes, pedaços de árvores, automóveis e mobília em que a rua havia se transformado.

Um passo foi dado e um segundo foi interrompido pelo homem mais velho.

– Aonde vai?

– Quero ver se...

– Se sobrou alguma coisa? – Enzo se agachou e virou os ombros do filho para ele. – É perigoso estar aqui. Ainda estão retirando os destroços e, além do mais, nada que realmente importa está perdida por aqui. Você está comigo, a salvo, e sua mãe... Sua mãe era uma mulher de Deus e ela está com Ele agora, e por isso nunca vai te abandonar, porque você é especial. Olha o que você tem. – Ele tocou nas pequenas mãos que seguravam as bordas do papel. – Você tem um dom. Você sabe o que é um dom? Uma vez li que um dom é quando conseguimos uma ajuda divina para fazer uma coisa que normalmente não se consegue fazer. Acho que é isso. Deus deu esse talento para você e, assim, você estará sempre bem próximo Dele, da sua mãe e da sua avó.

Vinícius desviou o olhar do desenho para as ruínas e considerou alguma coisa em silêncio, olhando sério para longe. Por fim, dobrou a folha, guardou no bolso do casaco e encarou os olhos azuis voltados para ele.

– Podemos ir agora.

Enzo se pôs de pé, estendeu a mão para o filho e virou as costas para a paisagem de residências reduzidas a um agrupamento de entulho espalhado pelo chão, levado por caminhões e vasculhado por bombeiros e moradores que se empenhavam em buscar bens perdidos ou, pelo menos, uma resposta.

Perto de uma esquina mais limpa, avistaram o utilitário esportivo preto esperando por eles como um animalzinho de estimação obediente.

Enzo sentou no banco do motorista depois de o filho se acomodar no banco traseiro e fechou os dedos ao redor do volante. Ele aguardou um minuto e guiou o veículo, deslizando com mais fluidez pelo asfalto, superando o peso que era deixado para trás.

Através dos vidros, não se via mais neve como nas suas recordações, mas destacavam-se telhados triangulares em contraponto ao céu acima da entrada de pequenas lojas e lanchonetes.

As ruas de Defrim ganhavam mais sons e passos humanos conforme avançavam pelas quadras em direção ao Mercado da Tenda, um monumental pátio circular protegido por uma enorme cobertura de zinco, parecida com a de um ginásio.

Assistindo a tudo pela janela, Vinícius chegou a pensar no tipo de tempestade que aquele teto poderia aguentar.

– Para onde vamos?

– Fazer umas compras. O que acha? – Enzo estacionou, saiu, ajudando o filho a descer, e foi para a entrada, onde se desviou de pessoas carregando sacolas de compras. – O que quer primeiro? – Ele olhou para o garoto e o viu mirando os banners coloridos e livros empilhados em bancas na fachada de uma das várias lojinhas que formavam o perímetro do espaço. – Vamos lá, então.

Ambos se aproximaram, deixando para depois as barracas de guloseimas no centro do pátio, e se detiveram em frente ao empilhamento de capas e lombadas formando degraus que levavam para mais livros.

– Você tinha livros?

– Tinha. Mamãe lia para mim à noite, às vezes.

– Escolha quantos quiser – encorajou Enzo.

Vinícius chegou mais perto, esticou a mão e acariciou títulos e ilustrações. A banca prosseguia loja adentro até um balcão com uma simpática atendente de cabelos grisalhos, e cada passo naquela direção o trazia uma descoberta, histórias novas e possibilidades de desenho gratificantes de se encontrar. Estava folheando contos infantis em uma seção quando o pai se postou ao lado dele com as mãos nas costas.

– Adivinha o que eu tenho.

O garoto sorriu, ficando nas pontas dos pés de excitação.

– Não sei. O que é?

– Não vai nem tentar? – Enzo esperou, conservando o suspense o tanto quanto pode, e finalmente mostrou o caderno que segurava.

A capa era revestida de um tecido verde-musgo, com preto na lombada e um pincel e uma paleta de metal em alto-relevo no canto inferior direito.

Vinícius o pegou e, ao abrir, viu as folhas de papel vegetal presas por quatro argolas que poderiam ser abertas como em um fichário.

– Para você pintar. Gostou?

– Gostei... – disse o garoto, acrescentando logo a palavra mágica que a mãe e a avó insistiam para que não esquecesse: – Obrigado.

– Este é apenas o primeiro de seu material que vamos comprar. – Enzo se agachou, lançando um olhar para as idas e vindas dos passantes que seguiam na tentativa de tocar a vida após o tornado. – Sua escola está pronta para retomar as aulas. Está animado?

Vinícius olhou para o presente em mãos, as folhas em branco prontas para serem preenchidas com o que ele pudesse ter para elas.

– Estou.

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